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Como o histórico Tratado de Proteção do Alto-Mar vai preservar quase metade da superfície da Terra

Um passo histórico para a proteção dos oceanos foi dado em meio à Assembleia Geral da ONU, na semana passada: a assinatura do Tratado de Proteção do Alto-Mar, por 81 países. O número ainda é distante do total de 195 nações reconhecidas pela ONU, mas engloba potências como a China, Estados Unidos e a União Europeia.

Apesar de representar quase metade da superfície do planeta, ou dois terços dos oceanos, o alto-mar é uma área que não pertence a ninguém, por estar de fora de qualquer legislação internacional de proteção. Tratam-se das águas além de 370 quilômetros da costa dos países, portanto depois das jurisdições marítimas nacionais, conforme estabelecido pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982.

O novo tratado foi negociado por quase 20 anos e finalizado em março, com a aprovação de 100 países. Em junho, as Nações Unidas formalizaram o documento, que agora começa a ser assinado pelos governos, mas ainda precisa ser ratificado por pelo menos 60 signatários para entrar em vigor.

O processo pode necessitar a aprovação pelos Parlamentos nacionais. A expectativa de ambientalistas e da ONU é que o acordo seja adotado a partir de 2025.

"O fato de ter sido finalizado esse processo de negociação é uma grande vitória. A gente tem que estar muito esperançoso porque hoje temos um acordo, temos princípios, instrumentos e caminhos para percorrer e melhorar a condição do oceano e a relação do oceano com a sociedade", celebra o biólogo Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da USP, que acompanha o processo há anos.

O texto visa garantir a proteção da vida nos oceanos e a exploração sustentável dos seus recursos, por meio de medidas como o maior controle da sobrepesca (ou pesca excessiva) e da poluição, em especial por plásticos e produtos tóxicos - que além de atingirem a biodiversidade marinha, ainda têm parado no corpo humano pela alimentação.

Legalmente vinculativo

O tratado sobre a conservação e uso sustentável da diversidade biológica marinha tem caráter juridicamente vinculativo, ou seja, aqueles que o ratificarem terão a obrigação legal de cumpri-lo. O documento prevê uma série de avanços importantes, a começar pela criação de zonas marinhas protegidas nas águas internacionais. A definição de quais serão essas áreas, entretanto, deve ocorrer apenas na próxima Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, na França, em 2025.

Atualmente, apenas 1,2% do alto-mar é beneficiado por medidas de conservação. Este aspecto é considerado essencial para o cumprimento do objetivo de proteger 30% das terras e oceanos do planeta até 2030, acertado na COP15 da Biodiversidade, em dezembro passado, por unanimidade das nações.

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Além de abrigar uma biodiversidade ainda não totalmente conhecida, a proteção dos oceanos é parte fundamental do combate às mudanças climáticas, ao fornecer metade do oxigênio da atmosfera e absorver 90% do excesso de calor gerado pelas emissões de CO2 gerado pelas atividades humanas, que causam o aquecimento global.

O texto também introduz a obrigação de avaliações de impacto ambiental das atividades em alto-mar, mas elas não foram especificadas no documento. No alvo, estão principalmente a mineração em águas profundas e o trânsito de navios cargueiros e pesqueiros, que prejudicam as migrações de animais como baleias, golfinhos, tartarugas e peixes.

Atuação do Brasil

O Brasil foi um dos países que mais atuou pelo acordo. "O Brasil vem tendo um papel de liderança razoavelmente consistente de conservação da natureza. Obviamente, o país tem muitos problemas institucionais e financeiros, que dificultam uma melhora sistêmica da condição do oceano. Mas é fundamental que, dentro desses esforços, a gente considere o papel que o Brasil tem principalmente no Atlântico Sul - tanto científico quanto empresarial -, na zona de cooperação e paz no Atlântico Sul", destaca o professor da USP. "É um instrumento diplomático na década de 1980 e que, entre outros aspectos, como a manutenção da paz, também venha a dialogar com as discussões ambientais", observa.

Cada Estado ficará responsável pela atuação nas áreas em que tem jurisdição - inclusive no alto-mar, como no caso dos barcos com bandeira do país. Mas nenhuma punição é prevista em caso de descumprimento, a exemplo dos acordos sobre o clima. "É aí a gente tem o papel muito importante da sociedade, de pressionar para que os países assinem, ratifiquem e depois cumpram", frisa Turra.

O tratado estabelece, ainda, regras para a exploração dos recursos genéticos marinhos e o princípio de partilha dos seus benefícios. Este aspecto era defendido pelos países em desenvolvimento e gerou oposição dos países ricos até os últimos instantes das negociações, em março.

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Os recursos genéticos são objeto de pesquisas principalmente pelas indústrias farmacêutica e cosmética, em busca de produtos inovadores. Por serem caras, as expedições costumam ser bancadas por empresas ou organismos de países ricos. As modalidades dessa partilha dos royalties também serão determinadas na próxima Conferência dos Oceanos.

"Como a gente entende que essa área deve beneficiar a humanidade, é fundamental que esses recursos sejam compartilhados de uma forma mais equitativa. É como se fosse uma nova corrida pelo ouro, com um desequilíbrio muito grande que precisa ser corrigido. É isso que o tratado pretende garantir", afirma o pesquisador.

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