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Governo federal quase zera orçamento para 2023 de obras em áreas de risco
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O ano de 2022 foi marcado por tragédias após chuvas e também por apelos por obras de gestores públicos e especialistas. Mas, mesmo diante do cenário de 457 mortes somente nos cinco primeiros meses deste ano, 2023 terá o menor orçamento federal para obras de encostas e de prevenção: a previsão é 95% menor.
A coluna comparou o valor previsto ano a ano para a rubrica de "Apoio a Execução de Projetos e Obras de Contenção de Encostas em Áreas Urbanas". A verba proposta pelo MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional) para o próximo ano é de apenas R$ 2,7 milhões, a menor para esse tipo de obra desde a criação da rubrica, em 2012.
Em 2012, ano em que mais se colocaram recursos para apoiar obras, o valor autorizado de gastos foi de R$ 997 milhões (corrigidos para junho de 2022 pelo IPCA, considerada a inflação oficial).
Para 2022, o governo colocou R$ 53,9 milhões no orçamento com essa mesma rubrica, o que representa um corte de 94,9%. Desse total, R$ 37 milhões já foram empenhados.
Os dados foram levantados pela coluna no sistema Siga, do Senado Federal, que tem como base o Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal). No caso de 2023, o valor proposto consta no PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) do MDR, enviado ao Congresso.
Somente até maio deste ano, 457 pessoas morreram em enxurradas, deslizamentos e outros desastres decorrentes das chuvas no país, o que representa 26% do total registrado nos últimos dez anos, segundo dados da CNM (Confederação Nacional de Municípios). Entre 2013 e maio de 2022, foram 1.756 mortes.
As duas maiores tragédias causaram grande comoção até fora do país: em fevereiro, Petrópolis (RJ) teve um saldo de 233 mortes por conta de deslizamentos. Em maio, as chuvas levaram a deslizamentos de barreiras no Grande Recife e deixaram ao menos 100 mortos.
No caso do Recife, o TCU (Tribunal de Contas da União) alertou o governo federal, em 2020, que o atraso no repasse de verbas ao projeto de contenção de encostas deixaria milhares de pessoas vivendo em áreas de alto risco. Naquela época, as obras já se arrastavam havia oito anos. O cronograma dos trabalhos havia sido estipulado em 2012, mas não houve repasses regulares.
Outro corte
Além do corte na rubrica de obras para encostas, outra redução chamou a atenção do MPF (Ministério Público Federal) do Rio Grande do Norte: a de "apoio a obras emergenciais de mitigação para redução de desastres", que prevê no orçamento para 2023 apenas R$ 25 mil.
Era por meio desse recurso que o governo poderia fazer uma obra e evitar a queda de falésias na praia de Pipa (Tibau do Sul), como a que resultou na morte de um casal e o filho de sete meses, em 17 de novembro de 2020.
Uma investigação sobre o caso foi comandada pelo procurador da República Daniel Fontenele, que cobrou das autoridades a elaboração de um projeto de construção do sistema de escoamento das águas das chuvas.
A prefeitura estimou um custo aproximado de R$ 5,5 milhões para evitar acidentes do tipo. O município, porém, alega incapacidade financeira para executar o projeto.
Em documento publicado na semana passada, o MPF aponta que o governo federal não prever verba para obras desse tipo em 2023 é uma "alarmante insuficiência de recursos", que "viola diretamente a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, que tem como prioridade as ações preventivas".
Procurado, o Ministério de Desenvolvimento Regional informou apenas "que as necessidades de recurso para o orçamento de 2023 foram formalmente encaminhadas pela pasta ao Ministério da Economia, que poderá melhor se manifestar com o valor final que consta no Projeto de Lei Orçamentária Anual 2023 encaminhado ao Congresso Nacional".
Já o Ministério da Economia explicou que são as pastas "que promovem sua divisão interna". "Assim, não compete à Secretaria de Orçamento Federal definir a distribuição do referencial monetário internamente dentro de um ministério ou definir o que é mais ou menos prioritário."
Faltam obras e prevenção
Segundo José Guilherme Schutzer, consultor da diretoria de Trabalho Técnico Social e Ambiental da Diagonal (uma empresa de consultoria de gestão socioambiental), o país tem se acostumado a assistir tragédias pelas chuvas sem uma reação à altura.
"No clima brasileiro, especialmente na região da costa, sabemos que vão vir as grandes tempestades. E elas são cada vez mais comuns: se antes eram mais espaçadas, agora estão mais concentradas. Essa torrencialidade causa efeitos danosos", diz ele, que é professor de urbanismo e desenho da paisagem da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da USP (Universidade de São Paulo).
A gente só não sabe dizer onde e quando, mas sabe que as tempestades vão ocorrer. É um pouco de tragédia anunciada que a gente vem vivendo."
Guilherme Schutzer, da USP
Ele avalia que as enxurradas preocupam por poderem causar enchentes nos fundos dos vales e deslizamento de encostas.
"Obras de drenagem preventiva seriam fundamentais. Mas, se você não faz um acompanhamento antes da chuva, não consegue. Tem de preparar o terreno nos meses sem chuva, montando e ao mesmo tempo fazendo um trabalho de educação ambiental", afirma.
Schutzer explica ainda que existem fatores cotidianos que podem adicionar fatores de risco, como a falta de drenagem na encosta.
"Uma enxurrada vai descendo as ladeiras, as vielas, e a água vai encontrando caminhos. Se você não controla o caminho, ela vai se infiltrando, causando erosão e um risco aumentado", diz, citando que nem sempre são necessárias obras muito caras.
Você pode construir calhas, uma escada hidráulica, uma canaleta direcionando essa água, lombadas para a água não empoçar. São obras mais baratas e simples do que um muro de arrimo, por exemplo, e que têm bom impacto."
Guilherme Schutzer, da USP
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