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Dilma e Temer nunca tentaram interferir dessa forma nas investigações, diz ex-PGR Rodrigo Janot

Rodrigo Janot durante lançamento da campanha "Todos Juntos Contra a Corrupção" , no Conselho Nacional do Ministério Público - Marcelo Camargo/Ag. Brasil
Rodrigo Janot durante lançamento da campanha 'Todos Juntos Contra a Corrupção' , no Conselho Nacional do Ministério Público Imagem: Marcelo Camargo/Ag. Brasil

André Shalders

Da BBC News Brasil em Brasília

24/04/2020 19h40

'Não dá para fingir que o país não ouviu o que o ministro Moro disse', afirma Janot. Ex-PGR disse ainda em entrevista à BBC News Brasil que nunca sofreu tentativas de interferência por parte dos antecessores de Bolsonaro como as narradas por Moro

Os ex-presidentes Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) nunca tentaram interferir nas investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal da forma como Jair Bolsonaro (sem partido) teria tentado fazer, de acordo com o narrado pelo ex-ministro Sergio Moro.

A fala é do ex-chefe do Ministério Público Federal (MPF), Rodrigo Janot, em entrevista à BBC News Brasil.

Os antecessores de Bolsonaro jamais tentaram obter informações sobre uma apuração em curso — nem com o MPF, nem com a Polícia Federal, disse Janot.

Em seu discurso de despedida, o agora ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, acusou o presidente da República de querer trocar o comando da Polícia Federal para ter acesso a dados sigilosos de investigações.

"O presidente me disse mais de uma vez, expressamente, que queria ter uma pessoa do contato pessoal dele que ele pudesse ligar, colher informações, colher relatórios de inteligência", disse Moro em seu discurso de despedida. "(...) E realmente não é o papel da Polícia Federal prestar este tipo de informação", disse ele.

"O presidente me disse isso expressamente, ele pode ou não confirmar, mas é algo que realmente não entendi apropriado. Então o grande problema não é quem entra (no comando da PF), mas por que alguém entra. E se esse alguém (...) não consegue dizer não pro presidente (da República) a uma proposta dessa espécie, fico na dúvida se vai conseguir dizer não em relação a outros temas", disse Moro.

A exoneração do agora ex-diretor da Polícia Federal, o delegado Maurício Valeixo, foi o estopim da saída de Moro do governo.

"No transcorrer do meu mandato de quatro anos enquanto PGR (procurador-geral da República), eu jamais fui abordado de forma indevida por quem quer que seja do Poder Executivo. A Polícia Federal, pelo menos a Polícia Federal Judiciária, que exercia sua atividade nos inquéritos judiciais perante o Supremo, jamais sofreu qualquer tipo de interferência. Qualquer tipo de pedidos de informação de quem quer que seja do Executivo", disse Janot.

"Quanto à questão de Curitiba, ele (Moro) afirma que lá também não houve (interferências). Eu não acompanhei as investigações lá de Curitiba. Os promotores naturais eram os colegas lá de Curitiba. O que eu posso afirmar é que, na minha atuação, naqueles inquéritos judiciais do Supremo (Tribunal Federal), nunca houve a mais mínima interferência do Poder Executivo. Nem junto ao Ministério Público, nem junto à Polícia Federal. E muito menos junto ao Supremo Tribunal Federal", disse ele.

Em seu discurso de despedida, Moro nominou a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e disse que ela nunca pediu informações sobre investigações em andamento.

"Imaginem se durante a própria Lava Jato, o ministro, diretor-geral ou a então presidente Dilma ficassem ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações sobre as investigações em andamento", disse ele. "O presidente me disse isso expressamente, ele pode ou não confirmar, mas é algo que realmente não entendi apropriado", afirmou Moro.

"Era uma relação estritamente técnica e profissional, que se desenvolvia em três partes: Ministério Público, Supremo Tribunal Federal e Polícia Federal. E por isso que essas investigações deram tão certo. Eram técnicas, objetivas, eficientes. E sem nenhuma contaminação política, isso eu posso afirmar", disse Janot à BBC News Brasil, por telefone, nesta tarde.

