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Josmar Jozino

PCC usou dois doleiros para lavar R$ 64 milhões do tráfico em oito meses

Notebook apreendido mostrava detalhes do dinheiro que seria lavado pelo PCC -  Vinicius Ramalh Tupinamba/iStock
Notebook apreendido mostrava detalhes do dinheiro que seria lavado pelo PCC Imagem: Vinicius Ramalh Tupinamba/iStock

Colunista do UOL

18/10/2020 08h38

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Investigações feitas pelo Ministério Público do Estado de São Paulo mostram que um dos braços financeiros do PCC (Primeiro Comando da Capital) usou dois doleiros para lavar R$ 50 milhões e US$ 3,7 milhões (o que daria R$ 14 milhões na época) provenientes do tráfico de drogas nos primeiros oito meses de 2018.

Só foi possível apurar a lavagem de dinheiro até o dia 8 de agosto de 2018 porque foi nessa data que um contador da facção criminosa acabou preso em São Miguel Paulista, na zona leste da capital, portando um notebook contendo detalhadas planilhas. Ele entrou no PCC no início daquele ano.

A partir das análises e das perícias realizadas no notebook apreendido, os investigadores identificaram 21 pessoas suspeitas de envolvimento no branqueamento de capitais e na ocultação de bens e valores do PCC.

Os nomes dos suspeitos foram divulgados pelo Ministério Público durante a deflagração da Operação Sharks (tubarões em inglês), no dia 14 de setembro deste ano. Segundo a instituição, eles fazem parte do mais novo organograma do grupo criminoso.

Oito deles já estavam presos e integram o alto escalão do PCC. Alguns permanecem recolhidos na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (SP) e outros em presídios federais. Dois investigados foram capturados no dia da deflagração da operação.

Outros dois morreram em tiroteios com policiais militares. Os nove restantes continuam foragidos. Entre os fugitivos, dois constam na lista dos criminosos mais procurados do Brasil divulgada em janeiro deste ano pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Nomes de países

O Ministério Público apurou que, para dificultar a possível identificação, os acusados só se comunicavam usando apelidos com os nomes de países. Os líderes do esquema utilizavam iPhone de última geração e mantinham uma rede restrita. Apenas a liderança tinha acesso aos contatos e mensagens.

E foi justamente a partir da prisão de "Alemanha", codinome do contador preso em agosto de 2018 na zona leste, que o Ministério Público passou a descobrir todo o esquema de lavagem de dinheiro desse braço financeiro do PCC.

Alemanha mantinha contatos com os parceiros de codinomes Argentina, Espanha, Equador, Dinamarca e Bulgária, entre outros. Chechênia era a única mulher do grupo e foi presa. Segundo o MP, ela se encarregava de adquirir os telefones celulares para os líderes da rede restrita.

Máquina de contar dinheiro

No notebook encontrado com Alemanha havia planilhas coloridas com dados detalhados de milionárias movimentações financeiras. O volume de dinheiro era tão alto que a facção criminosa comprou uma máquina de contar cédulas de reais e dólares.

Para esconder a grana, o PCC passou a alugar as chamadas casas-cofres. As residências tinham paredes com fundos falsos. A facção também contratava os transportadores de dinheiro. Eles eram chamados de "boys" pelos líderes do grupo. A função deles era levar o dinheiro para os doleiros.

Os "boys" não podiam ter antecedentes criminais. Um dos requisitos para ser contratado era ter CNH (Carteira Nacional de Habilitação). Eles só podiam transportar no máximo, por viagem, R$ 250 mil. Esse limite foi estabelecido para evitar grande prejuízo em caso de apreensão policial.

Os "boys" levaram em várias viagens os valores para os doleiros. No período, a divisão em reais foi feita da seguinte forma:

  • Janeiro: R$ 5,6 milhões
  • Fevereiro: R$ 1,4 milhão
  • Março: R$ 9,6 milhões
  • Abril: R$ 9,1 milhões
  • Maio: R$ 7,3 milhões
  • Junho: R$ 6,5 milhões
  • Julho: R$ 9,5 milhões
  • Agosto: R$ 1,8 milhão

A esses valores, ainda se somam os US$ 3,7 milhões coletados no mesmo período.

Além do notebook foram apreendidos com Alemanha vários telefones celulares. Nos aparelhos havia centenas de mensagens com os integrantes do braço financeiro do PCC.

Os equipamentos também foram periciados. O MP descobriu que os líderes do grupo compraram imóveis e montaram empresas em nomes de familiares, usados como "laranjas" para não serem identificados.

Segundo o Ministério Público, alguns dos investigados adquiriram casas de luxo e montaram empresas, transportadoras, salões de beleza e clínicas de estética em áreas nobres da capital e Grande São Paulo.

Um dos investigados, de codinome Argentina, é acusado pelo Ministério Público de ter imóveis em Alphaville, na região metropolitana de São Paulo, e restaurante e salão de beleza em Moema e apartamento no Morumbi, bairros ricos da capital. Argentina está foragido.

O parceiro dele, de codinome Dinamarca, também tem imóvel no Morumbi, segundo o MP. Bulgária é dono de um apartamento na Praia Grande, litoral sul de São Paulo. Já um dos foragidos cujo nome consta na lista dos mais procurados do Brasil é acusado pelo MP de ter adquirido três imóveis em Alphaville. Outro fugitivo é Angola, apontado como o chefe do PCC nas ruas.

No dia da deflagração da Operação Sharks nome usado em referência ao alvo de codinome Alemanha, que também tem apelido de Tubarão, foram cumpridos 40 mandados de buscas e apreensões.

As investigações sobre a lavagem de dinheiro do braço financeiro do PCC continuam em andamento. O processo corre em segredo de Justiça e, por isso, advogados dos acusados não quiseram se manifestar.

O Ministério Público acredita que os foragidos estejam escondidos no Paraguai ou Bolívia, países considerados pela instituição como "celeiros de criminosos brasileiros com extenso histórico de antecedentes".