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Anvisa desmente Dimas Covas e diz que não avalia "soro" para tratar covid

Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan - Reprodução/TV Cultura
Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan Imagem: Reprodução/TV Cultura

Wanderley Preite Sobrinho e Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

22/12/2020 04h00Atualizada em 22/12/2020 21h33

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) desmentiu ao UOL declaração feita ontem pelo diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, de que só esperava "autorização" da agência para iniciar estudos clínicos de um soro "pronto" e capaz de tratar os sintomas da covid-19. O composto foi desenvolvido a partir do plasma de cavalos, uma técnica semelhante à utilizada na produção de soro antirrábico.

A declaração de que o composto está pronto esperando aval da Anvisa foi dada em coletiva de imprensa ao lado do governador João Doria (PSDB), que informava sobre o avanço da pandemia no Estado.

"Também, governador, nós, no começo do ano, acionamos a área de soros e vacinas do Butantan", afirmou Covas. "Esse grupo de pessoas, time grande, larga experiência, desde o começo do ano tem se dedicado a esses dois temas."

E hoje, governador, nós temos um soro anticoronavírus pronto, nós temos 3.000 ampolas desse soro prontas, esperando autorização da Anvisa para iniciar estudos clínicos."
Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan

Covas explicou que "o soro, diferente de vacina, é tratamento". "Então, brevemente, poderemos iniciar um estudo clínico no Brasil capitaneado pelo estado de São Paulo na área de tratamento da doença com um soro heterólogo altamente potente."

Procurada pelo UOL para saber quando pretende autorizar o soro criado pelo Butantan, a Anvisa afirmou que não identificou "processo de pesquisa de soro aguardando avaliação ou autorização da Anvisa"e que, "de acordo com a regulação sanitária, a pesquisa clínica de medicamentos deve ser submetida à Anvisa para aprovação prévia."

Até o momento não há nenhum pedido do Instituto Butantan para autorização de pesquisa de soro de tratamento de covid-19".
Trecho de nota da Anvisa

Questionada sobre a resposta da Anvisa, o Instituto Butantan afirmou que "concluiu o desenvolvimento do processo de produção" do soro, "o que será feito após autorização da Anvisa", e que ele se "mostrou satisfatório nos testes de neutralização de células e de segurança realizados em camundongos e coelhos".

A instituição, porém, não comentou a declaração de seu diretor e a nota da Anvisa.

Após insistência do UOL, o Butantan respondeu que "a Anvisa tem ciência da existência do soro. A equipe regulatória do IB tem mantido contatos com o órgão federal acerca do tema".

Após publicação da reportagem, o Butantan procurou o UOL para enviar nova resposta. Afirma que no dia 17 de novembro se reuniu com a Anvisa para apresentação do projeto, no dia 8 de dezembro "enviou correspondência solicitando dispensa de realização do estudo de desafio em animais, para avançar para Estudo Clínico" e dois dias depois "solicitou, por e-mail, resposta sobre o assunto".

"No dia 18, o instituto solicitou novamente resposta ao pedido. Até o momento o Butantan não recebeu as respostas e aguarda manifestação da Anvisa para prosseguir com o projeto de estudo clínico", diz em nota.

"O soro heterólogo contra o coronavírus pode ser um tratamento efetivo para o COVID-19 e o Instituto Butantan espera rapidamente poder usá-lo. Já foram produzidos 3.000 frascos e aguardamos para escalar a produção", finaliza a nota.

Em resposta, a Anvisa afirmou que "as tratativas por e-mail e reuniões têm sido adotadas como rotina com todos os laboratórios interessados", mas isso "não caracteriza solicitação de autorização que aguarda a manifestação desta Agência".

Essa não é a primeira vez que a Anvisa e o Butantã divergem por causa de prazos. Em outubro, o instituto reclamou de demora da Anvisa em liberar a importação de insumos para o início da produção da vacina Coronavac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com a instituição brasileira. O instituto dizia esperar há mais de um mês pela resposta, o que ocorreu seis dias depois.

Pesquisadores de diversas instituições usaram cavalos para produzir um soro com anticorpos superpotentes contra o coronavírus - Arquivo/Instituto Vital Brazil - Arquivo/Instituto Vital Brazil
Pesquisadores usam cavalos para produzir um soro com anticorpos contra o coronavírus
Imagem: Arquivo/Instituto Vital Brazil

Entenda o soro desenvolvido pelo Butantan

Foram escolhidos 10 cavalos da fazenda do instituto nos quais o vírus inativo foi introduzido para estimular a produção de anticorpos. Ele é produzido a partir de "pedaços do novo coronavírus" colocados na corrente sanguínea do animal, por isso é classificado como heterólogo.

Passado algum tempo, os cavalos produzem anticorpos, que serão filtrados para produzir o soro, que funcionará como os soros antirrábicos, ou de combate a veneno de serpente e doenças infecciosas.

O soro não substitui a vacina. Ele vai ser utilizado naqueles pacientes que precisam de internação, que estão evoluindo para forma grave, indo para UTI, cujo sistema imunológico não esteja funcionando. Não tem nada a ver com a vacina. A vacina serve justamente para estimular a produção de anticorpo só que antes de ter contato."
Alexandre Naime, chefe da infectologia da Unesp e consultor da SBI

"Se o soro funcionar, vai ser muito bom para tratar pessoas que tenham as formas graves", explica. "Porque vai ajudar o sistema imunológico de quem não conseguem fabricar anticorpos, de quem não tem defesa contra a covid-19 de forma adequada."

Diferente da vacina

O médico reforça que a vacina e o soro não podem ser confundidos. De forma simplista, ela é para a prevenção; ele, para o tratamento.

"É literalmente uma medicação à base de anticorpos. São anticorpos prontos que você está dando para o indivíduo, já que ele não consegue produzir direito", afirmou ao UOL Alexandre Naime, chefe da infectologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e consultor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).

A grande vantagem do soro heterólogo é conseguir produzir em alta escala, diz o infectologista Mateus Westin, professor do Departamento de Clínica Médica da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Ele lembra que o soro, por ser heterólogo (produzido fora do organismo humano), tem mais risco de promover reações alérgicas. Por isso, é importante a análise da Anvisa e dos estudos clínicos para "documentar sua real eficácia e segurança".