As opiniões do Dalai Lama sobre Trump, mulheres e o sonho de voltar para casa
O líder espiritual budista fala à BBC sobre política global e reafirma sua vontade de retornar ao Tibete, de onde saiu há 60 anos.
Ele é, sem dúvida, uma das pessoas mais conhecidas do planeta. Em uma época em que celebridades são adoradas, o Dalai Lama é um líder religioso que se tornou um "superstar" espiritual.
Às vésperas de completar 84 anos de idade, o monge que distribuiu milhões de apertos de mão e criou inúmeras citações inspiradoras é sincero e às vezes tem opiniões polêmicas.
A BBC o encontrou em sua residência no alto das montanhas, na cidade de McLeod-Ganj, perto de Dharamshala, no Estado de Himachal Pradesh, no norte da Índia.
Para um homem tão venerado - visto como super-humano por muitos -, ele se mostrou humilde ao entrar na sala usando suas vestes vermelhas, auxiliado por seus ajudantes.
E, no entanto, este é um homem que conheceu líderes mundiais e compartilhou palcos com estrelas pop e atores. Um homem que tem sido uma pedra no sapato da China.
"Um funcionário do governo chinês uma vez me chamou de demônio", ele disse rindo, antes de levar as mãos à cabeça para imitar chifres.
"Quando ouvi isso pela primeira vez, minha resposta foi - 'sim, eu sou um demônio com chifres'."
"Tenho pena de sua ignorância, seu pensamento político é muito estreito", acrescentou ele enquanto ria.
Fuga do Tibete
A rusga com a China vem de longa data e definiu toda a sua vida. O Dalai Lama foi forçado a fugir de sua casa no Tibete em 1959, depois que a China enviou tropas para a região.
Ele buscou refúgio na Índia e por seis décadas viveu no exílio em Dharamsala ao lado de outros 10 mil tibetanos. Seu monastério - que tem vista para os picos cobertos de neve da cordilheira de Dhauladhar, no Himalaia - é incrivelmente belo. Mas a vista é agridoce.
A causa de sua vida - voltar para casa - continua sendo um sonho distante, mesmo que ele insista que isso ainda possa acontecer.
"O povo tibetano tem confiança em mim, eles me pedem para ir ao Tibete", diz.
Mas ele logo acrescenta que a Índia também se tornou seu "lar espiritual". Uma aceitação implícita, talvez, de que seu objetivo de um Tibete autônomo esteja longe da realidade.
Mesmo tendo deixado "formalmente" suas responsabilidades políticas em 2011, ele continuou a ser uma figura atuante como o líder espiritual do povo tibetano.
Não há conversas entre seus representantes e a China há muitos anos.
Dalai Lama disse que o presidente da China, Xi Jinping, ainda não pediu uma reunião com ele. E acrescentou que teve algumas discussões com funcionários chineses aposentados nos últimos anos, mas nenhum deles parece ter tomado qualquer iniciativa para agilizar o encontro.
Transformações econômicas
Na década de 1950, quando a China enviou tropas pela primeira vez à região, o Tibete era pobre. Agora, é um gigante econômico e sua crescente influência tem ofuscado de muitas maneiras a causa do Dalai Lama.
Houve uma época em que o líder espiritual era a estrela das capitais em todo o mundo enquanto os presidentes dos EUA faziam fila para conhecê-lo.
George W. Bush o condecorou com a famosa medalha de ouro do Congresso americano, enquanto Barack Obama o encontrou em várias ocasiões, inclusive em Nova Delhi, em 2017, depois que deixou a presidência.
Mas as relações com o atual ocupante da Casa Branca são muito diferentes. Apesar de estar aberto a uma reunião com o presidente Donald Trump, Dalai Lama contou que Trump, que é próximo de Xi Jinping, nunca solicitou uma.
A idade avançada do Dalai Lama pode ter prejudicado sua agenda de viagens ao exterior, mas o líder espiritual diz que também não recebeu um telefonema do atual presidente americano.
Em uma avaliação contundente, disse que o mandato do 45º presidente tem sido definido por uma "falta de princípios morais", um contraste com as observações feitas em 2016, quando afirmou que não tinha "preocupações" sobre a presidência de Trump.
"Quando ele se tornou presidente, disse 'América em primeiro lugar'. Isso está errado", disse.
A saída dos EUA do Acordo de Paris e a crise migratória são duas grandes áreas de preocupação.
"Quando vi fotos de algumas daquelas crianças, fiquei triste", ele comentou sobre a situação na fronteira EUA-México. "A América deveria assumir uma responsabilidade global."
Mas o Dalai Lama faz questão de separar seu relacionamento com Trump - ou a falta de um - de sua ligação com outros políticos americanos.
Ele destaca o apoio do vice-presidente, Mike Pence, ao povo tibetano e o apoio que recebeu de políticos de ambas as Casas do Congresso.
O aparente desprezo do presidente Trump é reflexo da ampla pressão que Pequim pode exercer sobre aqueles que se envolvem com o Dalai Lama.
Em 2012, a China temporariamente congelou as relações com o Reino Unido depois que o então primeiro-ministro britânico David Cameron o conheceu. No ano passado, o governo indiano cancelou seus planos para uma comemoração que marcaria os 60 anos de exílio do líder espiritual, por temer que isso chateasse Pequim.
Dalai Lama e o Brexit
A visão de mundo do Dalai Lama é inerentemente global. Quando o tema é Brexit, ele diz que é "um admirador da União Europeia", apontando que as parcerias globais têm sido fundamentais para evitar grandes conflitos.
Mas o refugiado mais famoso do mundo tem algumas visões surpreendentes sobre migração.
Em um discurso no ano passado, ele disse que os refugiados da União Europeia deveriam voltar para casa, acrescentando que "a Europa é para os europeus", uma afirmação que manteve ao ser questionado sobre o assunto.
"Os países europeus devem pegar esses refugiados e dar-lhes educação e treinamento, e o objetivo é devolvê-los a sua própria terra com certas habilidades", disse.
O Dalai Lama acredita que o objetivo final deve ser reconstruir os países dos quais essas pessoas fugiram. Mas com cerca de 70 milhões de pessoas deslocadas em todo o mundo, de acordo com números recentes, o que acontece se as pessoas quiserem ficar?
"Um número limitado é aceitável, mas toda a Europa [acabará] eventualmente tornando-se um país muçulmano, africano - impossível", disse.
Um ponto de vista controverso, e um lembrete de que, embora o Dalai Lama seja uma figura espiritual, ele também é um político com opiniões, como todos os outros.
Mais tarde, perguntado sobre uma observação que fez em 2015 - quando disse que se a próxima encarnação do Dalai Lama for uma mulher, ela terá de ser atraente -, o líder reafirmou sua crença de que a beleza é tão importante quanto a inteligência.
"Se uma mulher Dalai Lama vier, ela deve ser mais atraente", disse entre risos.
Sua mensagem parecia contraditória para um homem que prega tolerância e confiança interior, mas o Dalai Lama acrescentou que, na literatura budista, tanto a beleza interior quanto a exterior são essenciais.
Ele também disse que a igualdade era importante e fez questão de enfatizar seu apoio aos direitos das mulheres e à igualdade de remuneração no trabalho.
A entrevista chega ao fim como uma conversa franca, que lembra algo dito pelo Dalai Lama no início do encontro com a BBC.
Uma vantagem de não poder voltar para o Tibete, ele disse, é que a Índia é um país livre, onde pode se expressar abertamente.
A mensagem de união e unidade do Dalai Lama é universal - mas para um homem famoso por sua compaixão, ele também pode ser controverso.
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