Não é só Flávio Bolsonaro: MP investiga em sigilo dezenas de deputados após rachadinhas no RJ
O Ministério Público do Rio de Janeiro investiga outros 20 políticos por supostos esquemas de corrupção e desvios semelhantes às chamadas rachadinhas, além do ex-deputado estadual e senador Flávio Bolsonaro.
Todas as investigações correm em sigilo.
Iniciadas em 2018, elas costumam ganhar notoriedade quando a Justiça determina operações como quebras de sigilo ou prisões — como no último dia 18, quando Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador e amigo pessoal do presidente Jair Bolsonaro há 30 anos, foi preso na casa do então advogado da família presidencial em Atibaia, no interior de São Paulo.
Segundo informou à BBC News Brasil o Ministério Público (MP) fluminense, desde o início das investigações, promotores já tiveram autorização judicial para quebras de sigilo bancário e fiscal de pelo menos 10 autoridades, além do filho do presidente.
O alto volume de operações — que incluem investigações sobre membros de rivais políticos de Flávio Bolsonaro, como o deputado petista André Ceciliano — contrasta com boatos que circulam em redes sociais sobre um eventual favoritismo contra o filho do presidente nas investigações decorrentes de um relatório sobre movimentações atípicas por membros da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) em 2016.
Flávio Bolsonaro tem repetido que seria uma vítima um complô que agiria politicamente.
"O senador Flávio Bolsonaro é vítima de um grupo político que tem patrocinado uma verdadeira campanha de difamação. Essas pessoas têm apenas um objetivo: recuperar o poder que perderam na última eleição", disse o parlamentar, em nota.
Mas fontes ouvidas pela reportagem apontam que a visibilidade de Flávio Bolsonaro no caso seria fruto de sua própria atuação. Entre os elementos que explicariam as manchetes sobre ele estariam, em primeiro lugar, o parentesco com o chefe do Executivo, eleito com discurso anticorrupção.
Em segundo lugar, as tentativas de Flávio de barrar as investigações — foram nove desde 2018. Em terceiro, viria o suposto vínculo entre os desvios com lideranças importantes das milícias da zona Oeste carioca, como Adriano Magalhães da Nóbrega — uma descoberta que, segundo relatos, pegou promotores de surpresa durante a investigação.
Foragido desde 2019 e morto em fevereiro deste ano durante uma controversa operação policial no interior da Bahia, Nóbrega é acusado de chefiar a milícia e rede de assassinos de aluguel Escritório do Crime, que teria relação, entre outros feitos, com o assassinato da vereadora Marielle Franco em 2018.
Segundo a Promotoria, Queiroz teria usado empresas controladas pelo miliciano para lavar parte dos recursos repassados por servidores do gabinete de Flávio. As defesas de todos negam as acusações.
Sigilo
A estratégia adotada pelo MP fluminense em todos os casos é de discrição. Diferente de outras investigações famosas, a começar pelo braço da operação Lava Jato em Curitiba, a narrativa escolhida pela promotoria do Rio de Janeiro é de afastamento dos holofotes.
À reportagem, a área de comunicação da promotoria disse que as diligências para apurar irregularidades nos gabinetes dos 21 políticos "continuam sendo realizadas sob sigilo".
O órgão disse que 11 procedimentos de investigação contra políticos correm no âmbito do Grupo de Atribuição Originária Criminal da Procuradoria-Geral de Justiça (Gaocrim), que investiga deputados estaduais com mandato na Alerj. Em paralelo, outros 10 políticos são investigados sob a tutela do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc), que apura irregularidades envolvendo ex-deputados - caso de Flávio Bolsonaro, que mudou de foro ao se eleger senador.
"(O Gaocrim) já obteve o deferimento de oito quebras de sigilo bancário e fiscal pelo Órgão Especial do TJRJ", diz o MP. Já no Gaecc, "três quebras de sigilo bancário e fiscal foram obtidas junto à Justiça", segundo o órgão.
O ponto de partida para a ampla operação foi um relatório sobre movimentações suspeitas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017 produzido pelo antigo Coaf, hoje Unidade de Inteligência Financeira (UIF), órgão que atua na prevenção e combate à lavagem de dinheiro.
Em agosto de 2019, enquanto avançavam as investigações contra o filho, o presidente Jair Bolsonaro editou medida provisória com uma série de alterações no antigo Coaf, incluindo mudança de presidente, de nome e na estrutura — ele deixou de fazer parte do Ministério da Economia e passou a pertencer ao Banco Central. Segundo Bolsonaro, as mudanças visavam "blindar" o antigo Coaf de interferências e pressões políticas.
Mas a alteração também foi vista como estratégia para ter mais controle sobre as atividades prestadas pelo órgão anticorrupção.
Petista também é investigado
O relatório caiu como uma bomba na classe política fluminense, apontando "movimentação financeira suspeita" nas contas de 75 funcionários e ex-funcionários de deputados. Pelo menos 21 deputados estaduais de 14 partidos apresentariam irregularidades.
Segundo o MP, dois deputados estaduais tiveram investigações arquivadas: Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB) e Tio Carlos (Solidariedade).
Os dois, além de André Ceciliano (PT) e Paulo Ramos (PDT), haviam se apresentado voluntariamente para prestar esclarecimentos ao MP.
