Busca por 'sabotadores' russos vira obsessão entre civis em Kiev
Para desmascarar um "infiltrado" enviado pela Rússia, os moradores de Kiev, capital da Ucrânia, obrigam os suspeitos a pronunciar a palavra palyanytsa, nome de um pão tradicional ucraniano, que nenhum russo consegue falar corretamente.
A armadilha da palavra palyanytsa, que em russo significa morango, nunca falha.
Nos postos de controle administrados por voluntários armados, o método também tem a versão moderna: há uma semana, suspeitos são questionados onde fica a agência mais próxima do Monobank, um banco virtual que não tem atendimento presencial.
Pasha, taxista de Kiev, inventou uma pegadinha própria: ele começa a cantar um sucesso recente da cena musical ucraniana. "Você começa e espera para ver se a outra pessoa consegue continuar", explica.
O país vive um clima de suspeita máxima durante a primeira fase do conflito entre Rússia e a Ucrânia, dominada pela busca de "sabotadores" enviados pela Rússia ou que atuam de dentro do país para ajudar o inimigo, segundo o governo ucraniano.
Nas redes sociais, imagens de "sabotadores" civis são divulgadas todos os dias.
No último sábado (26), os corpos de três homens vestidos com uniformes ucranianos, mortos a tiros, foram apresentados à reportagem como de infiltrados russos disfarçados de soldados locais.
'Já implantados'
Destacado na região para conter as misteriosas infiltrações, Viktor Chelovan, colaborador do Ministério do Interior ucraniano e comandante da unidade de forças especiais Lance, garante à reportagem que a população local está lidado com "sabotadores" reais.
Chelovan afirma que alguns grupos de infiltrados são formados por "forças operacionais especiais russas que tentam desestabilizar a vida cotidiana em nossos vilarejos e cidades, assim como nas bases militares".
Ele menciona a presença de células dos serviços especiais russos e do GRU (inteligência militar), "já implantados aqui antes da guerra e responsáveis por ajudar a preparar a invasão".
Outro grupo é formado, segundo o comandante ucraniano, por "agentes de inteligência cujo único objetivo é matar diversas autoridades ucranianas".
Em 2014, a derrota ucraniana na Crimeia, anexada sem resistência pela Rússia, foi concretizada, em parte, pela adesão de dois comandantes ucranianos, que se renderam com todos os navios às forças inimigas.
Desde então, a Ucrânia afirma que organizou expurgos nas próprias forças de segurança nacionais, do exército ao serviço de inteligência.
"A rede de espionagem russa foi instalada há vários anos. Ainda não a eliminamos, há muito trabalho por fazer", afirmou na semana passada, antes da invasão russa, o conselheiro de Segurança Nacional do país, Oleksiy Danilov, ao jornal americano Wall Street Journal.
'Nostálgicos'
De acordo com Mykola Beleskov, analista militar no Instituto Nacional de Estudos Estratégicos, em Kiev, a Rússia "tenta combinar ataques aéreos com artilharia por meio de comandos de infiltrados, que geralmente são um meio para apoiar um avanço muito lento de suas tropas".
Em Kiev, relatos "sabotadores" são ouvidos em todos os lados.
Ibrahim Ibrahim Shelia, estudante de 19 anos, que ficou na cidade para defendê-la a partir de uma trincheira em uma torre residencial, até estima o índice de infiltração de "sabotadores" na região.
"Neste bairro, acredito que há pelo menos 10% de sabotadores. Ou seja: traidores, ucranianos pró-Rússia ou nostálgicos da União Soviética e da Grande Rússia", afirma.
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