'Pintou um clima': como fala de Bolsonaro sobre meninas venezuelanas repercutiu no WhatsApp
A declaração do presidente Jair Bolsonaro (PL) de que "pintou um clima" com meninas venezuelanas adolescentes teve mais repercussão em grupos de WhatsApp do que outros episódios de grande compartilhamento nas redes nos dias anteriores — a visita de Bolsonaro a Aparecida (SP) e a ida do candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, ao Complexo do Alemão.
A constatação é da pesquisadora Andressa Costa, doutoranda em Ciência Política na Universidade de Lisboa, que monitora 15 mil grupos públicos no WhatsApp — a maioria composta por apoiadores do presidente, mas também grupos sobre outros temas.
O pico de envio de mensagens sobre Bolsonaro e as meninas venezuelanas ocorreu no domingo da semana passada (16/10), quando 576 a cada 200 mil mensagens faziam menção ao tema, segundo Costa.
No pico de mensagens sobre Bolsonaro em Aparecida, foram 202 mensagens a cada 200 mil sobre o tema. E, sobre a ida de Lula no Complexo do Alemão, foram 330 a cada 200 mil.
Veja a comparação no gráfico elaborado por Costa, em que o eixo vertical mostra a quantidade de mensagens sobre cada tema a cada 200 mil.
"Ficamos surpresas, porque a gente já tinha feito um levantamento sobre a questão da visita do Bolsonaro em Aparecida, que tinha repercutido bastante na rede, assim como a questão do Lula no Complexo do Alemão, e essa questão da fala do Bolsonaro sobre as venezuelanas conseguiu ter um volume ainda maior", disse Costa.
Sentimento das mensagens
Esse total de mensagens considera as que apoiam e as que atacam o presidente, além das neutras — que incluem principalmente o envio de uma notícia sem um comentário que expresse uma opinião ou juízo de valor.
A análise de Costa sobre o teor dessas mensagens mostra que, no pico (16/10), 58,8% das mensagens foram neutras, 35,8% negativas e 5,9% positivas.
A distribuição não é muito diferente do que aconteceu no dia do pico de mensagens (13/10) sobre Bolsonaro em Aparecida, quando 62% das mensagens foram neutras, 32,6% negativas e 5,4% positivas.
Sobre a ida de Lula ao Complexo do Alemão, no pico de mensagens (13/10), 41,1% foram positivas, 30,8% neutras e 28,1% negativas, mas nos outros dias as menções negativas superaram.
Ao comparar as mensagens que atacavam Bolsonaro pela fala sobre as meninas venezuelanas e aquelas que defendiam o presidente no mesmo episódio, Costa disse que notou uma diferença no tipo de mensagem compartilhada.
Nas mensagens contra Bolsonaro, ela identificou um envio de mensagens variadas sobre o tema, enquanto nos conteúdos que defendem o presidente, houve um compartilhamento maior das mesmas mensagens.
"As mensagens contra Jair Bolsonaro apresentaram uma grande variedade, sendo produzido muito conteúdo sobre o tema, centralmente através de imagens e vídeos focados na fala de 'pintou um clima' de Bolsonaro", diz o relatório produzido pela pesquisadora.
"Observou-se que essas mensagens não circulam apenas em grupo de apoiadores de Lula, mas também em grupos que não têm finalidade política, como grupos locais. Em relação às mensagens em defesa de Bolsonaro, não houve grande variedade, sendo o conteúdo baseado na live do presidente explicando o episódio e relatando que, à época, a visita à casa das venezuelanas foi transmitida ao vivo pela CNN, estando esta transmissão também presente nas mensagens, que circularam apenas em grupos de apoio ao presidente."
Costa diz que identificou uma mudança na estratégia das mensagens de usuários de esquerda no primeiro turno e no segundo, passando de uma postura reativa para uma postura mais ativa.
"O que se viu no primeiro turno era mais o lado da esquerda se defendendo dos ataques do bolsonarismo, especialmente na questão da religião, no primeiro turno. No segundo turno, a gente já está vendo uma postura diferente dentro das redes sociais — tem esse lado mais ativo de pegar o que está acontecendo, pegar a fala do Bolsonaro e realmente construir uma narrativa para trabalhar isso dentro das redes sociais", disse a cientista política.
David Nemer, professor da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, e pesquisador de antropologia da tecnologia que acompanha 122 grupos bolsonaristas no Telegram, destaca a importância do tema na mobilização dos grupos bolsonaristas.
