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Prioridade do Brasil, acordo sobre agricultura fracassa na OMC
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Resumo da notícia
- Depois de 20 meses de negociação, OMC conclui acordo esvaziado para suspender patentes de vacinas contra covid-19
- Entidade, ainda assim, comemora acordos em pesca, comércio eletrônico e na reforma da instituição
A OMC (Organização Mundial do Comércio) concluiu na madrugada desta sexta-feira sua primeira reunião ministerial em cinco anos. Mas apesar de chegar a um acordo parcial sobre vacinas e pesca, governos não conseguiram se entender sobre o futuro do comércio agrícola, uma das principais prioridades do Brasil.
O centro do debate era a capacidade de países de manter estoques de alimentos. Numa tentativa de frear uma proposta da Índia que ameaçava as exportações brasileiras, o Itamaraty propôs um acordo permanente para permitir que países mais pobres e importadores de alimentos pudessem manter e criar estoques de grãos e outros produtos, mas sem que isso significasse medidas protecionistas ou distorções do comércio.
O temor do Brasil e de outros países exportadores de commodities era de que, sem regras claras, manobras diplomáticas por parte de Índia e outros governos acabassem criando uma concorrência desleal para os produtos nacionais no mercado internacional.
O debate sobre os estoques de alimentos já vinha deixando governos em lados opostos da mesa. Mas, com a guerra na Ucrânia e o desabastecimento de vários setores, o temor das entidades internacionais é de que a crise alimentar possa se espalhar pelo mundo e afetar, acima de tudo, a população mais pobre.
Um dos principais problemas, porém, se refere ao que é visto por países exportadores de alimentos como uma tentativa da Índia de se aproveitar da crise para conseguir uma espécie de cheque em branco para poder subsidiar sua agricultura, usando os estoques como maneira de repassar os recursos.
Hoje, os indianos subsidiam sua produção em 70 bilhões de dólares, um dos maiores volumes do mundo. Mas insistem que a OMC precisa ampliar a capacidade de países em desenvolvimento para formar seus próprios estoques.
Para o Brasil, porém, um entendimento precisava ser estabelecido. De um lado, os países importadores de alimentos precisam ter garantias de que tais estoques podem ser feitos e a segurança alimentar precisa estar garantida. Mas desde que condições sejam preenchidas para impedir que haja uma manobra por parte dos governos.
Um dos critérios propostos pelo Brasil era o de que tais programas de estoques fossem usados exclusivamente para garantir a segurança alimentar de um país. Os estoques não podem distorcer o mercado e nem afetar segurança alimentar de outro país. Pela proposta do Brasil, os estoques não podem ser revertidos em exportação e tampouco usados como ração animal.
Para a delegação brasileira, políticas de apoio de preços é a que mais distorce os mercados. Para o Itamaraty, quando compras governamentais são realizadas para se formar estoques de alimentos, tais políticas não podem ocorrer sem que haja uma verificação.
O governo brasileiro conseguiu ainda costurar uma espécie de desmonte da rede de apoio dos indianos. Nos bastidores, negociadores brasileiros explicaram aos africanos que a proposta da Índia representaria uma ameaça à sua produção, e não um caminho para combater a fome.
A estratégia funcionou e, em parte, o apoio africano aos indianos foi moderado. Também houve uma mobilização de governos latino-americanos, além de um apoio dos EUA e de outros países exportadores de bens agrícolas.
Mas o projeto brasileiro não foi aceito pela Índia, que insistia que a única solução para a questão dos estoques era o seu próprio plano, rejeitado pelos demais.
Sem conseguir um entendimento, o capítulo sobre os subsídios acabou não sendo incluído no pacote final de acordos anunciados nas primeiras horas da manhã de sexta-feira. Mas, na visão de alguns dos países exportadores, pelo menos se evitou que a proposta indiana prosperasse.
Países estabelecem pacto para lidar com crise alimentar
Se o setor de subsídios fracassou diante do impasse, governos fecharam outros acordos que permitiram que a cúpula da OMC declarasse que a entidade entrava em um novo ciclo. O risco de um colapso da instituição, para muitos, foi evitado com um entendimento sobre comércio eletrônico e vacinas, além de um compromisso para reformar a instituição.
Num esforço de transformar a reunião em um êxito de relações públicas, a diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala chamou o resultado de "sem precedentes".
Um dos pactos foi ainda um compromisso para tentar garantir o abastecimento de alimentos nos países mais pobres. Na Organização Mundial do Comércio, os países concordaram em não implementar barreiras de exportação para bens agrícolas que tenham, como destino, os programas humanitários.
