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Ex-carnívoros: como os pandas conseguem sobreviver comendo apenas bambu?

Panda é uma espécie que desistiu de comer carne há milhões de anos - Getty images
Panda é uma espécie que desistiu de comer carne há milhões de anos Imagem: Getty images

Do UOL, em São Paulo

01/04/2023 04h00

Pandas são bem peculiares. Razoavelmente grandes e rechonchudos, podem ultrapassar os 150 quilos quando adultos. E chegam a esse peso alimentando-se basicamente de brotos de bambu, dieta mais adequada a herbívoros, como bois e vacas.

Os pandas possuem estômago com apenas um compartimento, e intestino mais curto, como os carnívoros que deveriam ser. Estudiosos já se debruçaram sobre este desinteresse da espécie pela caça. A causa seria genética: pandas teriam uma versão inativa do gene Tas1r1, que permite identificar o sabor umami, gosto do paladar que nos faz apreciar carnes.

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Panda: ausência de gene pode justificar desinteresse por comer carne
Imagem: Reprodução/Facebook

Ex-carnívoros

Nem sempre eles foram assim. Este gene teria parado de funcionar há aproximadamente 4,2 milhões de anos, o que significa que, no passado, os pandas já apreciaram um bom filé. Desta época, guardaram como lembrança um sistema digestivo moldado para absorver carnes.

Os pesquisadores ainda não sabem por que razão estes animais trocaram a caça por bambus. Uma das hipóteses tem a ver com mudanças ambientais, que teriam levado à extinção suas presas naturais.

Um estudo publicado em 2014 no periódico "Functional Ecology" relata o malabarismo que os pandas precisam fazer para obter todos os nutrientes de que necessitam. Cientistas acompanharam três machos e três fêmeas nas montanhas de Quinling, na China, ao longo de seis anos, e analisaram as quantidades de nitrogênio, fósforo e cálcio que absorviam dos bambus - esses três nutrientes são essenciais para a sobrevivência dos mamíferos.

Existem duas espécies de bambu em Quinling: o madeira e o flecha, que crescem em diferentes altitudes e épocas do ano. O rastreamento dos pandas mostrou que, durante a época de acasalamento, na primavera, eles consomem os bambus-madeira, ricos em nitrogênio e fósforo.

Já em meados de junho, os brotos passam a oferecer menos nutrientes, então os animais migram para as partes mais altas das montanhas, onde encontram os bambus-flecha. Essa espécie é pobre em cálcio, o que obriga os bichos a buscarem folhas jovens, que apresentam boas quantidades do nutriente.

A alimentação dos pandas explica por que essas criaturas têm hábitos diferentes de outras espécies. Para se manter, eles consomem uma diária de 20 a 40 quilos de bambu, o que faz com que passem o dia mastigando. Provavelmente por isso, eles não hibernam como seus primos carnívoros, que conseguem acumular energia suficiente para sustentá-los no período de sono prolongado.

O processo de reprodução também teve que se adaptar à dieta leve dos pandas - seus embriões permanecem no útero e só depois de um tempo começam a se desenvolver. Apesar das adaptações, os pandas têm um período de gestação mais curto - de dois ou três meses - em comparação com outros animais, como os ursos, por exemplo, cujos filhotes levam um semestre para nascer. Os pandas também são bem menores: pesam apenas 130 gramas ao nascer, enquanto seus parentes são três vezes maiores.

A preferência por bambus deixa os pandas mais vulneráveis ao frio. Com os nutrientes mais escassos no inverno, a taxa de mortalidade desses animais é mais alta nesta época do ano. Registros de Qinling mostram que, nas últimas três décadas, mais da metade dos casos de morte e doença entre pandas ocorreu nos meses mais frios.

Fonte: Carla Maris Machado Bittar, professora do departamento de zootecnia da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz).