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Celso de Mello: Discurso contra ordens judiciais 'jamais será de um estadista'

Ueslei Marcelino/Reuters
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

16/06/2020 18h04Atualizada em 16/06/2020 18h10

O ministro Celso de Mello, decano do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou hoje considerar "inconcebível" haver no Estado quem diga que vai desrespeitar ordens judiciais, destacando que esse discurso jamais será de um estadista. A fala vem um dia após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ter dito que as Forças Armadas não aceitarão "um julgamento político para destituir um presidente democraticamente eleito".

"É inconcebível e surpreendente, senhora presidente, que ainda subsista, na intimidade do aparelho de Estado, um inaceitável resíduo autoritário que insiste, de modo atrevido, em dizer que poderá desrespeitar o cumprimento de ordens judiciais, independentemente de valer-se, do sistema recursal previsto pela legislação processual!", disse Celso de Mello, se dirigindo à presidente da 2ª Turma do STF, Cármen Lúcia.

"Esse discurso jamais será de um estadista, pois estadistas respeitam a ordem democrática e submetem-se, incondicionalmente, ao império da Constituição e das leis da República!", completou.

Ontem, Bolsonaro praticamente repetiu o teor de uma nota divulgada na noite de sexta-feira (12). "Nós, militares das Forças Armadas, e eu também sou militar, somos os verdadeiros responsáveis pela democracia em nosso País", disse o presidente em entrevista à rádio e TV BandNews.

"Nós jamais cumpriríamos ordens absurdas, mas também jamais aceitaríamos um julgamento político para destituir um presidente democraticamente eleito", acrescentou Bolsonaro.

Essa declaração, assim como a nota de sexta — que foi assinada também pelo vice-presidente Hamilton Mourão e pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva —, vem em meio ao julgamento pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) das primeiras duas ações contra a chapa Bolsonaro-Mourão, vitoriosa em 2018.

Sem citar nominalmente Bolsonaro, Celso de Mello disse ser preciso "resistir com as armas legítimas da Constituição e das leis da República". "Sem juízes independentes, senhora presidente e senhores ministros, jamais haverá cidadãos livres", destacou.

Celso de Mello é o relator do inquérito que investiga se o presidente cometeu crime ao tentar mudar o comando da Polícia Federal, conforme acusação feita pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Ele é um dos principais alvos das críticas de Bolsonaro e apoiadores.

Atentado às instituições

Em fala antes do decano, Cármen Lúcia expressou preocupação sobre o atual cenário político. Ela criticou quem não se preocupa com a convivência democrática e fez, indiretamente, um desagravo após o prédio do STF ter sido alvo de um ataque com fogos de artifício na noite do sábado (13).

"Atentados contra instituições, contra juízes e contra cidadãos que pensam diferentes voltam-se contra todos, contra o país. A nós cabe manter a tranquilidade, mas principalmente a coragem e a dignidade de continuar a honrar a Constituição, cumprindo a obrigação que nos é expressamente imposta de guardá-la para garantir a sua aplicação a todos e por todos", disse.

Para Cármen Lúcia, a Constituição não é um artifício e direitos não são de menor importância, mas sim conquistas.

"Que não se cogite que uma ação de uns poucos conduzirá resultado diferente do que é a convivência democrática. Que não se cogite que se instalará algum temor ou fraqueza nos integrantes da magistratura brasileira. Tribunal é presente, está presente", reforçou.

O ministro Edson Fachin disse subscrever "por inteiro" as palavras de Cármen Lúcia e disse que há a "necessidade imprescindível de sair da crise sem sair da democracia".