Por que o encontro entre Trump e Putin importa
Na segunda-feira (16), os líderes dos Estados Unidos e da Rússia se encontram em Helsinque, capital da Finlândia. A cúpula entre Donald Trump e Vladimir Putin chama a atenção não só pelo fato de serem dois países historicamente rivais, mas também porque as relações entre eles ficaram ainda mais intricadas desde que Trump assumiu a Presidência, em 2017.
A anexação da Crimeia, a guerra no leste da Ucrânia, a intervenção militar russa na Síria, a investigação sobre a interferência do Kremlin nas eleições que colocaram Trump na Casa Branca, as sanções e as expulsões recíprocas de diplomatas são alguns dos problemas que abalaram as relações bilaterais. Contudo, Trump e Putin tendem a adotar uma retórica amistosa.
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Entre as declarações contraditórias feitas por ambos os líderes, é difícil distinguir em que pé de aproximação os dois países se encontram. Neste cenário, entenda por que a cúpula é importante e no que ficar de olho:
Encontro acontece em Helsinque
Capital da Finlândia, Helsinque é um palco histórico de diálogos de paz e de desarmamento ao longo do último século.
A cidade já foi escolhida como sede de cúpulas similares à desta segunda-feira, como a realizada entre os presidentes George H. W. Bush e Mikhail Gorbachov, em 1990, e entre Bill Clinton e Boris Yeltsin, em 1997.
Bush e Gorbachov discutiram a situação no Kuwait após a invasão do Iraque e a chegada de tropas americanas ao conflito. Clinton e Yelstin se encontram para debater a ampliação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para o Leste Europeu e para os países bálticos que fizeram parte da União Soviética.
A tradição da Finlândia como local de reuniões de missões de paz, desarmamento e segurança tem também exemplos mais próximos. Neste ano, representantes das duas Coreias e dos EUA iniciaram em Vaanta, sul do país, uma rodada de negociações não oficiais para reduzir as tensões diplomáticas entre Kim Jong-un e Trump.
Discurso conciliador x sanções
Trump, no geral, adota uma retórica amistosa em relação ao presidente russo. Em contrapartida, Washington adota uma política linha dura para a Rússia.
"Se você está em Moscou tentando desvendar a política dos EUA sobre a Rússia, não é uma tarefa fácil", disse à Agência Efe o ex-diplomata americano Steven Pifer, um especialista em Rússia que trabalha no centro de estudos Brookings.
"Não está claro se Trump concorda com tudo isso. A reticência do presidente em criticar Putin, quando muitas ações russas do último ano e meio merecem ser criticadas, é algo muito desconcertante e muito difícil de entender", explica o ex-diplomata.
Desde a campanha eleitoral, Trump elogiou Putin várias vezes e minimizou a possibilidade de a Rússia ter interferido nas eleições de 2016 para ajudá-lo a vencer, até o ponto de desafiar as conclusões das agências de inteligência americanas.
Por trás das declarações do presidente norte-americano, no entanto, seu governo manteve pulso firme em relação à Rússia, algo que começou nos últimos anos do mandato de Barack Obama. A gestão Trump inclusive "foi além", como na sua "decisão de proporcionar ajuda militar letal à Ucrânia", algo que o ex-presidente não fez por "cautela", lembrou Pifer.
Em abril, a Casa Branca tomou sua ação mais dura até agora ao sancionar sete oligarcas e 17 funcionários russos, entre eles o genro de Putin. Mas Trump suspendeu nesse mesmo mês outra rodada de sanções relacionadas com a Síria que a embaixadora americana na ONU, Nikki Haley, tinha anunciado um dia antes.
Embora a Casa Branca tenha reagido ao suposto ataque contra o ex-espião russo Sergei Skripal com a expulsão dos EUA de 60 funcionários do governo russo, Trump ficou furioso quando foi informado que a resposta de seu governo tinha sido muito mais agressiva que a dos países europeus.
"Estes incidentes traçam um perfil preocupante de um presidente fora de sintonia com o próprio governo, às vésperas de uma cúpula com Putin cujos objetivos não estão claros", escreveu o analista Brian O'Toole, do Atlantic Council.
Ingerência nas eleições
Trump prometeu abordar esse tema em Helsinque, mas não parece ter planos de estender demais a conversa se Putin negar qualquer ingerência, como fez nas duas reuniões prévias entre ambos, em julho de 2017, na Alemanha, e em novembro do mesmo ano, no Vietnã.
"Pode ser que (Putin) negue. Tudo o que posso dizer é 'você fez isso?' e 'não faça outra vez', mas pode ser que negue", disse Trump em entrevista coletiva na quinta-feira (12), em Bruxelas.
As agências de inteligência americanas temem uma possível interferência russa nas eleições legislativas de novembro nos EUA, mas Trump não esclareceu se também tem essa inquietação.
"O presidente fala sobre este assunto à sua maneira", defendeu na semana passada o embaixador americano em Moscou, Jon Huntsman.
O incômodo de Trump nesse âmbito parece se dever à sua frustração com a investigação do procurador especial Robert Mueller sobre a ingerência eleitoral russa, que continua aberta e que o presidente considera uma "caça às bruxas" contra ele.
Crimeia e retorno da Rússia ao G7
Apesar das controvérsias, Trump defendeu em mais de um discurso o retorno da Rússia ao fórum do qual foi expulsa em 2014, após a anexação do território ucraniano da Crimeia.
Alguns observadores temem que Trump mude a posição oficial dos EUA em relação à Crimeia, já que, durante a cúpula do G7, em junho, o presidente americano teria dito que a península deveria continuar nas mãos de Moscou, porque lá todos falam russo.
"O que acontecerá a partir de agora com a Crimeia? Não posso dizer", afirmou na quinta Trump, que reiterou que a culpa de a Rússia ter invadido o território foi do seu antecessor, Barack Obama.
Esta possibilidade é levantada por alguns veículos da imprensa russa, como o site Gazeta.ru, que apontou que a Crimeia é um tema em aberto para o presidente americano.
Para o historiador e analista político russo ValerySolovey, os dois líderes não farão concessões em Helsinque, especialmente no que se refere ao caso da Ucrânia.
"É evidente que não haverá reconhecimento da reunificação com a Crimeia e que as sanções contra a Rússia não serão suspensas", disse Solovey ao jornal Moskovski Komsomolets.
O historiador prevê que sairá de Helsinque um resultado similar ao da cúpula entre Trump e o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un. "Foi um encontro transcendental, mas quase nada mudou depois dele", ressaltou.
Síria
Putin precisa chegar a algum tipo de acordo com Trump, para pelo menos conter a degradação das relações bilaterais. A imprensa russa sugere que a Síria pode ser o ambiente propício para um pacto, levando em consideração as declarações de Trump sobre seu desejo de retirar as tropas americanas no país.
O presidente dos EUA poderia se apresentar para a opinião pública como um paladino da paz, enquanto Putin seria o vencedor de uma batalha geopolítica, embora as ambições russas na Síria ainda sejam restringidas pela presença de Irã, Turquia e Arábia Saudita.
De qualquer forma, a imprevisibilidade de Trump é um fator que poderia jogar por terra todas as previsões sobre a cúpula de Helsinque.
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