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Aumento da testagem ainda é insuficiente para flexibilizar isolamento

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Imagem: iStock

Rodrigos Marros e Carlos Madeiro

Do UOL, no Rio e em Maceió

23/04/2020 04h00

O Ministério da Saúde tem como estratégia a testagem em massa da população brasileira para o coronavírus a fim de reduzir medidas de distanciamento social. No entanto, os números de exames previstos ainda são insuficientes para afrouxar o isolamento, considerando parâmetros de países mais eficientes no combate à doença como Alemanha e Coreia do Sul.

Ao assumir o cargo, o ministro da Saúde, Nelson Teich, apresentou como uma das primeiras medidas ampliar a aquisição de testes para 46 milhões —22 milhões de exames rápidos, que identificam anticorpos para o coronavírus, e 24 milhões de RT-PCR, que definem com precisão se uma pessoa tem a infecção. Apesar da ampliação, o volume de processamento desses testes e o ritmo da entrega dos resultados ainda podem representar um obstáculo para balizar definições sobre relaxamento do isolamento.

Laboratórios públicos preveem processar 30 mil testes por dia a partir do próximo mês, conforme anunciou a Fiocruz em reportagem do UOL. Além disso, o grupo privado Dasa fechou parceria com o Ministério da Saúde para realizar o processamento de 3 milhões de testes em seis meses, mas isso depende de o governo repassar insumos para os exames.

Neste cenário, o Brasil pode processar em torno de 1,5 milhão de testes em maio. O número representa pouco menos de 1% da população do país (219 milhões de pessoas). Até agora o Brasil tem número impreciso de testes realizados, sendo o último divulgado pelo Ministério da Saúde de 62 mil.

Pesquisador vê teste em 2% da Alemanha como parâmetro

"Os países testaram mais ou menos 2% da população", diz Alessandro Faria, do Instituto de Biologia da Unicamp e coordenador da força-tarefa para combate ao coronavírus. "A Alemanha é um bom parâmetro. É um número ideal."

O país de Angela Merkel, de fato, realizou 1,7 milhão de testes, o que representa 2% da população ou 2.000 exames por 100 mil habitantes. Com esse número, a Alemanha, que manteve baixa a taxa de letalidade pela covid-19, já começa a implementar medidas de reabertura de setores da economia.

Outros países europeus também testaram mais de 2% da população, como Portugal e Itália. Os italianos começam a reabrir setores da economia após se tornarem um dos casos mais dramáticos da epidemia em termos de letalidade (25.085 mortes).

Considerada um exemplo no combate ao coronavírus, a Coreia do Sul fez 577 mil testes, ou seja, pouco mais de 1% de sua população. Mas teve uma política agressiva de monitoramento de infectados e suspeitos por celular desde o início da epidemia, o que reduziu o número de casos no país.

Para o ministro Nelson Teich, o importante não é número de testes e, sim, utilizá-los com estratégia para determinar quais regiões são as mais afetadas. Ontem, em entrevista coletiva à imprensa, ele comparou os cenários da Coreia e Itália —os coreanos testaram 1% da população e foram eficientes no combate ao coronavírus, enquanto os italianos fizeram análise de 2,5% da população e tiveram um cenário grave.

"Trata-se de teste em massa, mas a Coreia testou 1% da população. É uma combinação de testes disponíveis e saber quem você vai testar", afirmou. "O que importa não é você testar, mas como você conduz depois."

Para José Luiz de Lima Filho, diretor do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), um aumento célere da testagem é fundamental.

O número de testes é muito reduzido no Brasil e isso dificulta muito para as autoridades montarem qualquer plano estratégico de leitos ou mesmo de saber as áreas e regiões mais atingidas para que o bloqueio seja mais eficiente

José Luiz de Lima Filho, diretor do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami da UFPE

Na visão do pesquisador, o Brasil começou a se preparar tarde para enfrentar a epidemia e ainda capenga em infraestrutura para os diagnósticos.

"Vários laboratórios usam métodos manuais para fazer o diagnóstico, e essas equipes rapidamente se contaminam, consequentemente esta mão de obra, assim como pessoal de saúde fica afastado. Os laboratórios deveriam ter equipamentos automatizados para extração do RNA, mas pouco possuem", explicou ele, que espera mais investimento do governo nessa área.

Como a testagem define a flexibilização do isolamento?

Para ter segurança no relaxamento social, o Brasil precisaria chegar a 4,2 milhões de testes (2% da população), segundo especialistas. Assim, seria possível isolar infectados, seguindo estratégias de outros países. Mas, pela expansão prevista de laboratórios privados e públicos, não dá para saber quando o país chegará a esse número, o que não deve ocorrer antes de julho.

"Se demorar mais, não vai servir para organizar a dinâmica social. O objetivo é tirar quem está com vírus do contato social. Se demorar muito tempo, essa medida passa a não ser efetiva", diz o vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Marco Krieger, que coordena o esforço da entidade para atender as demandas de testagem em massa.

Ele explica como funciona em outros países o controle das pessoas testadas. "Tem todo um sistema de monitoramento e de resposta a essas pessoas. Isso é feito com aplicativo. As pessoas eram controladas pelo celular [em outros países]." O governo brasileiro contudo ainda não revelou nenhuma política nesse sentido.

Outro ponto é que, com a ampliação de testes, seria possível identificar cidades ou regiões onde não há número significativo de casos de coronavírus. Assim, esses locais poderiam permitir a maior circulação de pessoas, enquanto outros com grande número de infectados teriam de ser mais duros.

Os testes rápidos (sorológicos), por sua vez, têm outra função que é identificar uma parte da população que já teve o coronavírus e teoricamente produziu anticorpos contra a doença. Não são confiáveis para descartar o vírus por não terem precisão no diagnóstico. São mais úteis, contudo, para testar a imunização da população.

"Temos que saber quanto esse anticorpo é protetor de fato. Poderia combinar o teste de RT-PCR e do anticorpo. Se desse negativo, [a pessoa testada] poderia sair para reaquecer a economia porque não tem carga viral suficiente para transmitir", analisou o biólogo Alessandro Faria. O pesquisador ressalvou que não está confirmado que curados se tornam imunes ao coronavírus nem por quanto tempo estariam protegidos.