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Em 5 dias, casos de covid-19 devem dobrar em SP, diz pesquisa brasileira

O professor Domingos Alves, da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto - Reprodução
O professor Domingos Alves, da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto Imagem: Reprodução

Marcelo Oliveira

Do UOL, em São Paulo

02/04/2020 04h00

Resumo da notícia

  • O número de casos de covid-19 na cidade de São Paulo, que ontem (1) foi de 1.885, deverá saltar para 3.673 até 5 de abril
  • A previsão é de uma equipe de cientistas brasileiros, de várias universidades, que analisam dados oficiais
  • Domingos Alves, da Faculdade de Medicina da USP, em Ribeirão Preto, aponta que São Paulo devia fechar o aeroporto, estradas e avenidas
  • Ele é um defensor aguerrido das medidas de restrição e acha que aeroportos abertos agravaram situação da epidemia em quatro capitais

O número de casos de covid-19 (a doença causada pelo novo coronavírus) deverá praticamente dobrar em cinco dias em São Paulo, de acordo com modelo matemático sobre a evolução da epidemia no Brasil e, mais especificamente, em quatro capitais brasileiras. Segundo os pesquisadores, o número de casos registrados na capital paulista, que, em 31 de março foi de 1.885 (dados divulgados ontem, 1 de abril), deverá saltar para 3.673 até 5 de abril — um aumento de 94%.

Os dados estão sendo compilados e analisados por uma equipe de cientistas de cinco universidades brasileiras (USP, UFRJ, UERJ, UFRGS e UnB) e veiculados no site Covid-19 Brasil, publicado pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMUSP-Ribeirão).

O UOL entrevistou o professor de Medicina Social da FMUSP-Ribeirão, Domingos Alves. Doutor em Física pela USP, Alves é coautor de um documento escrito por sete cientistas brasileiros que aponta que a covid-19 se propaga mais rapidamente em capitais. Nele, os cientistas fizeram um apelo para que as pessoas acreditem na ciência e respeitem as medidas de restrição estabelecidas.

Como é o trabalho?

O grupo, composto no momento por 20 cientistas, utiliza várias ferramentas para, por meio de parâmetros epidemiológicos e modelos matemáticos, possíveis cenários da evolução da epidemia de covid-19.

"É um trabalho que une computação e matemática", explicou Alves, que busca a adesão de especialistas do Brasil inteiro. Nos últimos dias, cientistas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina aderiram ao grupo.

"Conversei com o Edson Amaro, do Albert Einstein, e nossa ideia é criar uma força tarefa nacional de ciência de dados", disse o professor da USP. O trabalho é voluntário e o grupo segue aberto a novas adesões.

Cidades devem ser monitoradas

Segundo Alves, a principal motivação é que o Brasil pare de analisar epidemias por estado ou num contexto nacional. "O pressuposto do monitoramento feito pelo site Covid-19 Brasil é que a análise epidemiológica no Brasil seja feita por municípios."

Os estudos mostram, até agora, que em quatro capitais brasileiras a covid-19 se expande de forma mais rápida: São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Fortaleza. A tese de Alves e dos demais cientistas é que isso acontece pois as quatro cidades são as maiores conexões aéreas do Brasil, o que amplia o número de pessoas circulando.

Monitorar cidades é fundamental, pontuou Alves, pois analisando a covid-19 pelo mundo é possível ver países que tiveram algumas cidades e regiões como principais focos de transmissão. "Na China, foi Wuhan; na Itália, a região da Lombardia; na Espanha, Madri, e em Portugal, o Porto".

"Nos Estados Unidos cresceu porque a epidemia se desenvolveu em três cidades diferentes, e no Brasil se espera um comportamento da epidemia parecido com o que aconteceu nos Estados Unidos, ou pior", avaliou.

Em SP, aeroportos e marginais deveriam estar fechados

Alves é um defensor radical das medidas de distanciamento social. "A literatura científica e a Organização Mundial da Saúde apontam que é a única solução. Isso tem que ser seguido."

Para ele, a cidade de São Paulo, devido à rápida evolução dos casos, já deveria estar com os aeroportos fechados "há muito tempo". "E as estradas, marginais e avenidas, como a Bandeirantes, por exemplo, deveriam estar fechadas. As medidas deveriam ser mais restritivas do que as adotadas até aqui", opinou.

Previsões para São Paulo

Ontem (1 de abril) foram divulgados dados da covid-19 até 31 de março, e o número de casos na cidade de São Paulo explodiu, passando de 1.233 para 1.885, o maior salto em um único dia — de acordo com o Centro de Vigilância Epidemiológica Estadual Alexandre Vranjac, que é a fonte utilizada pelo site Covid-19 Brasil.

