Conteúdo publicado há 8 meses

Estudo detalha como Bolsonaro fez emissões subirem 122% na Amazônia

Em seu laboratório dentro do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Luciana Gatti passou os últimos três anos tentando quantificar o impacto do governo de Jair Bolsonaro na destruição da Amazônia. Os resultados agora são expostos em mais um estudo liderado por ela e publicado nesta quarta-feira (23/08) na renomada revista científica Nature.

Nos primeiros dois anos de mandato do ex-presidente, o corte e a queima da floresta jogou para a atmosfera 122% a mais de dióxido de carbono (CO2) que a média registrada entre 2010 e 2018. O gás é o principal causador do chamado efeito estufa e, conseguentemente, das mudanças climáticas globais.

"Bolsonaro representa um período sem lei para a Amazônia. Só nos dois primeiros anos, a emissão da Amazônia saltou desta maneira, 89% em 2019 e 122% em 2020. E quanto nós perdemos de chuva? De quanto foi o aumento da temperatura? O quanto isso acelerou as mudanças climáticas? E os eventos extremos?", comenta Gatti, apontando outros efeitos negativos que devem ser investigados pela ciência.

Para os 30 autores que assinam o artigo, o planejado desmonte das leis ambientais promovido pelo então ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi o estopim.

"Salles trabalhou em prol do 'liberou geral' para o crime ambiental em todo o país. Enquanto as pessoas morriam na pandemia de covid-19, ele 'passava a boiada'. É uma calamidade. Vamos pagar a conta por muitas décadas", diz Gatti à DW durante a visita da reportagem ao laboratório.

Montando o quebra-cabeça

O ponto de partida do estudo foi a coleta de amostras de ar em quatro áreas estratégicas na vasta região. Foram 742 voos ao longo de dois anos sobre pontos que representam 80% da Pan-Amazônia: Tabatinga (Amazonas); Santarém (Pará); Rio Branco (Acre); Alta Floresta (Mato Grosso).

Para que a pesquisa captasse o cenário com a maior fidelidade possível, a aeronave sobrevoou um mesmo ponto em diferentes altitudes, que foram de 150 a 4.500 metros. As amostras de ar recolhidas de forma automatizada são armazenadas em tubos transparentes, transportados numa mala.

É como se o avião percorresse uma complexa malha invisível de fluxos atmosféricos, que são formados por massas de ar vindas de diferentes regiões do globo - e que também sofrem variações a depender da altitude.

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"Para gente saber o que foi emitido na Amazônia, a gente tem que subtrair da amostra coletada a porção dos gases que chegou na região de outras partes do mundo, trazida por essas massas de ar", pontua Gatti, revelando a complexidade do processo.

Esta separação é feita no Laboratório de Gases de Efeito Estufa (LaGEE), no Inpe, montado pela própria pesquisadora em 2003 com apoio da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (Noaa, na sigla em inglês).

Os gráficos gerados após as análises deixaram a equipe intrigada: eles mostravam que o lado oeste da Amazônia, uma das áreas mais preservadas, estava emitindo gases de efeito estufa muito além do esperado.

Em busca de respostas, Gatti bateu na porta de colegas de outros departamentos, a poucos metros de seu laboratório. Foi quando Claudio Almeida, coordenador do sistema de monitoramento via satélite da Amazônia no Inpe, e Alberto Setzer, um dos criadores do sistema de detecção de queimadas no mesmo instituto, passaram a colaborar.

Nova frente de destruição

O mapa detalhado de desmatamento elaborado pela equipe de Almeida mostrou uma alta de 82% em 2019 e de 79% em 2020 em comparação à média verificada entre 2010 e 2018. A destruição registrada na porção oeste da Amazônia foi grande - o que corroborava os medições dos fluxos atmosféricos feitas por Gatti.

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"Esse lado do lado da Amazônia antes era neutro em emissões, ou seja, a floresta conseguia compensar praticamente todas as emissões humanas. Vimos que agora ela passou a ser fonte", detalha a pesquisadora.

