Esquerda pode chegar pela primeira vez ao poder na Colômbia em eleição presidencial acirrada
O esquerdista Gustavo Petro, aliado de Lula, enfrenta o "Trump colombiano", Rodolfo Hernández, numa disputa acirrada, voto a voto. Os colombianos vão às urnas neste domingo (19) para uma mudança inédita, que pode criar um novo modelo de governo sem os partidos tradicionais e, se a esquerda vencer, um novo modelo econômico.
O esquerdista Gustavo Petro, aliado de Lula, enfrenta o "Trump colombiano", Rodolfo Hernández, numa disputa acirrada, voto a voto. Os colombianos vão às urnas neste domingo (19) para uma mudança inédita, que pode criar um novo modelo de governo sem os partidos tradicionais e, se a esquerda vencer, um novo modelo econômico.
Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
"Será a primeira vez que, na Colômbia, acontece uma verdadeira alternância política, sem a participação dos partidos hegemônicos que, historicamente, sempre governaram o país. O sistema político tradicional não permitia que forças alternativas chegassem ao poder. Isso muda agora", disse à RFI Jorge Cuervo, analista político e pesquisador da Universidade Externado da Colômbia.
A eventual vitória do ex-guerrilheiro e ex-prefeito de Bogotá (2012-2015), Gustavo Petro, de 62 anos, levaria a esquerda à Presidência pela primeira vez no país. A vitória de Lula no Brasil, há 20 anos, inaugurou a era dos governos de esquerda na região, exceto na Colômbia.
"A Colômbia ficou de fora dessa onda. Aqui, ser um político de esquerda, era facilmente associado à guerrilha. Muitos pensavam que a eleição de um candidato de esquerda seria a forma como as guerrilhas tomariam o poder. Foi só depois do acordo de paz com as FARC que um candidato de esquerda conseguiu se livrar desse estigma", explica Jorge Cuervo.
Acordo de paz com as FARC
O acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, firmado em 2016, paradoxalmente, abriu a possibilidade para a esquerda chegar ao poder pela via democrática, depois de 52 anos de luta armada.
No entanto, um desconhecido "azarão" emergiu de forma surpreendente, deslocando a centro-direita tradicional com um discurso, sem papas na língua, de combate à corrupção e à "velha política": Rodolfo Hernández, ex-prefeito de Bucaramanga (2016-2019), uma cidade de médio porte no Nordeste do país, perto da fronteira com a Venezuela.
Hernández, um populista conservador, de 77 anos, tirou de Gustavo Petro a possibilidade de se apresentar como um representante da mudança, estratégia baseada em um eventual um segundo turno contra um representante da direita tradicional.
O discurso de Rodolfo Hernández lembra o de Jair Bolsonaro na campanha de 2018, mas o engenheiro colombiano vem do campo empresarial, onde fez fortuna ao construir moradias populares.
"Rodolfo Hernández é um empresário que critica o crescimento do Estado e os privilégios da política. Usa uma linguagem simples, vulgar e machista, com forte apelo popular. Não tem uma construção ideológica nem parece compreender o que está em jogo na Colômbia: um processo de fim de um conflito armado, a reinstitucionalização do país, a insatisfação social com grandes manifestações populares", adverte Cuervo.
E o Congresso?
Carlos Sepúlveda, reitor da Faculdade de Economia da Universidade do Rosario na Colômbia, explica à RFI que todas as reformas e mudanças radicais precisarão passar pelo Congresso, controlado pelas forças tradicionais.
"Há um alto grau de incerteza sobre os dois candidatos em relação aos seus compromissos do ponto de vista econômico, mas nenhum dos dois vai chegar com um mandato absoluto. O país está fragmentado e precisarão conseguir grandes acordos nacionais. Quem ganhar terá dificuldades de impor uma agenda e precisará conseguir consensos", avalia Carlos Sepúlveda.
As pesquisas de intenção de voto indicam um empate técnico. Nas últimas três semanas, desde o primeiro turno em 29 de maio, as sondagens apontam para um cenário de empate, alternando Gustavo Petro e Rodolfo Hernández na liderança.
A pesquisa da consultora Invamer, publicada há uma semana atrás, aponta Hernández como vencedor com 48,2% dos votos, apenas 1 ponto a mais do que Gustavo Petro.
Num país onde o voto não é obrigatório, Gustavo Petro ganhou no primeiro turno com 40,3% dos votos enquanto Rodolfo Hernández ficou com 28,1%.