"Esse boom era previsto, pelo tanto de resultados represados. É isso que está sendo medido", disse o professor da USP. "A previsão bateu. Bate com a margem de erro. Esse aumento brusco de casos e óbitos não é de hoje. Eram casos aguardando notificação", acrescentou.

SP supera outras cidades em casos por 100 mil/hab

Até os dados divulgados em 31 de março (que são de 30 de março), São Paulo estava em terceiro lugar no número de casos por 100 mil habitantes, entre as quatro cidades monitoradas pelo site Covid-19 Brasil. Hoje a capital paulista está em primeiro lugar, com 15,38 casos por 100 mil habitantes.

"Se a gente colocar os dados com relação à população de cada cidade, até ontem [anteontem] estava na frente Fortaleza, seguida de Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro."

Segundo o professor, ainda não se pode dizer que as medidas de restrição já estão surtindo efeito."O que está se medindo agora é o resultado de exames de 7, 10 dias atrás. Tem que testar mais e mais rápido", ponderou.

Brasil tem que prever sua epidemia

Segundo Alves, o Brasil tem que fazer a sua própria análise da expansão da epidemia de covid-19. "Imperial College, Oxford e Cambridge estão fazendo um excelente material. O nosso grupo está oficialmente colaborando com [pesquisadores de] Oxford para ajudá-los, pois eles ficam pensando no cenário internacional e queriam que a gente contribuísse com o cenário nacional."

"Eles são muito bons, mas temos que trazer as metodologias deles para dentro do nosso cenário", destacou.

"Os nossos cenários serão diferentes de qualquer epidemia que aconteceu no mundo. Os EUA têm realidade bem diferente da nossa. Nós temos que nos comparar com a Índia e com a África. Você vê notícia sobre como está o coronavírus por lá? Só se vê sobre Itália e EUA, mas a nossa realidade é muito diferente da deles, é muito diferente do hemisfério norte."

"Até agora essa epidemia no Brasil é epidemia de rico. Vai começar agora a atacar nossos pobres, que são bem diferentes dos pobres do hemisfério norte", alertou Alves.

Falta d´água

Na opinião do professor de Medicina Social da FMUSP-Ribeirão, um dos maiores problemas do Brasil é a diferença de cobertura de água encanada nas residências. Enquanto no Sul e Sudeste a média é de 95%, com algumas regiões atingindo 98%, no Norte e Nordeste esses índices caem para menos de 80%. "E a água, todos sabem, é um dos pressupostos para o controle da doença, para lavar as mãos."

Em favelas do Rio, surgiram "ideias super bacanas de proteção social, mas o Imperial College não tem noção do que acontece nas favelas do Rio, e dentro dessas regiões há comunidades com água que não é para a semana inteira. Como vai ter controle [da epidemia] se o abastecimento de água não é pleno?", questionou Alves.

Para o doutor em Física pela Unicamp, o combate à epidemia tem que ser mais abrangente. "É preciso bloquear o avanço dessa doença em certas comunidades, ou vamos participar de uma tragédia nacional."

O Imperial College projeta que o Brasil pode ter de 44 mil a 1,1 milhão de mortos, a depender da qualidade das medidas de restrição que forem adotadas pelo país. O estudo, segundo Alves, "vê a população brasileira como homogênea, e isso não é verdade".

Acreditar na ciência

O professor de Medicina Social da USP declarou ainda que as pessoas precisam entender que as medidas restritivas são importantes. "Até o Trump percebeu que é preciso fazer algo mais radical, porque senão perde o controle", lembrou. De início, Donald Trump tinha restrições às medidas de isolamento. Nos últimos dias, o presidente dos EUA passou a defendê-las.

"Deve ser feito um exercício generalizado dos pesquisadores e da mídia para tentar bloquear o que umas pessoas falam sem evidência científica. Isolamento vertical, por exemplo, não tem evidência nenhuma. É coisa de empresário que vê tudo pela ótica econômica", disse. Ele citou também o isolamento por gênero, que foi lançado no Panamá.

Ano de eleição

"Minha outra preocupação é o fato de governadores e prefeitos estarem dizendo que as medidas já estão dando certo. Estamos em ano de eleição, até que alguém diga o contrário. Já deveriam ter cortado linhas de ônibus e trem, e as vias expressas deveriam estar fechadas para não estimular as pessoas a saírem de carro", observou Alves.

Testes em massa

Por fim, o professor revelou estar preocupado com a subnotificação. "Estão notificando só quem está hospitalizado. Temos que fazer testes em massa", disse.

"Temos que gastar dinheiro com testes, porque testes podem ser muito mais baratos que internação. Isso que digo se alinha com o discurso do ministro Mandetta, só que o discurso tem que ser efetivo", finalizou.