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Covid-19: gestores relatam falta de especialistas para novas vagas de UTI

Entidades médicas alertam para a falta de profissionais especializados para UTI - Bruno Kelly - 13.abr.2020/ Reuters
Entidades médicas alertam para a falta de profissionais especializados para UTI Imagem: Bruno Kelly - 13.abr.2020/ Reuters

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

26/04/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Gestores de saúde relatam a falta de profissionais especializados, especialmente nas regiões Norte e Nordeste
  • A principal lacuna ocorre na ocupação de vagas para os leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva)
  • Autoridades e hospitais estão realizando treinamentos emergenciais para habilitar profissionais, mesmo sem especialidade na área
  • Além do cálculo médico por leito não fechar, a falta de especialistas pode ser agravada caso profissionais adoeçam

A corrida dos gestores da saúde para criar leitos de terapia intensiva, para o tratamento de pacientes diagnosticados com a covid-19, encontra uma dificuldade alertada há anos por entidades médicas no Brasil: a falta de profissionais especializados, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. A principal lacuna ocorre na ocupação de vagas para os leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva).

Vários estados abriram editais emergenciais e formaram médicos antes mesmo da conclusão do curso, para atender a demanda. No caso do Pará, na falta de profissionais locais, o governo anunciou a contratação de médicos cubanos sem diploma revalidado, mas que ficaram no Brasil após o rompimento do contrato do governo brasileiro com o do país caribenho.

Para tentar suprir a carência, autoridades e hospitais estão realizando treinamentos a toque de caixa para habilitar profissionais, mesmo sem especialidade na área, para tratarem especificamente de pacientes com o novo coronavírus.

A maior preocupação está na falta de médicos. Segundo o portal do CFM (Conselho Federal de Medicina), existem atualmente 4.512 profissionais ativos com habilitação para medicina intensiva. De acordo com o Ministério da Saúde, são 30 mil leitos de UTI adulto disponíveis para tratar a covid-19, fora os outros leitos, como os de doenças cardíacas e pediátricas. Além disso, é preciso levar em conta as folgas das escalas de trabalho e o adoecimento desses profissionais durante a pandemia.

Segundo regulamentação do Ministério da Saúde, um médico deve tomar conta de no máximo 10 leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) ao mesmo tempo. A proporção é a mesma para enfermeiro e fisioterapeuta. Já um técnico de enfermagem é indicado para cada dois leitos.

"Esse número vale para situações normais. No caso da covid-19, temos que levar em conta que o agente [coronavírus] é extremamente contagioso, e leva-se muito tempo para paramentação e desparamentação ao manipular cada paciente. Ou seja, pode ser que necessitemos de mais profissionais por cada UTI em algum momento", alerta o intensivista Frederico Ribeiro, chefe de UTI do Hospital dos Servidores do Estado, no Recife.

Além do cálculo médico por leito não fechar, a falta de especialistas pode ser agravada caso profissionais adoeçam, precisando de substituição. No caso da covid-19, o tempo médio de afastamento é de 21 dias.

Profissionais de outras áreas

De acordo com a vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), Bernadete Perez, tem sido comum, nas novas frentes de trabalho abertas para os leitos de UTI, a contratação de profissionais sem formação específica de intensivista. Para ela, todos precisam treinar antes de atuar.

"A formação para esses profissionais — enfermaria e leitos de UTI — tem sido por capacitações breves. Essas capacitações são treinamentos rápidos, que têm relação com paramentação, com a caraterística do vírus, [entender] o que é SRAG [Síndrome Respiratória Aguda Grave], quais os sinais de alerta, qual é a hora de sair da enfermaria e ir para a UTI, como higienizar todo o material de proteção individual, a intubação...", explica.

"É o que está acontecendo muito mais frequentemente no Brasil, promovido pelos próprios hospitais e pelas demandas dos próprios estados e municípios. É importante tentar compor escalas com profissionais com maior experiência. Isso tem ajudado no cotidiano dos serviços", completa Perez.

O presidente da AMB (Associação Médica Brasileira), Lincoln Ferreira, afirma que será inevitável, no caso de um agravamento da crise e de lotação nos hospitais, usar profissionais de outras especialidades que possam atuar no caso específico da covid-19.

"Não temos dúvida de que é profundamente necessário. Não se forma especialista em curto espaço, mas para lidar com uma situação específica você tem como treinar de forma rápida. É o caso dos anestesistas, que têm toda expertise de intubação, por exemplo", pontua Ferreira.

Déficit em Pernambuco

Estado com a terceira maior taxa de letalidade para covid-19, Pernambuco pretende abrir 1.000 leitos (600 de UTI) para o tratamento da doença. Segundo o secretário estadual de Saúde, André Longo, já há uma dificuldade na contratação de profissionais de medicina intensiva.

"É uma área em que não temos muitos profissionais disponíveis com formação específica. Não é uma área de residência com grande número de vagas. Mas temos diversas especialidades que também têm conhecimento na área de terapia intensiva e que podem ser aproveitadas para fazer esse trabalho", diz.

Na última semana, o estado publicou edital convocando 1.164 médicos, sendo 72 idosos para atendimento domiciliar. Eles estavam em outros setores, mas vão atuar na linha de frente da covid-19, em substituição aos profissionais que adoeceram em decorrência do novo coronavírus.

A doutora em Ciências da Saúde da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), Aracele Cavalcanti, chama a atenção para a necessidade de treinamentos, para evitar um verdadeiro surto de contaminações. Em Pernambuco, até a última semana, 1.353 profissionais de saúde foram afastados por covid-19.

"Meu medo é que metade desses profissionais adoeça por falta de técnica, além da falta de EPI [equipamento de proteção individual]. Os hospitais precisam preparar a equipe fazendo simulação, que nessa área é tudo, porque habilita para a prática. Se não treinar, na hora da agonia vai ser contaminação atrás de contaminação", pondera Cavalcanti.

Na rede privada, mais trabalho

Na área particular, o vice-presidente da Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados), Henrique Neves, afirma que também há preocupação com a falta de especialistas.

"Você não consegue aumentar a oferta desses profissionais de uma hora para outra. São formações de dois ou três anos", explica Neves, citando que o movimento que ocorreu nos hospitais foi o aumento da carga de trabalho. "Eles [profissionais de medicina intensiva] vão ter que se desdobrar: vão ter mais trabalho, será mais intenso."

Para o porta-voz da Anahp, a maior dificuldade dos hospitais hoje é ter estoques de EPIs, o que pode ocasionar problemas pontuais de falta de profissionais. "Se a gente não tiver esses equipamentos, vamos perder profissionais infectados; e nessa hora eles são fundamentais para a resposta que precisamos dar", finaliza.