O empate técnico neste segundo turno indica que a maioria dos eleitores tradicionais da direita optaram por Hernández não por ele, mas por rejeição à esquerda. "O sucesso de Rodolfo Hernández é que ele não é Petro. É mais o voto anti-Petro que pró-Hernández. É um voto conservador de centro-direita", observa Jorge Cuervo.
Sem debate e clima de eleições
A campanha eleitoral na Colômbia, neste segundo turno, não ganhou as ruas, mas foi acirrada nas redes sociais. Rodolfo Hernández, apesar dos 77 anos, foi muito ativo nas redes, mas se nega a participar dos debates. Ele alega que o formato não permite desenvolver as ideias e argumenta que os debates são um show de ataques pessoais.
Muitos na verdade acreditam que isso não passa de uma desculpa de um candidato sem propostas ou argumentos para defender as suas ideias. Rodolfo Hernández não fez comícios e chegou a denunciar que tinha informação de que queriam matá-lo a facadas.
Na quarta-feira (15), o Tribunal Superior de Bogotá ordenou que os dois candidatos debatessem pelo menos uma vez antes do pleito. No dia seguinte, Rodolfo Hernández disse que acataria a liminar, mas colocou uma série de condições, como os assuntos a serem debatidos, quem apresentaria o debate e onde ele seria transmitido. A equipe de campanha de Gustavo Petro considera que essas são artimanhas para ganhar tempo evitar o confronto.
Principais propostas
Gustavo Petro defende um novo modelo econômico calcado no social, no meio-ambiente, e que defenda a paridade de gênero. As reformas que propõem não visam diminuir o gasto público ou o tamanho do Estado. Pelo contrário, apontam para um maior gasto com Saúde, Educação e aposentadorias. Para isso, propõe uma reforma tributária que arrecade mais dos ricos.
Petro também promove o meio-ambiente com alternativas energéticas e contra o modelo extrativista de petróleo, justamente o que mais dinheiro gera para a Colômbia.
Já Rodolfo Hernández é uma incógnita. Ninguém sabe bem o que pretende. O seu discurso de campanha gira em torno do combate à corrupção e da austeridade no Estado, cortando gastos e privilégios como embaixadas, motoristas, assessores e voos com o avião presidencial.
O sucesso do discurso contra a corrupção de Hernández forçou Petro a ser criativo: propôs a criação de uma "comissão internacional de investigadores judiciais".
"O que diferencia os candidatos é que Petro mostra que quer avançar com reformas estruturais, com consequências que serão avaliadas pelo mercado. Hernández foca na administração da eficiência do Estado", interpreta Carlos Sepúlveda. "O candidato Petro defende uma reforma previdenciária que, do ponto de vista fiscal a longo prazo, gera preocupações. Nas últimas semanas moderou o discurso, incorporando responsabilidade fiscal. Os mercados vão observar de perto as reformas estruturais que Petro promete fazer", sublinha o economista.
Os dois candidatos concordam com a despenalização do aborto, a legalização da maconha e o restabelecimento das relações com a Venezuela.
"Petro teria relações com Venezuela por razões político-ideológicas; Hernández, por razões mais econômicas, pragmáticas e de fronteira. A diferença é que Rodolfo Hernández restabelecerá relações com a Venezuela mas deve continuar a reconhecer Juan Guaidó como presidente interino. Petro não deverá reconhecer mais Guaidó como presidente interino. Essa é uma diferença importante", compara o analista Jorge Cuervo.
Paralelismos com o Brasil
Os perfis e as visões dos dois candidatos colombianos permitem um paralelismo com a disputa eleitoral polarizada no Brasil. De um lado, Gustavo Petro é um aliado declarado de Lula, quem já lhe declarou apoio. Rodolfo Hernández não menciona Bolsonaro, mas o presidente brasileiro teria um fácil alinhamento com Hernández. Em comum com Bolsonaro, o discurso conservador em comportamento, contra a "velha política" e contra a corrupção.
Em determinado momento, Bolsonaro precisou negociar com a 'velha política' para poder governar. Segundo o analista Jorge Cuervo, Rodolfo Hernández deve passar pela mesma experiência. Sem representantes no Congresso, vai precisar da política tradicional para garantir a governabilidade.
"Se Rodolfo Hernández ganhar, vai terminar alinhado com Bolsonaro. Um triunfo de Petro serve para Lula apontar que com Gabriel Boric (Chile) e Petro pode-se começar a reconstruir uma aliança progressista na região. Se Hernández ganhar, essa retórica da segunda onda de esquerda não poderá ser usada", conclui Jorge Cuervo.
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