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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Contato com garimpo levou doenças, álcool e abusos sexuais aos yanomamis

Garimpo no  rio Uraricoera, Terra Indígena Yanomami, em janeiro de 2022  - Relatório Yanomami sob ataque
Garimpo no rio Uraricoera, Terra Indígena Yanomami, em janeiro de 2022 Imagem: Relatório Yanomami sob ataque

Colunista do UOL

28/01/2023 04h00

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A invasão de garimpeiros à Terra Indígena Yanomami mudou a vida e cultura dos indígenas, que passaram a conviver com doenças e problemas herdados do contato forçado dos criminosos com os povos.

O território foi sendo invadido desde os anos 1980 e hoje tem 20 mil garimpeiros (o equivalente a 66% da população indígena, estimada em 30 mil).

Os garimpeiros cooptam indígenas, que passam a ter problemas com álcool, drogas, prostituição. Alguns deixam de produzir seus próprios roçados para servir a eles. Ao mesmo tempo, o garimpo destrói os recursos ambientais.
Alisson Marugal, procurador da República em Roraima

Segundo ele, investigações mostram que o garimpo ficou totalmente sem controle nos últimos três anos e chegou ao lado de comunidades.

Para Marugal, a presença próxima dos garimpeiros causa até risco de extermínio de comunidades. Isso será um dos pontos que a Polícia Federal vai investigar por suspeita de genocídio.

A comunidade de Aracaçá está ao lado de um garimpo e passa por um processo gradativo de extinção. Eles eram 40 há poucos anos, hoje são 25 que enfrentam problemas como alcoolismo e mulheres exploradas sexualmente.
Alisson Marugal, procurador da República

A comunidade citada é a mesma onde houve uma denúncia de estupro e morte de uma menina de 12 anos, que segundo relatos dos indígenas teria tido o corpo jogado no rio.

Garimpo ilegal dentro da terra indígena Yanomami, em Roraima, em 2020 - Chico Batata - 2020/Greenpeace - Chico Batata - 2020/Greenpeace
Garimpo ilegal dentro da terra indígena Yanomami, em Roraima, em 2020
Imagem: Chico Batata - 2020/Greenpeace

Hoje na Casai (Casa de Saúde Indígena), que recebe indígenas de comunidades para tratamento em Boa Vista, é comum jovens chegarem com ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis), uma das "heranças" do garimpo.

"No mês passado foram 22 casos de gonorreia, entre homens e mulheres. Alguém [homem branco] passou, e isso foi se disseminando", cita um profissional da saúde que pediu para não ser identificado.

Pessoas com problemas de alcoolismo também são comuns e se tornaram um problema social das comunidades. "Os que chegam, notamos que eles bebem muito; e alguns ficam agressivos", conta.

Entre os atendimentos, eles fazem revelações. "Eles contam que os garimpeiros oferecem armas em troca por ouro. Na cultura yanomami, o ouro não serve de nada."

Malocas de indígenas em isolamento voluntário dentro do território yanomami - FUNAI - FUNAI
Malocas de indígenas em isolamento voluntário dentro do território yanomami
Imagem: FUNAI

A situação dos yanomamis está sendo acompanhada de perto pela ONU (Organização das Nações Unidas).

Segundo Igo Martini, oficial de projetos para a Resposta Humanitária em Roraima e no Amazonas da Unfpa (Fundo de População das Nações Unidas), há relatos de garimpeiros que invadem comunidades com ameaças.

"Isso é de conhecimento de todas as autoridades, e eles andam fortemente armados. Com isso, intimidam essas pessoas e aí surgem situações de abuso e exploração sexual", relata.

São mulheres e meninas as mais afetadas em crises humanitárias. Muitas famílias deixaram de cultivar e fazer suas caça e pesca, o que as tornam dependentes dos garimpeiros. Temos relatos que eles dão comida em troca de sexo com adolescentes e mulheres.
Igo Martini, da ONU

Onde fica a terra Yanomami - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Diante do cenário caótico atual, a Unfpa fez visitas a Casai e doou testes de gravidez, kits de parto limpo. Também passam informações para orientar as mulheres sobre o que são abuso e exploração sexual.

Muitas pessoas, pelas condições atuais, fazem sexo por sobrevivência na Terra Yanomami. A ONU entende isso como violação de direitos humanos gravíssima.
Igo Martini, da ONU

Segundo o relatório "Yanomami sob ataque", em 2021 havia 273 comunidades, onde vivem mais de 16 mil pessoas (56% da população local), com invasão do garimpo. Dessas, 110 são diretamente afetadas impactadas por meio biofísico, entre eles:

  • Desmatamento
  • Destruição de habitat
  • Contaminação da água e dos solos
  • Destruição do curso natural do rios Assoreamento

À medida que os núcleos garimpeiros ilegais se proliferam e crescem nas diferentes regiões, as comunidades vizinhas sentem a perda do controle sobre o seu espaço de vida. Isto porque a insegurança os dissuade de circular pela região, seja em razão de ameaças explícitas de garimpeiros contra suas vidas, seja em razão da simples presença hostil de não-indígenas.
Relatório "Yanomami sob ataque"

O pesquisador João Nackle Urt, professor do curso de Relações Internacionais da UFRR (Universidade Federal de Roraima), lembra que, até a década de 1980, os indígenas yanomamis eram conhecidos como "um povo de abundância".

"O médico Marcos Pellegrini, que atuou lá no começo dos anos 1980, conta que no tempo que viveu que eles não conheciam fome, nem doença. isso não existia lá antes do garimpo", diz.

11.nov.1975 - Grupo de indígenas Yanomami caminha pela rodovia BR-210, a Perimetral Norte - Bruce Albert/Acervo ISA - Bruce Albert/Acervo ISA
11.nov.1975 - Grupo de indígenas yanomamis caminha pela rodovia BR-210, a Perimetral Norte
Imagem: Bruce Albert/Acervo ISA

Ele diz que a realidade muda com a chegada da atividade ilegal, que começou por acabar com a pesca.

E eles continuam a viver no meio dos garimpeiros, que em geral são pessoas brutas, que causam todo tipo de violência e colocam armas, tabaco e drogas na mão de jovens. Sem contar que eles avançam, tomam áreas dos postos e impedem o acesso da saúde."
João Nackle Urt, professor da UFRR