Topo

Com spray, Bolsonaro insiste em medicamento sem eficácia contra covid-19

O presidente Jair Bolsonaro discursa em evento com prefeitos em Brasília - Ueslei Marcelino - 23.fev.21/Reuters
O presidente Jair Bolsonaro discursa em evento com prefeitos em Brasília Imagem: Ueslei Marcelino - 23.fev.21/Reuters

Natália Lázaro

Colaboração para o UOL, em Brasília

04/03/2021 04h00Atualizada em 04/03/2021 09h35

Em meio ao pior momento da pandemia de covid-19, com recorde de mortos pela doença e vacinação em ritmo lento, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) passou a apostar, depois da cloroquina, em um spray nasal produzido em Israel como uma nova forma de tratamento da doença.

O medicamento que vem sendo defendido com mais frequência pelo presidente nos últimos dias ainda está em estudos iniciais para o combate de infectados com o coronavírus, não tem comprovação de eficácia nem aprovação de agências de vigilância sanitárias para o uso contra a covid.

Apesar disso, Bolsonaro diz que o Brasil já se voluntariou para participar de testagens e que uma equipe de dez integrantes do governo, incluindo o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, vai a Israel no próximo sábado (6) para conhecer o chamado EXO-CD24.

Visto como a "nova cloroquina" de Bolsonaro — numa referência ao medicamento já descartado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) para o combate ao coronavírus, o spray ficou conhecido após estudiosos do Centro Hospitalar de Tel Aviv informarem que o fármacco foi aprovado nos primeiros testes executados. Trata-se, porém, de um estudo preliminar em fase de sondagem da aplicação à doença, sem compará-lo a um placebo, por exemplo.

Por se tratar de um experimento, também não foram especificadas as idades dos voluntários nem seus agravos de saúde. Segundo a base internacional Clinical Trials, a primeira fase dos testes começou em setembro e será concluída ao fim deste mês.

Na semana passada, o responsável israelense pelo desenvolvimento do novo produto, Nadir Arber, do Hospital Ichilov de Israel, afirmou ao colunista do UOL Jamil Chade, que o medicamento não está pronto para uso e precisa de novos testes.

Segundo a diretora da Sociedade Infectologia do Distrito Federal, Lívia Vanessa, "não há comprovação científica de imunização advinda desse spray nasal, ou mesmo tratamento para infecção por SARS-CoV2".

"São necessários ensaios clínicos randomizados, controlados, duplo-cegos para determinar a eficácia e não apenas relatos de casos isolados", afirmou. A médica disse ainda que estudos de eficácia in vitro e testagens em animais não são suficientes para validar o tratamento em humanos.

Ao UOL a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) informou, por meio de sua assessoria, que ainda não há "nenhum pedido de análise de uso ou anuência de estudo clínico dessa medicação" — no mês passado, Bolsonaro usou as redes sociais para anunciar que enviará à agência um pedido de liberação emergencial do medicamento e fez uma live pelo Facebook defendendo o fármaco.

"É uma tremenda notícia. "Você tem um pai, irmão ou amigo que está ali: Olha, vai ser intubado. Você vai dar um spray no nariz dele ou não? Ou vai tratar isso como uma hidroxicloroquina, porque também não tem comprovação científica?, disse Bolsonaro.

A Anvisa afirmou à reportagem também que é responsabilidade do Ministério da Saúde "referendar ou refutar iniciativas em políticas de saúde pública".

O desdenho das vacinas

Única alternativa de combate à covid-19 com eficácia comprovada hoje, as vacinas não ganham do presidente brasileiro a mesma defesa que ele faz de tratamentos descartados por cientistas e autoridades mundo afora. Em mais de uma oportunidade, Bolsonaro defendeu a não obrigatoriedade da imunização e desdenhou da vacinação contra a doença, que já matou quase 260 mil pessoas no Brasil.

"Não pretendo tomar. Quem quiser tomar, o governo vai estar à disposição", disse, em janeiro. Bolsonaro é o único líder do G-20 que declarou que se recusará a tomar a vacina.

Especialistas criticam o ritmo de vacinação no Brasil, considerado ainda muito lento. No ranking da Universidade Johns Hopkins, o país aparece em 41º lugar na proporção de pessoas totalmente vacinadas. No cenário atual, demoraria quatro anos para o país atingir a imunidade coletiva.

Em reunião na tarde de ontem, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) criticou a velocidade da imunização em toda a América Latina. Segundo a organização, a lentidão favorece o surgimento de variantes ainda mais perigosas.