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Guerra da Rússia-Ucrânia

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Por que Odessa, na Ucrânia, tem valor especial para Putin?

Capturar essa cidade cosmopolita seria um triunfo importante para o presidente russo Vladimir Putin - Sputnik/Mikhail Klimentyev/Kremlin via Reuters
Capturar essa cidade cosmopolita seria um triunfo importante para o presidente russo Vladimir Putin Imagem: Sputnik/Mikhail Klimentyev/Kremlin via Reuters

11/03/2022 10h41Atualizada em 11/03/2022 10h41

Odessa é a terceira maior cidade da Ucrânia e abriga o maior porto comercial marítimo do país. Agora, enfrenta a ameaça das forças russas.

Capturar essa cidade cosmopolita seria um triunfo importante para o presidente russo Vladimir Putin. Odessa tem um grande valor simbólico, pois ocupa um lugar destacado na história e na cultura da Rússia.

Localizada no sudoeste da Ucrânia, na costa noroeste do Mar Negro, Odessa é um centro cultural multiétnico e importante núcleo de transporte e turismo. A cidade abriga mais de um milhão de habitantes.

Ela costuma ser chamada de "a pérola do Mar Negro", provavelmente devido à sua arquitetura histórica com estilo mais mediterrâneo que russo e forte influência francesa e italiana.

Observadores garantem que Odessa é muito diferente de Kiev e de outras cidades ucranianas.

A cidade ainda tem fortes raízes russas.

Ela foi fundada em 1794 por decreto da imperatriz russa Catarina, a Grande. Durante o século 19, foi a quarta maior cidade da Rússia imperial - e foi o cenário de batalhas violentas.

Mapa Rússia invade a Ucrânia - 26.02.2022 - Arte UOL - Arte UOL
Imagem: Arte UOL

O 'começo' da revolução

Em 1905, Odessa foi o palco de uma revolta operária, apoiada pela tripulação do encouraçado russo Potemkin, que culminou com a morte de centenas de cidadãos.

Os tripulantes do Potemkin nutriam sentimentos revolucionários e de animosidade contra a classe dos oficiais aristocratas - os mesmos sentimentos presentes na época em muitos outros navios da marinha russa.

Em junho de 1905, a tripulação organizou um motim devido a desentendimentos sobre a alimentação. Na verdade, os amotinados planejavam apoiar os marinheiros de outros navios e a classe operária como um todo em uma revolta que começava a ocorrer na Rússia para depor o czar Nicolau 2°.

Enfurecido com o motim, o capitão do navio ordenou a execução de 30 soldados, o que levou a um combate violento que culminou com a tomada do Potemkin pelos amotinados e a morte do capitão a tiros.

O navio então se dirigiu ao porto de Odessa, também imerso em enormes protestos e greves dos trabalhadores. Os amotinados planejavam abastecer-se em Odessa e depois levar sua "revolução" para a Rússia continental.

Os cidadãos de Odessa logo começaram a expressar seu apoio e organizar protestos. Mas a notícia chegou a Nicolau 2°, que ordenou que a revolta fosse reprimida. Os militares entraram no porto, imobilizaram a multidão e começaram a disparar indiscriminadamente. Por fim, cerca de mil habitantes de Odessa estavam mortos nas ruas da cidade.

O evento foi posteriormente imortalizado no famoso filme do cineasta soviético Sergei Eisenstein "O Encouraçado Potemkin", de 1925, que inclui uma cena na qual centenas de cidadãos de Odessa são assassinados na grande escadaria de pedra que conecta o bairro velho da cidade à zona portuária no Mar Negro.

É por isso que a escadaria hoje é conhecida como "a escadaria de Potemkin". Mas a matança real de 1905 em Odessa, na verdade, não aconteceu ali, mas sim nas ruas próximas.

Cidade 'heroica'

Outra batalha sangrenta teve lugar em 1941, quando tropas romenas e alemãs invadiram a cidade. A defesa contra os invasores durou 73 dias, causando a morte de 40 mil a 60 mil soviéticos. Odessa recebeu então o título de cidade "heroica" da União Soviética.

Na verdade, parte da defesa da cidade durante a Segunda Guerra Mundial teve lugar embaixo da terra, graças às numerosas galerias subterrâneas construídas originalmente para extração de calcário. Calcula-se que haja na cidade mais de 2.500 km de túneis, que foram utilizados pelos soldados soviéticos para defender Odessa.