Desde a eclosão da inflação e da guerra na Ucrânia, o temor de um desabastecimento levou governo produtores de grãos e outros bens a impedir que seus agricultores pudessem exportar sua safra. O objetivo seria o de garantir preços domésticos mais baixos.
Mas a medida é considerada como perigosa para o abastecimento global e, se proliferada, poderia levar uma distorção dos preços internacionais. O resultado, segundo analistas, seria o aumento ainda maior dos preços de alimentos.
O compromisso fechado foi de que nenhum governo implementará barreira para a exportação de grãos que tenham o Programa Mundial de Alimentação como destino.
OMC fecha acordo esvaziado sobre patentes de vacinas; entidades criticam
A OMC também comemorou um acordo para flexibilizar as patentes de vacinas contra a covid-19. Mas com duras exigências e regras, entidades de saúde alertam que o protocolo dificilmente conseguirá ser implementado.
Desde meados de 2020, Índia e África do Sul pressionavam para que patentes de vacinas, tratamentos e diagnósticos para produtos relacionados com o combate à covid-19 fossem suspensas. O impacto, segundo eles, seria a possibilidade de que versões genéricas dos produtos pudessem ser fabricadas em várias partes do mundo.
Mas os europeus se recusaram a aceitar a proposta, insistindo em manter a propriedade intelectual sobre os produtos. Brasil e EUA também adotaram a mesma postura inicialmente, mas acabaram aceitando e promovendo a ideia de certas flexibilizações.
15 milhões de mortos depois e centenas de horas de negociações mais tarde, os governos finalmente chegaram a um acordo. Mas, para conseguir um equilíbrio entre as exigências dos países, o entendimento fechado reduziu a ambição do projeto inicial.
O acordo se limita às patentes de vacinas, sem falar de tratamentos ou diagnósticos. Além disso, apenas países que exportem menos de 10% de suas doses podem recorrer a uma quebra de patentes.
Entidades como Médicos Sem Fronteira e especialistas denunciaram o acordo como sendo insuficiente e longe da proposta inicial apoiada por mais de cem países. O temor é de que o projeto jamais consiga ser implementado e que, na prática, não sirva para aumentar o abastecimento de vacinas no mundo.
Durante o auge da covid-19, a falta de doses nos países em desenvolvimento escancarou um mundo desigual e o controle da tecnologia apenas por um punhado de grandes economias.
"Dito de forma simples, isso é um embuste tecnocrático destinado a salvar reputações, não vidas", disse Max Lawson, presidente da Aliança de Vacinas do Povo.
Christos Christou, presidente internacional de MSF, não disfarçou suas críticas. "Estamos desapontados com o resultado inadequado da renúncia à propriedade intelectual dos instrumentos médicos da COVID-19, que resultou de mais de 20 meses de deliberações", disse.
"Reconhecemos que foram feitas algumas alterações ao acordo que mitigaram alguns dos elementos mais preocupantes do texto anterior apresentado em maio de 2022, mas de um modo geral, estamos desapontados com o fato de uma verdadeira renúncia à propriedade intelectual não ter podido ser acordada, mesmo durante uma pandemia que custou a vida a mais de 15 milhões de pessoas", disse.
Segundo ele, o acordo não oferece uma solução "eficaz e significativa" para ajudar a aumentar o acesso das pessoas aos instrumentos médicos necessários durante a pandemia, uma vez que não renuncia adequadamente à propriedade intelectual sobre todos os instrumentos médicos essenciais da COVID-19, e não se aplica a todos os países.
"As medidas delineadas na decisão não abordarão os monopólios farmacêuticos nem assegurarão o acesso a instrumentos médicos que salvam vidas e criarão um precedente negativo para futuras crises sanitárias globais e pandemias", afirmou.
Segundo a entidade, apesar dos elevados compromissos políticos e palavras de solidariedade, tem sido desencorajador ver que os países ricos não conseguiram resolver as gritantes desigualdades no acesso às ferramentas médicas para salvar vidas de pessoas em países de baixo e médio rendimento.
Já a representante Comercial dos Estados Unidos, Katherine Tai, optou por comemorar. Segundo ela, o acordo pode "facilitar uma recuperação global da saúde". "Através de discussões difíceis e prolongadas, os países conseguiram ultrapassar as diferenças e alcançar um resultado concreto e significativo para obter vacinas mais seguras e eficazes para aqueles que mais necessitam".
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