O que explica aumento histórico de homicídios nos EUA?
Um relatório anual do FBI (a Polícia Federal americana) que será divulgado oficialmente na próxima semana confirma o que analistas já vinham antecipando desde meados do ano passado: em 2020, os Estados Unidos registraram um aumento sem precedentes na taxa de homicídios.
Segundo os dados divulgados previamente no site do FBI e detalhados inicialmente pelo analista e especialista em segurança pública Jeff Asher em artigo no jornal The New York Times, a taxa de homicídios nos Estados Unidos aumentou 29% de 2019 para 2020.
Esse foi o maior aumento de um ano para o outro desde 1960, quando os dados nacionais começaram a ser coletados. A alta de 2020 é mais de duas vezes maior do que o maior salto registrado até então, em 1968, quando a taxa de homicídios cresceu 12,7% em relação ao ano anterior.
Em 2020, foram registrados 6,55 homicídios por cada 100 mil pessoas. No ano anterior, a taxa era de 5 a cada 100 mil.
Foram quase 21,5 mil homicídios em 2020, aumento de cerca de 4,9 mil sobre o ano anterior. Em números absolutos, o maior aumento até então havia ocorrido em 1990, quando foram registrados 1.938 homicídios a mais do que no ano anterior.
O salto ocorreu em todas as regiões do país, tanto em grandes centros urbanos quanto em cidades pequenas, e tanto em municípios governados por democratas quanto por republicanos.
"Foi um aumento nacional, o que sugere que foi influenciado por fatores nacionais", diz Asher à BBC News Brasil. "E isso significa que será um desafio reduzir (esses números)", ressalta Asher, que é co-fundador da empresa AH Datalytics.
Dados anteriores
Asher ressalta que os números do FBI ainda podem sofrer pequenos ajustes até a divulgação oficial, na semana que vem, mas eventuais mudanças não devem alterar a interpretação dos dados.
Os números confirmam análises anteriores divulgadas por especialistas em segurança pública.
Em relatório do início deste ano, a Comissão Nacional sobre Covid-19 e Justiça Criminal, ligada ao centro de pesquisas Council on Criminal Justice (Conselho sobre Justiça Criminal), já previa aumento de 30% na taxa de homicídios em 2020, com base em dados de 34 cidades.
O aumento nos homicídios ocorreu ao mesmo tempo em que outros tipos de crime, como roubos, caíram em 2020.
Asher ressalta que crimes contra propriedade registraram seu 18º ano consecutivo de queda no ano passado, resultado provavelmente influenciado pelo fechamento de vários estabelecimentos comerciais por causa da pandemia.
Pandemia
Especialistas afirmam que é difícil apontar para um único fator que explique o aumento histórico, em um ano marcado pela pandemia de coronavírus, crise econômica, explosão na venda de armas de fogo e protestos contra racismo e brutalidade policial que levaram milhões de pessoas às ruas em todo o país.
"Os criminologistas ainda estão debatendo o que causou a queda de homicídios a partir do fim dos anos 1990", lembra Asher.
"Diversos fatores parecem fazer sentido (em 2020)", afirma, ressaltando que não há dados suficientes para dizer o grau com que cada um desses fatores influenciou os números.
Alguns apontam para os efeitos da pandemia de covid-19, com o stress devido ao temor da doença e ao isolamento nos meses iniciais, quando escolas, igrejas, bares e locais de lazer foram fechados em diversas partes do país.
A pandemia também levou à redução em programas de prevenção de violência e aconselhamento, interrompidos em várias comunidades por causa da necessidade de distanciamento social.
Além disso, milhões de americanos perderam o emprego e enfrentaram problemas financeiros em decorrência da pandemia.
Protestos
A partir do fim de maio, a morte de George Floyd, um americano negro morto sob custódia de um policial branco, desencadeou protestos em todo o país, em meio a pedidos de reformas e, em alguns casos, de corte de verbas e redução do papel da polícia.
Uma das teorias é a de que esses protestos possam ter resultado em uma diminuição no policiamento de determinadas comunidades, tanto por iniciativa dos próprios policiais quanto por decisão dos moradores, que teriam deixado de chamar a polícia por falta de confiança.
Mas muitos analistas salientam que não há dados suficientes para comprovar que isso tenha provocado a alta em homicídios, e lembram que já era registrado aumento na violência nos meses anteriores aos protestos.
"É difícil estabelecer uma relação causal", ressalta Asher.
Armas
Outro fator importante é o aumento no comércio de armas de fogo registrado no ano passado.
Segundo o FBI, 77% dos homicídios em 2020 foram cometidos com armas de fogo, o maior percentual já registrado.
Desde o início da pandemia, vendedores de armas ao redor do país vinham relatando uma explosão nas vendas, com lojas lotadas, longas filas nas calçadas e temor de que os estoques de munição não fossem suficientes para atender à demanda.
Calcula-se que quase 40 milhões de armas tenham sido vendidas legalmente no país em 2020, o maior número desde que o FBI começou a coletar esses dados, em 1998.
Contexto histórico
Ainda é cedo para saber se a tendência de aumento na taxa de homicídios irá se manter no longo prazo, mas dados preliminares indicam que 2021 deverá registrar novo salto, apesar de menor do que o de 2020.
Ao analisar uma amostra de 87 cidades americanas com dados pelo menos até o final de junho, Asher verificou aumento de 9,9% no número de homicídios em comparação com o mesmo período do ano passado.
Em Las Vegas, o crescimento já é de mais de 62%. Em Portland, no estado de Oregon, supera 81%. Mas pelo menos sete cidades não registraram aumento, e em outras 22 houve queda.
Sempre que há aumento na violência nos Estados Unidos, analistas costumam ressaltar que as taxas de criminalidade ainda continuam bem abaixo do que eram nos anos 1980 e 1990.
Isso também vale para 2020 mas, segundo Asher, não deve ser motivo de conforto.
"(Os números de 2020) representam uma redução em comparação aos anos 1990, o que é bom", afirma. "Mas também representam um aumento de 47% sobre a baixa histórica registrada em 2014."
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