Após a batalha de Odessa, a cidade foi ocupada pelas potências do Eixo. Cerca de 25 mil habitantes foram assassinados e mais de 35 mil foram deportados, no que ficou conhecido como o Massacre de Odessa.

Até a década de 1940, Odessa tinha uma enorme população judia, mas muitos foram deportados para os campos de extermínio durante a Segunda Guerra Mundial. Posteriormente, os russos foram o grupo étnico mais numeroso.

Atualmente, a cidade abriga também outras nacionalidades e grupos étnicos minoritários, incluindo albaneses, armênios, azerbaijanos, tártaros da Crimeia, búlgaros, georgianos, gregos, judeus, poloneses, romenos, turcos e outros.

Uma pesquisa municipal realizada em 2021, publicada pelo centro de estudos norte-americano International Republican Institute, indicou que 68% da população de Odessa têm origem ucraniana e 25% são de origem russa. Mas, apesar da maioria ucraniana, a maior parte da população fala russo em casa.

Valor especial

Para Vladimir Putin, essa cidade multiétnica tem valor especial.

Embora militarmente não seja tão importante quanto a península da Crimeia (anexada pela Rússia em 2014), Putin vem falando nostalgicamente sobre a reconstituição da "Nova Rússia" da era imperial - uma região ao longo do Mar Negro baseada em Odessa.

Em um dos seus discursos antes da invasão, Putin mencionou especificamente os eventos ocorridos em Odessa em maio de 2014, quando quase 50 manifestantes, em sua maioria pró-russos, morreram na cidade após enfrentamentos com nacionalistas ucranianos.

No seu discurso indignado transmitido pela televisão em fevereiro de 2022, Putin afirmou que a Rússia sabe os nomes dos responsáveis pela tragédia de maio de 2014 e que "faria todo o possível para puni-los".

Os eventos de 2014 eclodiram depois que grupos pró-russos coordenados em várias cidades tomaram edifícios do governo. Em Odessa, os nacionalistas ucranianos reagiram atacando uma marcha pró-russa, culminando em um incêndio no prédio de um sindicato onde morreram 48 pessoas - em sua maioria, ativistas pró-russos.

Esses eventos foram rapidamente utilizados pelo Kremlin para construir sua narrativa da chamada "Ucrânia fascista" - e também dividiram profundamente os habitantes de Odessa. Boris Khersonsky - poeta, psicólogo e filósofo ucraniano de 72 anos - afirmou ao jornal britânico The Guardian que "perdeu mais da metade" dos seus amigos quando decidiu assumir sua posição incondicional pró-Ucrânia.

Nas últimas semanas, após o início da invasão russa à Ucrânia, Odessa transformou-se radicalmente. Já não se encontram mais multidões nos seus museus, nem na Escadaria de Potemkin. E também não há visitantes na sua atração turística mais famosa, o Teatro da Ópera.

O Museu de Belas Artes de Odessa, que abriga 10 mil obras de arte do século 16 em diante - incluindo as obras de um dos seus moradores mais ilustres, o pioneiro da arte abstrata Wassily Kandinsky -, também fechou as portas. Sua diretora, Oleksandra Kovalchuk, fugiu para a Bulgária pelo bem do seu filho de um ano. Essa decisão a deixou "terrivelmente abalada".

"Sinto-me uma traidora", disse ela à BBC. "Decepcionei a minha equipe. É claro que me sinto culpada. O Museu de Belas Artes de Odessa tem sido um filho para mim há muitos anos, de forma que foi basicamente uma decisão sobre qual filho eu queria abandonar. Decidi que sou obrigada a cuidar do meu filho pequeno."

Kovalchuk afirma que, da mesma forma que em quase todos os outros museus da Ucrânia, "os funcionários estão dormindo [no museu], ficando por dias para permanecer perto das obras de arte e poder tomar decisões urgentes" e manter as coleções a salvo.

Vídeos atuais de Odessa mostram seu centro histórico bloqueado por sacos de areia, arame farpado e soldados armados. Muitos habitantes da cidade não conseguem acreditar que Vladimir Putin venha a lançar um ataque sobre essa cidade ligada à Rússia por laços familiares e culturais tão profundos.

Mas, nos últimos dias, navios de guerra russos vêm sendo vistos perto das praias da cidade e agora os habitantes de Odessa estão se preparando para o pior.