O ex-PGR disse ainda que a interferência política em investigações é algo que põe em risco o próprio Estado Democrático de Direito, e disse ainda que esta não é a primeira vez que Bolsonaro dá mostras de querer interferir em órgãos de controle.

"Não são (no caso das acusações de Sergio Moro) instituições quaisquer. São instituições de controle. Vamos lembrar lá atrás: a gente já teve um tropeção com a história do COAF (em meados de 2019, Bolsonaro trocou o diretor do órgão indicado por Moro); temos os problemas envolvendo a gestão do Ibama", disse Janot.

"Então, uma hora você precisa juntar todos esses fatos para ver o que realmente significa isso; e até que ponto isso pode levar a um problema que comprometa a democracia (...)", disse.

"(...) O que é grave é a forma como isso impacta a democracia brasileira. A possibilidade de instituições sérias como a Polícia Federal virem a ser manipuladas... isso é muito grave. É ruim para a democracia brasileira", disse. "A democracia é preservada a partir do momento em que você resguarda as instituições, e garante o funcionamento isento das instituições", reflete ele.

Janot ocupou o posto de procurador-geral da República entre 2013 e 2017.

Ontem, a Folha de S.Paulo e outros jornais noticiaram que Moro pedira demissão depois de Bolsonaro comunicar-lhe que havia decidido exonerar Maurício Valeixo. A demissão de Moro, no entanto, não se concretizou ontem.

A edição de hoje do Diário Oficial da União (DOU) trouxe a exoneração de Valeixo, no entanto. No DOU, consta a informação de que o diretor da PF teria sido exonerado "a pedido" — o que Moro também negou que tivesse ocorrido, em seu discurso de despedida.

O agora ex-ministro também disse que nunca assinou a exoneração do ex-subordinado, ao contrário do que mostra o Diário Oficial.

'MPF precisa apurar conteúdo das falas de Sergio Moro', diz Janot

Para Janot, o Ministério Público não pode deixar de apurar as acusações feitas por Moro — como se trata de fatos envolvendo o presidente da República, cabe ao atual PGR, Augusto Aras, conduzir as apurações.

"Não dá para fingir que o país não ouviu o que o ministro Moro disse. Ele foi muito claro em apontar alguns problemas, que podem vir a ser muito sérios. Então isso tem que ser esclarecido, com certeza", disse ele à BBC News Brasil.

"O ministro Moro se refere inclusive à preocupações que se tinha a respeito de investigações perante o Supremo Tribunal Federal. De pessoas que têm prerrogativa de foro. E são investigações nas quais a Polícia Federal atua como Polícia Judiciária. Seu trabalho está vinculado à atuação e ao controle da magistratura e do Ministério Público", disse Janot.

"No mínimo um pedido de informação terá que haver. E um pedido de informação não pode ser feito de maneira solta. Existe uma previsão na atuação do MP de uma coisa chamada "Notícia de Fato". Você instaura, porque não se pode expedir ato nenhum fora de um procedimento qualquer", disse ele. "Eu tive a notícia de um acontecimento. Se esse fato é crime ou não, se é ilícito ou lícito, eu não sei. Então vou ter que saber", explica.

Na tarde desta sexta, após a entrevista de Janot à BBC News Brasil, Aras pediu ao STF a abertura de um inquérito para apurar os fatos narrados por Moro em seu discurso de despedida.

Posse de Aras - Secom/PR - Secom/PR
Aras é o primeiro PGR desde 2003 que não figurou na lista tríplice da ANPR
Imagem: Secom/PR

Entre os pedidos feitos por Aras, está um pedido de depoimento de Moro.

Janot frisa que a fala de Moro, por si mesma, não prova o cometimento de crimes por parte de Bolsonaro - por isso as investigações são necessárias.

"Para que a gente possa avaliar a existência ou não de um tipo penal, mesmo, tinha que aprofundar um pouquinho mais. (...) Por agora, acho que ainda não dá para afirmar a prática de crimes, ainda não. Pode ser que depois venha a se comprovar o uso político, a manipulação indevida de processos de investigação. Isso sim seria crime, só que isto ainda não comprovado", disse o ex-PGR.

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.