Morte de influenciador expõe adoecimento mental nas redes sociais
Rodrigo Amendoim, influenciador digital baiano, aos 24 anos, foi mais uma vítima da combinação nociva entre adoecimento mental e redes sociais.
Os transtornos psíquicos, como a depressão, avançam na mesma rapidez e abrangência com as quais as plataformas digitais impõem sua presença nas relações humanas.
A fama e os ganhos financeiros não conseguem suprir direitos fundamentais à cidadania, não garantem o respeito e nem completam ausências de afetos e da autoestima moldada pelo racismo e pelo desprezo pela pobreza.
Amendoim gravou vídeos se dizendo cansado das ofensas
O jovem foi encontrado morto em seu apartamento na cidade de Lauro de Freitas, região metropolitana de Salvador, no último sábado (28). O caso foi registrado como suicídio e está sendo investigado pela Polícia Civil da Bahia.
Relatos dos amigos narram carências afetivas de Amendoim e sua dificuldade em lidar com as ofensas que recebia nos comentários de seus vídeos de humor, em meio aos muitos elogios e aplausos dos seus mais de 1,5 milhão de seguidores.
Em vídeos publicados, Mendo, como também era conhecido, compartilhou seu cansaço diante daqueles que não torciam pelas suas conquistas: de vendedor de amendoim a divulgador de marcas famosas, o que garantiu a aquisição de bens e acesso a espaços requisitados.
As postagens de jovens influenciadores da periferia, com carros de luxo, imóveis, joias e viagens, significam para muitos que os acompanham a realização da tão sonhada entrada na sociedade do consumo, em outros tantos desperta inveja e frustração diante da ostentação daquilo que lhe é tão distante.
São percepções ilusórias, que não garantem a esses jovens a compensação por tantas outras ausências, em especial, a cidadania e o respeito de um país que maltrata pobres, pretos, moradores das periferias.
Frantz Fanon analisou a busca do homem negro por ser aceito
O tempo inteiro julgados por tentarem participar de espaços que não os esperam, que não aceitam as suas presenças, esses jovens precisam provar incessantemente que são merecedores das vitórias.
O desafio, em primeiro lugar, é enfrentar o amor-próprio e a autoestima deteriorados por abandonos, rejeições e violências sociais.
Também é difícil o convencimento do seu próprio público que, parecido com ele, em corpos e trajetórias, não conseguem aceitar a imagem projetada no espelho, já que sempre soube que pessoas como eles não podem vencer.
Os traumas causados pelo racismo e pelo colonialismo na autoimagem e na autopercepção das pessoas negras, em especial no homem negro, foi analisado com rigor científico e empírico pelo psiquiatra e filósofo da Martinica Frantz Fanon (1925-1961).
Em obras como "Pele Negra, Máscaras Brancas", de 1952, Fanon demonstra como, na sociedade estruturada pelo racismo colonial, a autoestima do homem negro é determinada pelo olhar de desaprovação do branco.
Quando me amam, dizem que é apesar da cor da minha pele. Quando me detestam, se justificam dizendo que não é pela cor da pele. Em uma ou outra situação, sou prisioneiro de um círculo infernal
Frantz Fanon em "Pele Negra, Máscaras Brancas"
Diante de um empreendimento colonial de animalização e infantilização, mesmo no esforço de fazer uso de máscaras brancas, a aceitação social não virá para os corpos de pele negra. Assim, o homem negro vive o tormento de tentar ser, ao menos, um homem, já que sua humanidade é negada pelo racismo.
Podemos associar também à Síndrome de Cirilo, que li pela primeira vez em um texto de Mabia Barros, do Blogueiras Negras, relacionando as atitudes do personagem da novela infantil à postura do homem negro que absorve a imposição de inferioridade e se ressente por não ser igual ao seu rival.
O resultado é a revolta, o auto-ódio, a violência como resposta e o desprezo pela própria vida.
Ofensas violentas nas redes sociais agravam transtornos mentais
A capacidade de fazer rir, o jeito sincero de falar das suas frustrações amorosas, o compartilhamento do seu dia a dia de lutas e conquistas e a felicidade em viver a experiência de ser pai de um bebê de apenas nove meses não foram suficientes para humanizar a vida de Amendoim, que não foi poupada das ofensas e dos comentários levianos de quem não tem compromisso algum com os sentimentos do outro.
Com tranquilidade e consciências limpas, os frequentadores dessas redes sociais, estimulados à interação pela rapidez dos cliques, lançam graves acusações e violências motivadas por preconceitos arraigados e antes reprimidos no convívio social.
O escritor italiano Umberto Eco (1932-2016), que explorou em seu último romance, "Número Zero", os perigos do sensacionalismo, da desinformação e da manipulação da verdade, condenou a forma como a internet promoveu os "idiotas da aldeia" a portadores da verdade.
As redes sociais dão o direito à palavra a uma legião de imbecis que antes falavam apenas em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade
Umberto Eco
No tribunal das redes sociais, todos são convidados a exercer o papel atroz de julgadores e executores das sentenças determinadas pela fúria coletiva em punir quem ousa se expor.
Em caso de corpos negros, a punição é ainda mais violenta, na proporção da ousadia em se impor, contrariando a lógica racista do apagamento e da submissão.
As plataformas digitais passaram a integrar a complexa rede de manutenção das estruturas de poder racial, que determina quais cidadãos merecem viver gozando de direitos e reconhecimento das suas capacidades e aqueles que devem ser eliminados.
Se já não bastasse o genocídio em curso eficientemente executado pelo Estado em suas políticas de mortes pelo aparato policial. Se já não havia espaços seguros para a circulação de corpos negros no cotidiano social das ruas; se as imagens projetadas nos ambientes de poder simbólico das mídias tradicionais e da estrutura escolar, com suas narrativas que falam sobre o negro pela lógica racista desumanizadora.
Tudo isso agora potencializado pela abrangência, rapidez e alcance ilimitado das redes.
O ambiente digital é tão doentio que, após o trágico acontecimento com Amendoim, os seguidores passaram a destilar seu rancor de forma irresponsável contra os amigos do influenciador.
Com ainda mais agressividade, o também baiano Cristian Bell está sendo cobrado por não ter impedido a morte do amigo, criticado por fazer vídeos expondo seu sofrimento pela perda do parceiro e ainda questionado por tornar público que destinaria apoio financeiro para os familiares providenciarem o sepultamento.
Parem de dizer que a culpa foi minha, vocês querem me adoecer. Eu era o pai de Mendo, eu perdi um filho. Estou despedaçado
Cristian Bell, em desabafado, chorando
Mas até a veracidade das suas lágrimas foi colocada em dúvida por "perseguidores" que destilam o ódio.
É urgente olharmos com atenção para o drama social do adoecimento mental. Precisamos do interesse público, do engajamento coletivo, da responsabilização governamental e familiar e de espaços de acolhimento que não sejam as redes sociais digitais.
Não podemos perder mais nenhum jovem em sua potência criativa para a violência deste ambiente de agravamento das dores psíquicas pela superexposição.
Procure ajuda profissional
Se você está passando por um momento difícil ou se percebeu em alguém próximo a intenção do suicídio, procure o Centro de Valorização da Vida, o atendimento é realizado pelo telefone 188 (24 horas por dia e sem custo de ligação), ou pelo site cvv.org.br/
Outra opção é procurar, em sua cidade, o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) -- estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS) composta de equipes multidisciplinares que fazem o atendimento a pessoas com problemas de saúde mental.
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