Cessar-fogo entre governo e rebeldes entra em vigor na Síria
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Sven Hoppe/EFE
No dia 12 deste mês, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry (à dir.) anunciava, ao lado do ministro das Relações Exteriores da Rússia, o acordo de cessar-fogo feito entre potências mundiais reunidas em Munique (Alemanha)
O esperado cessar-fogo entre o regime e os rebeldes na Síria entrou em vigor à 0h local deste sábado (27) - 19h em Brasília -, após um acordo fechado entre Rússia e Estados Unidos com o apoio das Nações Unidas. Exatamente no primeiro minuto do dia, as armas silenciaram nos subúrbios de Damasco e na cidade de Aleppo, no norte do país, observou a AFP.
A população saiu às ruas para aproveitar o momento excepcional de calma. "Me sinto mais seguro, tudo está muito tranquilo há uma hora. Talvez durma tarde esta noite e não quero acordar amanhã com o barulho dos aviões (militares)", disse à AFP o jovem Mohamad Nohad, que vive no bairro rebelde Al Kalase de Aleppo.
Em Jobar, na periferia de Damasco, Abdel Rahman Isa, um militar de 24 anos, também aproveitava a trégua. "Não posso esconder que estou feliz por esta trégua, mesmo que seja por pouco tempo. Se isto continuar, poderemos voltar para casa".
Segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH), a aviação russa, aliada do regime sírio, não realizou qualquer ação após a meia-noite no norte de Latakia, e a calma também reina nas províncias centrais de Homs e Hama.
De acordo com o OSDH, ocorreram apenas confrontos esporádicos entre as forças do regime e os jihadistas do grupo Estado Islâmico e da Frente Al-Nosra. Os jihadistas também enfrentaram os curdos na província de Raqa (norte).
O mediador das Nações Unidas para a Síria, Staffan de Mistura, informou que há uma investigação aberta sobre um "incidente" ocorrido logo após a entrada em vigor do cessar-fogo, e avaliou que, inevitavelmente, ocorrerão "incidentes".
A trégua, apoiada por uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, é a primeira deste tipo em cinco anos de guerra, que já deixou 270 mil mortos.
O cessar-fogo não envolve os grupos jihadistas Estado Islâmico (EI) e Frente Al-Nosra, braço sírio da Al-Qaeda, que controlam importantes zonas do território sírio.
Staffan De Mistura anunciou sua intenção de convocar para 7 de março uma nova rodada de negociações de paz: "Sob a condição de que se respeite a suspensão das hostilidades, se Deus quiser e diante da manutenção da entrega da ajuda humanitária, tenho a intenção de voltar a convocar (...) negociações sobre a Síria na segunda-feira, dia 7 de março", declarou ao Conselho de Segurança.
As conversações precedentes, realizadas em Genebra, foram suspensas no começo de fevereiro.
Imediatamente após a declaração de De Mistura, o Conselho de Segurança adotou - por unanimidade - uma resolução que endossa o cessar-fogo e "exige a suspensão das hostilidades.
O Conselho exortou "todas as partes a respeitar a suspensão das hostilidades" e pediu aos membros do grupo de apoio internacional à Síria "que usem sua influência sobre as partes envolvidas visando garantir o respeito de seus compromissos" e favorecer a aplicação de uma trégua "durável".
A resolução pede, mais uma vez, um acesso humanitário "livre, seguro e rápido" na Síria, em particular para os 4,6 milhões de sírios que se encontram bloqueados em zonas assediadas ou de difícil acesso.
Durante esta sexta-feira, aviões sírios e russos realizaram 180 ataques contra os arredores de Damasco, o norte e o oeste da província de Aleppo, e as províncias centrais de Homs e Hama. Estas regiões, controladas pelos rebeldes, estão diretamente envolvidas no cessar-fogo.
Os bombardeios foram dirigidos ainda à região de Latakia (oeste) e zonas controladas pelo Estado Islâmico.
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, advertiu Moscou e Damasco que o "mundo está observando" o respeito da trégua.
O porta-voz do departamento americano de Estado Mark Toner lembrou que "os russos se comprometeram a não realizar ataques aéreos contra os grupos que consideramos parte da oposição moderada".
"Agora cabe a eles demonstrar, através de ações e não com palavras, que são sérios em relação ao cessar-fogo e ao fim das hostilidades, assim como sobre o processo político para uma transição" na Síria.
O regime de Bashar al-Assad, uma centena de facções rebeldes e as forças curdas disseram que respeitarão o cessar-fogo neste conflito, que já deslocou mais de metade da população síria e desestabiliza o Oriente Médio e Europa.
Os rebeldes sírios, enfraquecidos pela expansão dos jihadistas, controlam apenas uma pequena parte do país, especialmente perto de Damasco, Aleppo (norte) e Homs (centro), além de regiões no sul do país.
Durante a trégua, o regime sírio, seu aliado russo e a coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos poderão atacar o Estado Islâmico e a Frente Al-Nosra, que ocupam mais metade da Síria.
O chefe da Frente Al-Nosra, Mohamad al Kholani, convocou os opositores de Assad a rejeitar o cessar-fogo e a intensificar os ataques contra o regime. "Cuidado com a armadilha do Ocidente e dos Estados Unidos".
Em Moscou, o presidente russo, Vladimir Putin, prometeu prosseguir com sua "luta implacável" contra o EI, a Frente Al-Nosra e outras "organizações terroristas" excluídas da trégua.
Para Putin, a resolução pacífica do conflito será difícil e a trégua se destina a "criar as condições para que um tal processo (político) seja iniciado".
Os Estados Unidos, que apoiam a oposição a Assad, não ter "muitas ilusões" sobre a trégua.
"Todo o mundo sabe o que deve acontecer: todas as partes devem por fim aos ataques, inclusive ataques aéreos e deve-se poder realizar a ajuda humanitária nas zonas assediadas", lembrou Barack Obama, enquanto civis morreram de fome em algumas localidades sitiadas.
A Turquia, na fronteira com a Síria e que entrou recentemente no conflito, declarou estar "seriamente preocupada" com a viabilidade do cessar-fogo. A aviação turca bombardeira as forças curdas sírias e considera que não está comprometida com a trégua.