"A pauta de costumes, ele (Bolsonaro) entende que é uma coisa que fala diretamente com a questão do eleitorado dele", disse à BBC News Brasil.
"A questão da pedofilia dentro do ecossistema bolsonarista é (tema) bem pesado, já que demonizar o inimigo como pedófilo sempre foi uma arma na narrativa deles. Em 12 de outubro, Dia das Crianças, foi um tema muito falado, de uma forma em que Bolsonaro combateria a pedofilia. A questão das crianças venezuelanas veio dois dias depois, então teve um pico muito forte de engajamento sobre esse assunto. Só que muda a característica do tom — não mais Bolsonaro sendo quem combate, mas uma defensiva de que Bolsonaro não é pedófilo."
'Pintou um clima': o que disse Bolsonaro sobre meninas venezuelanas
Candidato à reeleição, Bolsonaro disse, em fala a um podcast em 14 de outubro, que "pintou um clima" durante visita a um grupo de meninas venezuelanas no Distrito Federal. Na ocasião, ele associou as adolescentes à exploração sexual: "Tinha umas 15, 20 meninas, sábado de manhã, se arrumando, todas venezuelanas. Eu pergunto: meninas bonitinhas, 14, 15 anos, se arrumando no sábado para quê? Ganhar a vida."
A fala teve grande repercussão, com críticas pelo uso do termo "pintou um clima" pelo presidente da República associado a adolescentes e pela atitude dele diante do que considerou uma situação suspeita. A cantora Daniela Mercury, por exemplo, repudiou o episódio no Twitter.
"Essa situação é absurda. Como assim? Pintou um clima? O que isso significa? É preciso investigar imediatamente tudo que aconteceu dentro daquela casa. Ele é presidente da República e tinha a obrigação de defender as adolescentes contra qualquer tipo de exploração, ou crime", escreveu.
Depois do episódio, houve uma série de defesas do lado de Bolsonaro: apoiadores do presidente disseram que sua fala foi tirada de contexto e acusaram a esquerda de fake news. A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, afirmou no domingo que Bolsonaro tem "mania" de falar "se pintar um clima".
Segundo levantamento da revista piauí, em nenhuma das 181 lives que fez entre março de 2019 e setembro de 2022 Bolsonaro usou a expressão "pintou um clima".
E o próprio presidente gravou vídeo para se defender das críticas que recebeu, ao lado de Michelle e de Maria Teresa Belandria, representante no Brasil do autoproclamado governo de Juan Guaidó. No discurso, ele pede perdão caso as frases tenham sido "mal compreendidas" ou causado "algum tipo de constrangimento a nossas irmãs venezuelanas".
A cientista política Camila Rocha, que é pesquisadora da nova direita no Brasil no Cebrap e autora de Menos Marx, Mais Mises - O liberalismo e a nova direita no Brasil, diz que Bolsonaro busca "humanizar a própria imagem" ao pedir desculpas.
Ela diz que o pedido de desculpas é algo inédito. "É uma estratégia de humanizar a figura dele porque quem faz o marketing do Bolsonaro percebeu que tem um impacto importante no sentido de afastar as pessoas do voto no Bolsonaro. Ainda que a gente saiba que seja algo meio que para inglês ver - porque ele nunca fez isso antes, vai fazer agora aos 45 do segundo tempo - mas pode dar algum resultado, sim. No sentido de alguém que até gostaria de votar no Bolsonaro, aí viu o 'pintou um clima', ficou assustado, mas daí fala 'tudo bem, ele pediu desculpa, ou fez alguma coisa a respeito'."
Sobre o vídeo em que Bolsonaro fala das venezuelanas, Rocha diz que não chegou a medir especificamente o impacto da fala entre os grupos de eleitores que acompanha, mas avalia que esse tipo de frase "mais afasta o voto do Bolsonaro do que jogam necessariamente para votar no Lula". Ou seja, pode até fazer com que essa pessoa não vote no Bolsonaro, mas "se ela vai votar no Lula, são outros quinhentos".
David Nemer também destaca que não identificou virada de voto. "A questão de pautar dentro desses grupos não significa virar voto. Acho muito difícil isso ter acontecido nesses grupos fechados com o Bolsonaro", disse.
Ele destaca, no entanto, que percebe um "desânimo" em alguns casos.
"Um desânimo de 'não é possível que Bolsonaro entrou nessa também, será que ele realmente representa a gente também?'. Esse desânimo leva à desmotivação para sair de casa e votar."
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63345188
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