Garimpo ilegal põe em risco ao menos 13 mil indígenas mundurukus e kayapós
A destruição, a fome e a crise sanitária provocadas pelo garimpo ilegal, que assolam os yanomamis, atingem pelo menos outros 13.161 indígenas que vivem em cinco territórios do Pará e do Amazonas. Os povos kayapó, munduruku e yanomami são, respectivamente, os mais impactados pela exploração ilegal de ouro, de acordo com monitoramento realizado pelo Mapbiomas.
Organizações que atuam na região acreditam que o número total de impactados pela atividade ilegal pode ser muito superior. "Toda população indígena é, em alguma medida, afetada pela atividade porque se tratam de impactos de ordem sistêmica, que transbordam os territórios", diz Luísa Molina, antropóloga do ISA (Instituto Socioambiental).
Pessoas que moram nos municípios em que as terras indígenas estão localizadas são atingidas pelo garimpo, por exemplo, com a ingestão de peixes contaminados pelo mercúrio."
Luísa Molina, antropóloga do ISA
De acordo com dados da plataforma Terras Indígenas do Brasil, do ISA, as regiões afetadas pelo garimpo ilegal são:
- Terra Indígena Munduruku: com 6.518 pessoas;
- Terra Indígena Sai Cinza: 1.739 pessoas;
- Terra Indígena Kayapó: 4.548 pessoas;
- Terra Indígena Baú: 188 pessoas;
- Terra Indígena Sawré Muybu: 168 pessoas.
No fim de semana, o governo federal anunciou uma ação emergencial na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, incluindo uma força-tarefa com servidores do SUS. Ontem, a PF abriu inquérito para investigar possível crime de genocídio.
Procurado, o Ministério dos Povos Indígenas informou que encaminhou ao governo federal um "mesmo plano de ação de retirada de invasores", que inclui territórios indígenas em Rondônia, no Maranhão e no Pará. A pasta alega, no entanto, que "devido à grave crise humanitária e sanitária enfrentada na TIY [Yanomami], esta é a prioridade no momento".
Garimpo x assistência nas terras indígenas
Dados do Mapbiomas mostram que a prática do garimpo ilegal nos três territórios indígenas —Kayapó, Munduruku e Yanomami— explodiu nos últimos anos.
- Entre 2010 e 2020, a área de garimpos em terras indígenas cresceu 495%.
- Há três anos, 9,3% das áreas de garimpo já estavam localizadas dentro de áreas indígenas no Brasil.
Em 2021, o território Kayapó concentrava 11.542 hectares de garimpo ilegal. Em segundo lugar, a terra Mundukuru, com 4.743 hectares; em terceiro, a Yanomami, com 1.044 hectares.
De acordo com a antropóloga do ISA, esse aumento se deve, sobretudo, ao alinhamento político do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com a atividade. "Nos últimos quatro anos, houve um empoderamento dos garimpeiros enquanto categoria. Vi naquela região pessoas falando que a proteção aos povos indígenas havia acabado", diz Molina.
No fim de semana, Bolsonaro rebateu críticas em seu canal no Telegram —disse que, entre 2020 e 2022, foram realizadas 20 ações de saúde em territórios indígenas. "Os cuidados com a saúde indígena são uma das prioridades do governo federal. De 2019 a novembro de 2022, o Ministério da Saúde prestou mais de 53 milhões de atendimentos de Atenção Básica aos povos tradicionais, conforme dados do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena do SUS, o SasiSUS", publicou.
Mercúrio, doenças infecciosas e outros problemas de saúde
Os povos munduruku e kayapó sofrem com a exposição ao mercúrio, usado para facilitar a extração do ouro, por meio da alimentação baseada no consumo de peixes contaminados. "Essa contaminação afeta gerações", diz a antropóloga.
O coordenador regional do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), que atua com povos munduruku no Pará e no Amapá, Haroldo Pinto do Espírito Santo, afirma que mulheres gestantes da comunidade têm se queixado de problemas decorrentes da contaminação, que afeta a fertilidade e pode deixar sequelas em bebês.
Isso ameaça o futuro do nosso povo."
Haroldo Pinto do Espírito Santo, coordenador do Cimi
Assim como a terra Yanomami, esses territórios também são impactados pela disseminação da malária. "Os garimpeiros criam bacias de água parada para separar o ouro e esses lugares viram criadouros de mosquito da dengue e de outras doenças infecciosas", afirma Luísa.
Entre crianças mundukurus, segundo o coordenador regional do Cimi, doenças de pele, diarreia e vômitos são constantes.
"Observamos doenças de pele e coceiras entre as crianças que brincam às margens do rio Fresco, que atravessa a terra Kayapó", afirma padre Pascal, que trabalha com esse povo desde 2015.
Uma das diferenças em relação ao cenário denunciado em terras Yanomami é que os postos de saúde no território Kayapó não pararam de funcionar. "Os enfermeiros visitam os povos nas aldeias e, talvez, por isso a situação não tenha se tornado de calamidade pública."
Sem água e sem comida
Segundo o coordenador regional do Cimi que trabalha com o povo munduruku, a crise humanitária e sanitária dos yanomamis ainda não provocou mudanças em outros territórios indígenas. "Eles estarão ameaçados se não forem tomadas as providências."
De acordo com ele, a solução passa pela interrupção do garimpo no território. "Estamos pensando em soluções como a criação de peixes e fornecimento de alimentos. Os mundurukus vivem da floresta, a terra é mãe e pai desses povos."
Com o garimpo, "os rios são assoreados e os peixes morrem", diz Luísa, do ISA. A antropóloga relata ainda que o barulho constante gerado pelo maquinário afasta animais de caça que servem para a alimentação dos indígenas.
Onda de criminalidade e violência
Molina, do ISA, ressalta que o garimpo é uma atividade promovida por uma rede de atores que não se restringe aos operadores das máquinas nos territórios. "Quem realmente lucra com ela está longe das terras indígenas", diz.
Há organizações criminosas por trás do garimpo ilegal. São elas que viabilizam as altíssimas despesas com logística, maquinário e fornecimento de insumos."
As entidades citam outros fatores que também contribuíram com o aumento do garimpo nos territórios indígenas:
- O aumento do preço do ouro no mercado internacional;
- A falta de transparência na cadeia produtiva do ouro;
- A fragilização de políticas ambientais e da proteção a direitos de povos indígenas;
- A crise econômica que impõe condições de precariedade aos trabalhadores;
- Inovações tecnológicas nos equipamentos de extração dos metais.
Há ainda uma epidemia de violência que se espalha pelo Norte do país —sobretudo em municípios marcados pelo garimpo. Dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que a Amazônia tem 10 das 30 cidades mais violentas do país.
"Alguns indígenas acabam facilmente aliciados por garimpeiros e essa cooptação facilita a entrada nos territórios", afirma a antropóloga.
Na comunidade Kayapó, padre Pascal diz que há um conflito entre lideranças que defendem a preservação de terras e indígenas cooptados por garimpeiros.
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