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Faltarão médicos para tratar bebês com microcefalia, alertam entidades

Gabriela Biló/Estadão Conteúdo
Imagem: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo

Maria Júlia Marques

Do UOL, Em São Paulo

01/03/2016 06h00Atualizada em 02/03/2016 22h54

Um bebê com microcefalia ou lesões cerebrais necessita de acompanhamento desde o nascimento e as consultas com diferentes especialistas podem ser semanais. As famílias precisam de equipes multidisciplinares, que incluem neurologistas e fisiatras, além de fonoaudiólogas, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais para garantir a saúde e reabilitação dos filhos. Entretanto, as entidades alertam que não há médicos para atender a todos, e, deste modo, os outros profissionais da rede de saúde ficarão sobrecarregados para atender esses pacientes.

Assim que um neném com microcefalia nasce, ele começa a ter consultas com um neurologista para analisar quais são as lesões cerebrais diagnosticadas e quais sentidos podem ser afetados. Ao mesmo tempo, a criança deve ser acompanhada por um fisiatra, médico responsável por compreender as incapacidades e tratar doenças que geram incapacidades físicas. Por via de regra, são eles que encaminham o paciente para fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e nutricionistas. Cada um desempenha um papel importante no delicado estado de pacientes com microcefalia.

Sem os médicos, uma parte desse tratamento ficará "faltando". E quem diz isso são os especialistas no tratamento de lesões neurológicas: para eles, não há dúvidas, faltarão médicos, e os cuidados das vítimas do surto de microcefalia associado à zika deverão ficar exclusivamente por conta de fisioterapeutas e fonoaudiólogos. Os fisios e fonos são capazes de cuidar das crianças com microcefalia, mas essas duas especialidades abrangem apenas uma área do tratamento que os bebês com microcefalia precisam, deixando de fora uma visão geral das necessidades que as lesões cerebrais causam, função que normalmente é desempenhada por neurologistas e fisiatras.

As sociedades de terapia, no entanto, alertam que, apesar de existirem grande número de profissionais de apoio, eles são poucos na rede pública de atendimento. 

O presidente da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil, Rubens Wajnsztejn, garante que o acompanhamento dos recém-nascidos com microcefalia terá problemas. “A gente sempre teve carência de neurologistas, agora acho uma loucura dizer que não vai faltar [profissionais]. Com certeza vai faltar.”

A sociedade tem cerca de 1.500 participantes ativos. Segundo os dados da pesquisa Demografia Médica no Brasil 2015, existem 4.362 neurologistas no país, ou seja, um para atender 45,9 mil brasileiros.

Para a fisiatra Regina Chueire, presidente da Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação, é preciso investir rapidamente em novos centros de reabilitação para garantir consultas, uma vez que essas crianças necessitam de atenção constante.

Somos 800 fisiatras, mas no Norte e Nordeste do país, onde a zika está grave, temos só 5 e 30 profissionais (respectivamente) e os centros não são adequados

Regina Chueire, presidente da Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação

A médica diz estar preocupada, mas quer se manter otimista. “Recebemos um pedido do governo para informar quais equipamentos tínhamos e quais sentimos falta para atender, mostra um movimento positivo, mas precisa ser acelerado”.

O Ministério da Saúde afirma que existem 138 centros especializados em reabilitação no país. Outros dez estão na fase final de obras e mais 65 centros serão habilitados em áreas com um vazio assistencial.

18.fev.2016 - Médico tira sangue para fazer exames de Luana, um bebê que nasceu com microcefalia no Hospital Oswaldo Cruz em Recife, Pernambuco   - Felipe Dana/ AP - Felipe Dana/ AP
Imagem: Felipe Dana/ AP
 

Falta de médicos transfere responsabilidade

Os profissionais de terapia em outras áreas da saúde afirmam que têm grande número de especialistas e podem ajudar nos cuidados, mas não na rede pública.

A presidente da Associação Brasileira de Fisioterapia Neurofuncional, Solange Canavarro, acredita que os pacientes vão ser atendidos por fisioterapeutas. “Somos responsáveis pela reabilitação, nosso papel é diferente do papel do médico. Depois do diagnóstico de microcefalia (dado pelo médico), as crianças são encaminhadas aos fisioterapeutas para eles trabalharem para que as crianças ganhem alguns movimentos. Isso sempre foi assim. Infelizmente faltam médicos na rede pública para a assistência desses bebês e também faltam fisioterapeutas.”

A associação conta com 1.582 fisioterapeutas neurofuncionais cadastrados, mas Solange afirma que são mais de 200 mil fisioterapeutas formados.

O problema é que a maioria [dos fisioterapeutas] está na rede particular. Os poucos que estão em iniciativas públicas precisam dar conta de uma rotina de consultas ao menos três vezes por semana com a mesma criança, ficam cerca de 40 minutos com ela. Será difícil atender a todas.

Solange Canavarro, da Associação Brasileira de Fisioterapia Neurofuncional

Com fonoaudiólogos o cenário é o mesmo. “Aqueles que dependem da rede pública terão problemas de acesso às equipes. Há lista de espera, burocracia para marcar, fora que tem município que não tem o serviço”, afirma Bianca Queiroga, presidente do Conselho Federal de Fonoaudiologia, que tem mais de 35 mil inscritos.

Ministério aposta em capacitação 

Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde diz fazer um levantamento do número exato de médicos na rede pública brasileira. O órgão tem um registro de 7.525 profissionais que trabalham nos núcleos públicos de apoio como fonoaudiólogos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais.

Para atender as crianças com microcefalia e alterações no sistema nervoso, o órgão aposta na capacitação de profissionais com um curso à distância para fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos e médicos que atuam nos diversos serviços da Rede SUS.