Mas as apurações sobre Ceciliano, hoje presidente da Alerj, e Ramos, segundo a reportagem apurou, continuam.
Segundo o relatório do Coaf, o gabinete de Ceciliano ocuparia o topo no ranking de supostas movimentações suspeitas, com R$ 49,3 milhões em 2016. Em maio do ano passado, o petista também ganhou manchetes ao ter seu sigilo bancário e fiscal quebrado pela Justiça.
Ramos viria em seguida, com R$ 30,3 milhões em supostas movimentações irregulares.
Os dois negam qualquer irregularidade e afirmam que se ofereceram espontaneamente para prestar esclarecimentos e apresentaram seus sigilos bancários e fiscais às autoridades.
As investigações ativas do MP fluminense contra políticos a partir do relatório do antigo Coaf incluem casos de movimentações suspeitas de verbas públicas, irregularidades em doações eleitorais e as famosas "rachadinhas", termo que se refere à prática de desvio ou rateio dos salários de assessores com os políticos que os empregam.
Rachadinha e milícias
Desde 2018, Flávio Bolsonaro tem usado todas as instâncias possíveis — Tribunal de Justiça (RJ), Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal — para tentar barrar as investigações contra si próprio. Foram nove tentativas sem sucesso, o que acabou chamando atenção da mídia e gerando notícias sobre decisões judiciais em série.
A mais famosa foi uma decisão individual do presidente do STF, Dias Toffoli, que, em julho de 2019, paralisou centenas de investigações e processos criminais após um pedido do senador Flávio Bolsonaro. Meses mais tarde, o plenário da corte reverteu a decisão que favorecia o herdeiro bolsonarista.
Além do parentesco presidencial e dos embates na justiça, o suposto elo entre os desvios apurados e membros da milícia da zona oeste do Rio de Janeiro trouxe mais importância ao caso.
Flavio Bolsonaro já fez homenagens ao ex-policial militar Adriano Magalhães da Nóbrega, que foi expulso da PM fluminense em 2014 por relação com jogo do bicho, e empregou em seu gabinete a mãe e a mulher dele — esta, por mais de uma década.
A descoberta, segundo fontes, teria sido uma surpresa para os investigadores em meio às investigações sobre movimentações financeiras.
Flávio Bolsonaro nega qualquer vínculo com milicianos e diz ter defendido e homenageado mais de uma centena de agentes de segurança ao longo de sua trajetória parlamentar.
Na época em que os fatos vieram à tona, ele disse que o parentesco entre suas duas ex-assessoras e um acusado de comandar milícia é "mais uma ilação irresponsável daqueles que pretendem me difamar".
"Aqueles que cometem erros devem responder por seus atos", prosseguiu.
A atenção dada pela promotoria ao caso acompanharia um movimento de priorização ao combate às milícias pelo MP fluminense nos últimos anos.
"A milícia hoje é o maior problema de segurança pública do Rio de Janeiro. Diferente do tráfico, na maior parte das vezes, a milícia comumente tem agentes públicos que se usam da estrutura estatal para o praticar crime. Seu alcance é muito maior", diz uma autoridade com familiaridade com o tema.
"A investigação sobre o Queiroz esbarrou nessa história justamente no momento em que todos têm clareza sobre a natureza nefasta das milicias para a sociedade", continua.
O Ministério Público do Rio de Janeiro afirma que a milícia supostamente comandada por Adriano da Nóbrega cometia agiotagem, receptação de carga roubada, extorsão de moradores, cobrança de taxas para prover serviços ilegais e intimidação com uso da força. A mãe de Adriano e ex-assessora de Flávio Bolsonaro, Raimunda Veras Magalhães, também é citada no relatório do antigo Coaf.
Queiroz preso
Fabrício Queiroz foi preso em Atibaia a pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro e com autorização dada pela Justiça do Rio.
Segundo o Coaf, ele teria movimentado quase R$ 7 milhões em três anos. Entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, recebeu depósitos e fez saques em um total de R$ 1,2 milhão, valor que seria incompatível com seu patrimônio e ocupação.
Ele era servidor público cadastrado da Assembleia Legislativa do Rio, com salário de R$ 8.517, e acumulava rendimentos mensais de R$ 12,6 mil da Polícia Militar.
O antigo Coaf identificou diversas transações suspeitas feitas pelo ex-assessor, que aparece em fotos antigas fazendo churrasco com o presidente e os filhos.
Uma delas envolve um cheque de R$ 24 mil depositado na conta da hoje primeira-dama Michelle Bolsonaro.
O relatório mostra também que sete servidores da Alerj que passaram pelo gabinete de Flávio Bolsonaro fizeram transferências para a conta mantida por Queiroz.
Chamava a atenção também que o próprio Queiroz depositou outros R$ 94.812 em sua conta e fez 176 saques de dinheiro em espécie ao longo de 2016.
Queiroz e sua defesa já disseram diversas vezes que ele sempre agiu de "forma lícita". Segundo ele, funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro depositavam parte de seus salários em sua conta a fim de ampliar, informalmente e sem o conhecimento do parlamentar, a base de funcionários ligados ao então deputado estadual.
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