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Balaio do Kotscho

Balaio chega aos 12 anos no ar, mas hoje não tem clima pra festa

O velho prédio da alameda Barão de Limeira, em São Paulo, lar da Folha, do UOL, e de muitas histórias deste repórter que vos escreve - Webysther
O velho prédio da alameda Barão de Limeira, em São Paulo, lar da Folha, do UOL, e de muitas histórias deste repórter que vos escreve Imagem: Webysther

Colunista do UOL

12/09/2020 15h09

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Que dia é hoje?

Esta semana, num dos meus grupos de zap-zap, o velho amigo Frei Betto escreveu: "Bom domingo a todos".

Só que ainda era quarta-feira... Acontece.

Nestes mais de seis meses de confinamento por conta da pandemia, a gente perde mesmo a noção de tempo. Todos os dias parecem iguais.

As notícias são sempre as mesmas, só varia a previsão do tempo.

Não faz diferença se é fim de semana ou feriado, a gente esquece até dos aniversários e dos dias marcantes das nossas vidas.

Minha rotina é sempre a mesma: tomar café, ler o jornal e abrir o computador, almoçar, voltar para o computador, ver um futebol, jantar e dormir.

Ontem, só à noite, vendo as imagens da explosão das Torres Gêmeas e da morte de Allende, me dei conta de que era 11 de setembro, o dia de 2008 em que este Balaio estreou na internet no IG de Nizan Guanaes.

Eu estava em Fernando de Noronha, comemorando meus primeiros 60 anos, quando recebi a ligação do diretor Caio Túlio Costa, que foi meu chefe na Folha, me convidando para escrever um blog, algo que nunca imaginei fazer na vida.

Com breves passagens pela televisão, a vida inteira fui repórter de jornais e revistas. Sou do tempo do papel.

Como o salário era bom, resolvi arriscar, e assim comecei minha segunda vida profissional, sem ter a menor ideia do que faria para publicar todos os dias, de domingo a domingo, um texto jornalístico capaz de interessar aos internautas.

Sem chefe e sem pauta, pela primeira vez na vida, podia escrever sobre o que quisesse, sem limite de espaço.

Era tanta liberdade que fiquei até zonzo, como se tivesse entrado num túnel do tempo e encontrado um novo mundo desconhecido à minha frente, livre para ser desbravado.

A maior diferença que senti foi a imediata reação dos leitores, mandando dezenas, centenas de comentários, o dia todo, nesta grande arena eletrônica, em que todos são emissores e receptores de informações e opiniões, ao mesmo tempo.

Na época, a concorrência era pequena. Poucos jornalistas migravam da velha para a nova mídia, que ainda era uma grande novidade no mercado e ninguém sabia no que aquilo ia dar. Lembro-me do blog do Ricardo Noblat, que deve ter sido o pioneiro

Tive uma pequena experiência anterior no site No Mínimo, criado por uma turma de amigos do antigo Jornal do Brasil, mas era uma colaboração esporádica, quando eu tinha acabado de sair do governo Lula, e ainda não sabia o que iria fazer na vida, além de escrever um livro de memórias a convite do Luiz Schwarcz, para a Companhia das Letras ("Do Golpe ao Planalto - Uma vida de repórter", 2006).

Já havia um clima de Fla-Flu nas redes, mas era entre petistas e tucanos, ninguém chamava o outro de fascista ou comunista, não se ameaçava matar ninguém.

A Guerra Fria, que agora voltou, já tinha acabado havia muitos anos.

Quando o Balaio ia completar seu primeiro 11 de setembro no ar, alguns leitores mais fiéis resolveram fazer uma festa, e me convidaram.

Quem organizou foram o Enio Barroso Filho e a Aliz Castro, não vou me esquecer deles. Foi um encontro muito agradável.

Ainda era possível juntar as torcidas do Flamengo e do Fluminense no mesmo bar. Vinha gente de outras cidades e até de outros Estados.

A comemoração se repetiria nos anos seguintes, mas hoje seria impossível reunir os leitores do Balaio, ou de qualquer outro blog jornalístico, com a intolerância que tomou conta das redes sociais, desde a eleição de 2014, que foi um divisor de águas na internet e na política brasileira, quando adversários se tornaram inimigos.

Não há mais clima pra fazer festa num país onde já morreram mais de 130 mil pessoas e temos mais de 4,3 milhões de contaminados pelo coronavírus.

Num rápido sobrevoo sobre o que aconteceu no Balaio nestes 12 anos, o momento mais difícil foi em 2018.

De um dia para outro, sem aviso prévio, a Record me tirou da tomada no R7 e na TV, e o Balaio ficou por alguns dias perdido no espaço, até que minha filha Mariana Kotscho criou um blog independente no Facebook. Sou muito agradecido a ela por não ter deixado o Balaio morrer.

O melhor momento foi quando me convidaram para voltar à Barão de Limeira, 425, onde ficam as redações da Folha e do UOL, o endereço onde fui mais feliz nesta minha carreira de 56 anos, completados em maio, no meio da pandemia.

Tudo faz muito tempo, costumo dizer.

Estou falando muito de mim hoje porque o blog é um jornal diário pessoal, sonho de todo repórter.

Se eu não falo desses 12 anos de Balaio, quem vai falar?

É isso que me mantém vivo, ligado ao mundo. Não tem nada melhor para um vagabundo como eu, que não se formou em nenhuma faculdade, um contador de histórias do cotidiano, agora em qualquer plataforma.

Preciso dizer a vocês que hoje estou muito feliz. Amanhã será outro dia. Dias melhores virão.

Li agora na coluna do Mário Sergio Conti, na Folha _ "Os lírios da vala" _ o trecho de uma carta que Millôr Fernandes escreveu para Ivan Lessa, em Londres, quando a redação do Pasquim foi em cana, em 1970:

"A vida não vai acabar já, esses putos não vão durar para sempre, muito embora já estejam durando demais pro meu gosto".

É o que temos para hoje.

Vida que segue.