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Novos modelos climáticos sugerem que metas de Paris são inatingíveis

20.set.2019 - Estudantes fazem passeata contra mudanças climáticas em Berlim, na Alemanha - Hannibal Hanschke/Reuters
20.set.2019 - Estudantes fazem passeata contra mudanças climáticas em Berlim, na Alemanha Imagem: Hannibal Hanschke/Reuters

17/01/2020 16h26

Paris, 17 Jan 2020 (AFP) — Os efeitos do dióxido de carbono sobre o clima são mais poderosos do que se acreditava, o que reduz a possibilidade de alcançar os objetivos do Acordo de Paris para limitar o aquecimento, segundo novos modelos comentados por cientistas à AFP.

Elaborados por instituições de meia dúzia de países como Estados Unidos, França e Grã-Bretanha, esses modelos alimentarão as novas projeções do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), chancelado pela ONU, previstas para 2021.

De acordo com esses trabalhos, as emissões de CO2 até agora associadas a um aquecimento de 3º C poderiam na verdade fazer o termômetro subir de 4º C a 5º C.

"Hoje temos modelos melhores que representam as tendências climáticas com mais precisão", disse Olivier Boucher, diretor do Instituto Pierre Simon Laplaceque.

Como todos os pesquisadores, agora possui mais dados e métodos de cálculo mais poderosos, em comparação com as projeções mais recentes do IPCC, em 2013.

Eles antecipam que "será mais difícil alcançar os objetivos de Paris", diz Mark Zelinka, do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia, e principal autor da primeira avaliação dessa nova geração de modelos climáticos, publicada na Geophysical Research Letters.

Em 2015, a comunidade internacional assumiu o compromisso na capital francesa de agir para limitar o aquecimento global a menos de +2° C e, idealmente, a +1,5° C.

Há mais de um século, os cientistas estão procurando respostas para uma pergunta aparentemente simples: se a quantidade de CO2 na atmosfera dobrar, quanto a superfície da Terra aquecerá?

Definir exatamente essa "sensibilidade climática" é difícil, principalmente devido ao peso de muitas variáveis, como a influência dos oceanos e florestas e seu papel como "poços de carbono", capturando atualmente mais da metade das emissões humanas.

A incógnita das nuvens

Outra grande incerteza tem a ver com "a evolução das nuvens em um clima mais quente e em saber se elas terão um efeito atenuante ou amplificador" do fenômeno climático, explica Joeri Rogelj, do Imperial College de Londres.

Rogelj é o chefe do IPCC no "orçamento de carbono", ou seja, a quantidade de gases de efeito estufa que pode ser emitida sem extrapolar um limite de temperatura.

Esses modelos apontam para pelo menos duas maneiras de como as nuvens podem reforçar o impacto do CO2.

Primeiro, as nuvens de altitude na camada inferior da atmosfera da Terra reforçam a radiação solar, uma dinâmica acentuada pelo aquecimento, de acordo com Zelinka.

"Outra grande questão era como as nuvens de baixa altitude iam mudar, como os estrato-cúmulus", diz o pesquisador.

As pesquisas mais recentes indicam que o aquecimento reduz essa cobertura de nuvens reduzindo, assim, seu papel reflexivo dos raios solares.

Durante a maior parte dos últimos 10.000 anos, a concentração de CO2 na atmosfera foi de cerca de 280 partes por milhão (ppm).

Porém, durante esse período, a população mundial passou de alguns milhões para 7,6 bilhões de pessoas e as emissões de CO2 registraram crescimento exponencial desde o século XIX, devido à Revolução Industrial e aos combustíveis fósseis (petróleo, gás e principalmente carvão).

Resultado: a concentração de CO2 atualmente é de 412 ppm, ou seja, um aumento de 45%, metade dela nos últimos 30 anos.

O mundo, por sua vez, aqueceu um grau em relação à era pré-industrial, o que já causou o aparecimento de fenômenos extremos, como ondas de calor extremo, secas, inundações e ciclones.

Quatro cenários

Prêmio Nobel de Química em 1903, o sueco Svante Arrhenius estimou que se as concentrações de CO2 dobrassem, o aquecimento seria de 5º C ou 6º C, antes de reduzir sua previsão para 4º C.

Desde a década de 1970, o consenso científico avaliou a "sensibilidade climática" a 3° C, com uma possível diferença de 1,5 ° C, para cerca de 560 ppm de CO2.

O IPCC desenvolveu quatro cenários possíveis: o mais ambicioso atende ao objetivo do Acordo de Paris de conter um aquecimento abaixo de 2° C, mas para isso seria necessário reduzir imediatamente as emissões de CO2 em 10% ao ano.

Os mais pessimistas preveem que algumas regiões serão completamente inabitáveis no final do século.

A maioria dos especialistas já considera que o primeiro é inatingível e o segundo, improvável, a menos que o planeta comece a liberar maciçamente carbono armazenado, por exemplo, se as terras habitualmente congeladas pelo permafrost derretessem.

Os outros dois cenários intermediários, denominados de RCP4.5 e RCP6.0, levam a uma concentração respectiva de 538 ppm de CO2 e 670 ppm.

Entre esses novos modelos, "temos 12 ou 13 que mostram uma sensibilidade climática não de 3, mas de 5 ou 6° C com CO2 duplo. Não são exceções, o que é preocupante", explica Johan Rockstrom, diretor do Institute for Climate Impact Pesquisa de Potsdam (PIK).

Assim, os modelos franceses, do Departamento de Energia dos EUA, do serviço meteorológico britânico e do Canadá, preveem uma sensibilidade climática de 4,9º C; 5,3º C; 5,5º C e 5,6° C, respectivamente, de acordo com Zelinka.

Dos 27 modelos examinados em seu estudo, esses também são os que melhor refletem as evoluções dos últimos 75 anos, o que reforça sua credibilidade. "É preciso levá-los a sério", enfatiza.

Outros, que também serão considerados pelo IPCC, são menos pessimistas, embora a maioria exceda as previsões atuais de aquecimento.

"O júri ainda não pronunciou seu veredicto", resume Rockstrom. Mas "por mais de 30 anos, a sensibilidade climática foi avaliada entre 1,5º C e 4,5° C. Se passar de 3º C a 7° C, será extremamente perigoso".