Na interpretação de Almeida, uma das explicações para o avanço do desmatamento naquela parte da Amazônia está na rodovia BR 319, via de terra que liga Porto Velho, capital de Rondônia, a Manaus, Amazonas.

"A alta do desmatamento ali tem a ver com a perspectiva de asfaltamento da BR 319. Isso criou um estímulo para que as pessoas ocupassem a área com o pensamento de que a terra poderá ser revendida a um preço maior mais tarde", diz Claudio Almeida à DW.

Com os dados atmosféricos coletados pela equipe de Gatti em mãos, Alberto Setzer analisou as emissões de queimadas na região por meio das imagens do monitoramento com satélites.

"O número de focos de queima de vegetação detectados na Amazônia em 2019

e 2020 foram de cerca de 40 mil e 36 mil respectivamente", afirma Setzer à DW. Segundo o cálculo publicado no estudo, a área das queimadas saltou 14% em 2019 e 42% em 2020 - contribuindo para a alta de emissões.

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Setzer confirmou, mais uma vez, que o aumento notável das queimadas de desmatamento no oeste da Amazônia, particularmente no sul do Amazonas e Pará, era condizente com as medições feitas nos voos.

"Aliás, estes dois estados mantiveram até 2022 a tendência após o período do estudo no trabalho, e em 2023, até o presente, o número de detecções nestas regiões, embora com tendência de baixa, é preocupante", ressalta o pesquisador.

O que veio no lugar da floresta

Uma outra frente do estudo analisou como o que era decidido em Brasilia influenciava a destruição na Amazônia: desmonte das políticas ambientais e baixa na fiscalização dos crimes ambientais. A fonte dos dados foi o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), que disponibiliza as informações online.

"Foi notória a queda vertiginosa, tanto na parte da fiscalização como no rito da cobrança das multas, sobretudo depois que houve a criação do comitê das audiências de conciliação criado por Ricardo Salles", diz Britaldo Filho, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (Ufmg) que também assina a pesquisa.

A conclusão foi que aplicação das multas caiu em 30% em 2019 e em 54% em 2020, e que os pagamentos dessas penalidades diminuíram, nesses anos, 74% e 89%, respectivamente.

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Paralelamente, Sergio Correa, pesquisador na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), tentava entender quais atividades econômicas impulsionam os desmatadores. "Há muitos anos a Amazônia era desmatada por madeiras nobres. Depois se somou a grilagem de terras públicas. Já na última década, vimos um aumento da pecuária e agricultura nessas terras griladas", explicou Correa à DW.

As planilhas comparativas mostraram que a exportação de madeira bruta saindo da Amazônia explodiu nos dois primeiros anos de Bolsonaro: alta de 693%. A área plantada de soja cresceu 68% e a de milho, 58%. O rebanho bovino acompanhou a estatística: foram 13% a mais de cabeças de boi no período, enquanto o resto do país registrava queda.

O Brasil pós-Bolsonaro

Britaldo Filho lembra que a destruição da Amazônia ameaça a produtividade do agronegócio, que depende da ciclagem da água feita pela floresta. O pesquisador ressalta que o tempo para mudar o cenário é curto, já que outros estudos, alguns deles assinados por Carlos Nobre, que também colaborou com a atual pesquisa da Nature, mostram que a região se aproxima do chamado ponto de não retorno. Segundo esse conceito, se 25% da floresta desaparecerem, ela perde a capacidade de se recuperar e se transforma numa savana.

"Mais importante que políticas públicas é o cenário político. Hoje, o atual governo demonstra vontade política de combater o desmatamento, o crime. Mas há um quadro de resistência, uma situação complexa na Amazônia que desafia a própria lei", comenta Filho.

Para Luciana Gatti, que liderou a pesquisa, os resultados do artigo mandam um recado claro ao Brasil pós-Bolsonaro. "É importante a gente manter o programa de combate e controle do desmatamento, ter áreas protegidas, demarcar terras indígenas, que são os maiores protetores da floresta. São políticas que vão ajudar a manter a Amazônia.

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Autor: Nádia Pontes

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