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Vaticano ainda resiste a papa não-europeu, dizem analistas

12/02/2013 08h29

A possibilidade de a vaga deixada em aberto pela saída do papa Bento 16, que anunciou sua renúncia nesta segunda-feira, ser ocupada por um candidato vindo de fora da Europa existe, mas enfrenta forte resistência da máquina administrativa da Igreja, na opinião é do vaticanista americano Kevin Eckstrom.

Segundo ele, apesar de o Vaticano ter feito seguidos esforços de internacionalização, nomeando nos últimos anos cardeais de vários países emergentes, o sucessor do atual pontífice precisaria passar pelo aval da Cúria Romana, dominada por europeus, o que reduziria as chances de um potencial cardeal que não tenha nascido no continente ao posto, como por exemplo um latino-americano ou um asiático.

Na segunda-feira, o papa Bento 16 anunciou que renunciaria ao pontificado no final de fevereiro deste ano por problemas de saúde.

"As chances de que o novo papa seja um não-europeu são boas, mas seria preciso primeiro convencer a Cúria", afirma Eckstrom.

A Cúria, que significa "corte" em latim, é o órgão administrativo da Igreja Católica, responsável por zelar pelo bom funcionamento da máquina burocrática do Vaticano e que assiste o papa em suas funções.

Eckstrom acredita que o italiano Angelo Scola, de 71 anos, atual arcebispo de Milão, segue favorito na lista de sucessão papal. Correndo por fora, na sua avaliação, estaria o americano Timothy Dolan, de 62 anos, que se tornou a principal voz do catolicismo nos Estados Unidos depois de ter sido nomeado arcebispo de Nova York em 2009.

O professor de Teologia da PUC-Rio, Paulo Fernando Carneiro de Andrade, concorda e lembra que a definição dos critérios para a escolha do novo pontífice é complexa.

"A escolha do novo pontífice não necessariamente leva em conta o tamanho da população católica do país de onde ele vem", diz.

"O perfil buscado tem mais a ver com a capacidade de saber convergir os interesses da Cúria e, assim, garantir um bom funcionamento da Igreja Católica", acrescenta.

Brasil

Neste sentido, Carneiro de Andrade lembra que, embora o Brasil tenha a maior população católica do mundo, a importância geopolítica do país é inferior à de regiões onde a expansão do catolicismo tem sido foco de atenção da cúpula do Vaticano.

"A Igreja Católica tem olhado com bastante atenção o crescimento da população católica na Ásia e na África".

Para ele, um indicativo de que as chances de um novo pontífice não-europeu aumentaram no final do ano passado, veio quando, "surpreendentemente", o Vaticano nomeou seis novos cardeais, sendo cinco deles de países emergentes.

"Essa nomeação aconteceu depois de outra, no início de 2012, o que, para alguns, foi interpretado como um acréscimo na lista inicial de novos cardeais. Mas, no fim das contas, causou surpresa que a grande maioria dos indicados fosse de países emergente."

Em sua conta do Twitter, o teólogo brasileiro Leonardo Boff, fundador da chamada Teologia da Libertação e que chegou a conhecer pessoalmente o Papa Bento 16, pediu que seu sucessor viesse dos países emergentes.

"Os dois cardeais negros, Arinze (Nigéria) e Turkson (Gana) são mais romanos que Roma. 52% dos católicos vive no Terceiro Mundo. Merecemos um Papa. O meu é Madariaga (sic) (Oscar Andrés Rodríguez Maradiaga, de Honduras)."

Legado

Para os especialistas ouvidos pela BBC Brasil, o legado do papa Bento 16 pode ser classificado como dicotômico.

"Ao mesmo tempo em que Bento 16 focou em atrair a atenção dos seculares, incluindo os ateus, não teve sucesso em estabelecer um diálogo tão estreito com o Islã", diz Eckstrom.

"Além disso, não conseguiu solucionar questões internas da Igreja Católica, como as denúncias relacionadas à pedofilia", acrescenta.

Na visão de Carneiro de Andrade, da PUC-Rio, o papa Bento 16 cumpriu seu papel exclusivamente como um "pontífice de transição".

Para os dois analistas, entretanto, o próximo papa terá de encarar grandes desafios.

"A Igreja Católica está sofrendo uma sangria de fiéis. Será preciso que o sucessor de Bento 16 reavalie principalmente a forma como o Vaticano está se comunicando com os católicos", diz Eckstrom.

"Não se trata de uma mudança profunda de princípios, mas na maneira como as regras são discutidas com os membros da comunidade", acrescenta.

"A escolha de um não-europeu como próximo papa poderia ser interpretado como um sinal de renovação da Igreja", defende Carneiro de Andrade.