Topo

Esse conteúdo é antigo

Com cruzes nas salas de aula, Hungria promove 'recristianização' do ensino

Socióloga alerta que favorecimento do cristianismo no ensino primário tem excluído ciganos - Attila Kisbenedek/AFP
Socióloga alerta que favorecimento do cristianismo no ensino primário tem excluído ciganos Imagem: Attila Kisbenedek/AFP

Em Hódmezovásárhely (Hungria)

08/09/2021 11h54Atualizada em 08/09/2021 15h31

As aulas voltaram na Hungria e, na escola Ferenc Liszt, as crianças começam o dia na igreja, um sinal da "recristianização" do ensino impulsionada pelo governo.

Sob as ordens do primeiro-ministro, o nacionalista Viktor Orban, que se apresenta como um defensor da "civilização cristã", cada vez mais escolas são submetidas à autoridade eclesial.

A poucos dias da visita do papa Francisco a Budapeste, a AFP observou este processo em andamento nesta escola da cidade no sudeste de Hódmezovásárhely.

"Nossa escola passou a estar sob a direção das freiras dominicanas em setembro de 2020", informou a diretora, Andrea Magyar.

Agora, as salas de aula são adornadas com cruzes, e os horários dos 400 alunos são marcados por orações e catecismo. Magyar insiste, porém, que nada disso é obrigatório e que o currículo "não mudou".

Ela destacou "as relações menos burocráticas e mais calorosas" com a diocese, em comparação com a autoridade educacional, além da chegada de professores jovens e dos subsídios do governo, que permitiram realizar reformas.

Os pais de família aprovaram a transferência do controle para a igreja em uma votação e, segundo a madre Ildiko, estão "muito satisfeitos" com as mudanças.

Cristãos e húngaros

Desde seu retorno ao poder em 2010, Orban lançou uma "revolução conservadora" que inclui reviver a identidade cristã suprimida durante a era comunista.

De família calvinista e inicialmente identificado como não religioso, Orban estabeleceu, nos últimos anos, vínculos próximos com a Igreja Católica e incluiu uma referência a Deus na Constituição revisada da Hungria.

Alguns na hierarquia católica se preocupam com o possível uso da igreja para finalidades políticas, mas Orban espera que o papa Francisco, com quem se reunirá no próximo domingo (12), aprecie os esforços húngaros para resistir à tendência europeia à secularização.

Esse esforço parece render frutos. Antes do comunismo, 22% das escolas eram católicas, mas, no início dos anos 2000, esse número caiu para apenas 5%. E, em 2018, subiu para 18%, disse Kriszta Ercse, uma socióloga especializada em educação.

Ela ressalta, porém, que a "recristianização" foi muito superficial na sociedade como um todo.

No último censo nacional, em 2011, apenas 39% dos húngaros se identificaram como católicos, e 11%, como protestantes. Entre os adeptos, somente 15% participavam dos serviços religiosos.

A pandemia do novo coronavírus impediu a realização de um novo censo, mas os especialistas acreditam que os números não variaram muito sob o mandato de Orban.

Ercse alertou que algumas escolas religiosas "praticam uma forma drástica de seleção, que favorece os alunos de famílias ricas", às custas dos mais pobres, como os da minoria romani (ciganos)

"O problema é que o governo deixa que as escolas públicas se deteriorem", advertiu. E a brecha entre os dois sistemas parece aumentar.

Segundo o Conselho Fiscal — um auditor independente das finanças públicas —, "no decorrer do ano letivo 2017/18, um aluno de escola religiosa recebeu 200 mil florins (R$ 3,5 mil)" em investimento, enquanto um aluno de escola pública recebeu um quarto desse valor.