Putin tenta sufocar rebeliões no espaço pós-soviético
O presidente russo, Vladimir Putin, está tentando reprimir a todo custo as rebeliões no espaço pós-soviético, onde armênios e azerbaijanos, quirguizes e tadjiques se envolveram em violentas escaladas bélicas fronteiriças que o Ocidente pode aproveitar para dinamitar a guerra de desgaste entre Rússia e Ucrânia.
Nos últimos dias, Putin manteve conversas intensas com os líderes dos países do Cáucaso e da Ásia Central para instá-los a evitar uma escalada militar que abalasse o progresso da campanha russa na Ucrânia.
Os combates deixaram mais de 200 mortos na fronteira entre Armênia e Azerbaijão, e cerca de 100 na linha fronteiriça entre Quirguistão e Tadjiquistão.
Armênios e quirguizes são aliados próximos da Rússia, mas Moscou também tem uma base militar no Tajiquistão, que compartilha mais de 1.300 quilômetros de fronteira com o Afeganistão, e interesses energéticos no Azerbaijão, vizinho do Mar Cáspio.
RÚSSIA COM AS MÃOS OCUPADAS
A reação russa mostra que a última coisa que o Kremlin quer é um conflito armado em seu quintal, forçando-o a intervir como fez com o violento levante que eclodiu no Cazaquistão no último mês de janeiro.
Ao contrário de então, a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC) liderada pela Rússia, não atendeu ao apelo armênio para que fosse em seu auxílio após o que chamou de "agressão" do Azerbaijão.
Enquanto no conflito de 2020 pelo controle da região de Nagorno-Karabakh, a OTSC tinha a desculpa de que as hostilidades não estavam ocorrendo em solo armênio, agora não pode recorrer a esse argumento, a menos que o objetivo não seja desviar os recursos necessários na Ucrânia.
As cartas estão viradas para cima. A "operação militar especial" na Ucrânia mantém a Rússia com as mãos ocupadas. O Exército russo, por exemplo, não interveio na Ucrânia até concluir sua missão na Síria, onde evitou a derrubada de Bashar al Assad.
De fato, o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, aceitou o convite para participar na sexta-feira passada no Uzbequistão na cúpula da Organização para Cooperação de Xangai, mas o primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan, recusou.
Para piorar a situação, Putin se encontrou em Samarcanda não apenas com Aliev, mas também com o principal aliado de Baku, o líder turco, Recep Tayyip Erdogan.
TURQUIA E IRÃ, UM EQUILÍBRIO IMPOSSÍVEL
Analistas consideram que o que está acontecendo no espaço pós-soviético não responde exclusivamente aos desejos do Kremlin, mas também aos interesses de outros atores regionais, especialmente a Turquia.
Nessa lógica, Putin teria cedido às reivindicações de Erdogan na Armênia, muito interessado em construir um corredor terrestre entre a Turquia e o Azerbaijão, o que poderia abalar o equilíbrio de forças no Cáucaso.
A Turquia compartilha apenas dez quilômetros de fronteira com a república autônoma azeri de Nakhchivan, separada do resto do país por algumas dezenas de quilômetros de território armênio.
Para traçar esse corredor, a Turquia quer receber a aprovação do Irã, país com o qual disputa a hegemonia regional e que já deixou claro que se opõe a esse projeto.
O Irã compartilha 44 quilômetros de fronteira com a Armênia, com a qual mantém boas relações, em grande parte devido à grande minoria azeri que vive no explosivo norte da república islâmica.
A Rússia inclusive se mostrou disposta hoje a sediar uma reunião em Moscou entre Erdogan e Assad, que sempre acusou Ancara de ameaçar a integridade territorial síria.
Como no caso dos armênios, a moeda neste caso seriam os curdos e seu desejo de independência no norte do país árabe.
Além disso, o Irã mantém relações estreitas com o Tadjiquistão, com quem possui laços históricos e culturais.
Os confrontos ao longo dos quase mil quilômetros da fronteira Quirguistão-Tadjiquistão, dos quais menos da metade permanecem não demarcados, forçaram a evacuação de mais de 140.000 quirguizes, a maior da história desse país fronteiriço com a China.
A SOMBRA DE TAIWAN
Enquanto Putin tentava acalmar os ânimos na região, o mais explosivo dos convidados chegou ao barril de pólvora do Cáucaso: Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos.
Embora a visita tenha sido planejada há muito tempo, sua chegada no sábado coincidiu com o aumento das tensões na área, lembrando Moscou de sua recente viagem a Taiwan, que provocou disputas internacionais com a China.
Se o Kremlin tentou botar panos quentes, Pelosi condenou abertamente "os ataques mortais do Azerbaijão ao território da Armênia".
O governo armênio apreciou a posição "clara" dos Estados Unidos sobre o conflito, enquanto o do Azerbaijão tachou as declarações de Pelosi de "injustas" e "inaceitáveis".
Na mesma linha, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, ligou para Aliyev no domingo para pedir um cessar-fogo permanente com a Armênia, que inclui a retirada de tropas da fronteira.
Os Estados Unidos, que tiveram que fechar todas as suas bases militares na Ásia Central devido à pressão de Rússia e China, estão tentando aproveitar qualquer sinal de fraqueza para retornar à área após sua desastrosa retirada do Afeganistão.
À linha vermelha do fornecimento de armas pesadas de longo alcance para a Ucrânia se somaria outro cenário perigoso, a interferência dos EUA no quintal russo.
O Azerbaijão sempre nadou entre duas águas, mas, após os recentes contratempos, a Armênia pode reconsiderar sua política externa e reduzir sua dependência quase total do Kremlin. EFE
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