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'Fecha praia, mas abre igreja': médicos criticam reabertura de Crivella

8.jul.2020 - Banhistas em praia no Rio de Janeiro durante a pandemia de covid-19 - Ricardo Moraes
8.jul.2020 - Banhistas em praia no Rio de Janeiro durante a pandemia de covid-19 Imagem: Ricardo Moraes

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

11/07/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Especialistas citam "desprezo" por evidências científicas
  • Abertura de shoppings também foi alvo de críticas
  • Médicos defendem liberação gradual de praias, sem aglomerações
  • Crivella justifica veto dizendo que calor impede uso de máscara nas praias

Especialistas apontam contradições e "desprezo" por evidências científicas nas medidas de reabertura adotadas por Marcelo Crivella (Republicanos), prefeito do Rio, em meio ao combate à covid-19. Eles questionam a reabertura de igrejas e shoppings e a restrição mais dura às praias. No começo de junho, Crivella liberou atividades físicas na orla e esportes aquáticos individuais, incluindo natação, surfe ou um simples mergulho.

Isso provocou um aumento de banhistas nas areias, sobretudo nos dias de sol, e Crivella recuou nesta semana sobre uma possível liberação total nas praias. Apesar disso, especialistas ouvidos pelo UOL viram contradição entre a restrição nas praias —cuja reabertura total está condicionada à descoberta de vacina contra covid-19— e o funcionamento de igrejas e shoppings, que têm recebido milhares de pessoas em ambientes fechados na capital fluminense.

Eu perguntaria para o Crivella: qual evidência científica aponta que é melhor fechar praia do que igreja? Ele libera a abertura de locais fechados, mas impede que as pessoas fiquem em um ambiente a céu aberto. São decisões que não têm base científica. Esses planos de reabertura são descolados da realidade e não são compatíveis com a situação do Rio de Janeiro

Domingos Alves, professor de Medicina da USP

Segundo o cientista, que integra o Covid-19 Brasil, grupo de pesquisadores que monitora dados sobre a pandemia no país, o prefeito age de acordo com os próprios interesses. "A praia continua sendo perigosa, caso haja aglomerações. Mas as decisões dele mostram que há um interesse próprio no plano de abertura, porque priorizam igrejas e shoppings. Há prerrogativas econômicas e religiosas, à revelia do que a ciência tem ditado", critica.

Foi um grande erro abrir igrejas, mas evitar a abertura de parques, praias e lugares arejados. A população já ficou muito tempo em quarentena. Doenças ligadas à saúde mental e à ausência de exercício físico começaram a aparecer. É o momento de valorizar esses espaços abertos, com baixa capacidade de disseminar a doença

Médico Daniel Soranz, pesquisador da Fiocruz

5.jul.2020 - Fiéis se reuniram em frente ao templo da Penha, zona norte do Rio, após culto promovido pelo pastor Silas Malafaia - Herculano Barreto Filho/UOL - Herculano Barreto Filho/UOL
5.jul.2020 - Fiéis se reuniram em frente ao templo da Penha, zona norte do Rio, após culto promovido pelo pastor Silas Malafaia
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

"Não faz o menor sentido limitar atividades ao ar livre em um momento de retomada gradual das atividades", complementa Soranz.

O infectologista Rafael Galliez, professor da Faculdade de Medicina da UFRJ e médico do Instituto Estadual de Infectologia, também aponta contradições nas medidas adotadas pela Prefeitura do Rio.

Num momento em que é possível ter frequência em igrejas e shoppings, locais com circulação e troca de ar restrita, também seria possível gerar um plano de regulação de uso das praias, que ficam em um espaço aberto e podem receber um ordenamento para distanciamento social em um momento de menor circulação do vírus

Rafael Galliez, professor de Medicina da UFRJ

Segundo o especialista, a reabertura de igrejas e shoppings foi prematura. "Por mais que seja necessário o apoio espiritual, ainda deveriam estar sendo adotadas estratégias de maior restrição em espaços aglomerados e com pouca circulação de ar", avalia.

O que diz a Prefeitura do Rio

Crivella justificou a proibição de banhistas na areia com o argumento de que o calor dificulta o uso de máscaras. "Nos locais onde a máscara não é possível, que são as praias, pelo calor, pela atividade de mergulho, esses locais tendem a ficar para [reabrir] depois. Quem sabe só depois da vacina ou no momento que a gente tenha um nível de contaminação próximo a zero", disse ontem o prefeito.

Questionada, a Prefeitura do Rio não respondeu às críticas de especialistas sobre a proibição de permanência em locais ao ar livre enquanto é permitido ir a igrejas e shoppings, que funcionam em locais fechados. A administração municipal disse apenas que acompanha os indicadores de saúde para decidir pela flexibilização gradual.

"Dentre esses indicadores, há o monitoramento da curva de contágio no município, a disponibilidade de leitos na rede pública e a queda no número de óbitos", enumerou, em nota.

O que mudou com a nova fase da flexibilização

Crivella anunciou novas medidas de flexibilização na retomada gradual das atividades econômicas na cidade, válidas a partir de ontem (10).

Confira as principais medidas:

  • Shoppings podem funcionar em horário ampliado, das 12h às 22h. Até então, o fechamento deveria ocorrer às 20h;
  • Serviços de loteria, que já estavam autorizados, passam a abrir por mais tempo, das 8h às 18h;
  • Vias públicas voltarão a ser abertas para lazer aos domingos e feriados;
  • Vilas olímpicas poderão abrir, desde que não haja aglomeração;
  • Feiras de arte e artesanato voltam a funcionar;
  • A proibição a banhistas na areia da praia permanece. A novidade é que quem desobedecer poderá ser multado em R$ 107;
  • Os eventos esportivos seguem liberados sem a presença de torcedores porque não houve consenso quanto à garantia da segurança em relação ao risco de contágio;
  • Parques e praças serão abertos e, assim como nas praias, seguem permitidas as atividades físicas individuais;
  • Clubes, associações, hipódromos e quadras de aluguel podem abrir, mas seguem vedados os esportes de contato, como lutas e artes marciais;
  • Escolinhas de treinamento e eventos em espaços fechados permanecem proibidos;
  • Seguem vedadas a sauna e a hidromassagem;
  • Como na fase anterior, hotéis e hostels estão autorizados a funcionar, com cuidados de proteção aos clientes. Os pontos turísticos municipais permanecem fechados.