Leonardo Sakamoto

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Opinião

Caixa ignora Lula e esconde que ajudou Bolsonaro a comprar voto de pobres

A Caixa foi cúmplice do governo Jair Bolsonaro em uma das mais bizarras ações de compra de votos que a democracia brasileira já presenciou: a liberação do empréstimo consignado para eleitores pobres que recebiam o Auxílio Brasil às vésperas da eleição. Agora, a Caixa sob a administração Lula tenta esconder os pecados da Caixa sob Bolsonaro, ignorando a orientação do petista sobre a Lei de Acesso à Informação.

A Controladoria-Geral da União (CGU) determinou que o banco garantisse acesso às informações sobre suspeitas de uso político do crédito consignado. O que a Caixa respondeu ao pedido do UOL: 17 páginas totalmente tarjadas ao melhor estilo da censura vigente na ditadura militar.

O que não contavam é que a repórter Amanda Rossi, que vem cobrindo diligentemente o tema, conseguisse o documento original que a atual direção do banco, que mantém dirigentes da gestão passada, não queria que o público soubesse.

Sua investigação, publicada neste segunda (7), mostra que os trechos censurados confirmam o uso político do empréstimo consignado para favorecer Jair através da compra de votos de eleitores com a corda no pescoço. E mostra que o mecanismo foi implementado sem planejamento e com a Caixa consciente de pendências que representavam riscos financeiros e jurídicos.

Não à toa, outros bancos não toparam se transformar em um imenso guichê para a compra de votos.

O documento censurado avalia que havia "risco imprevisível às instituições financeiras" e confirma que logo no primeiro mês em que as parcelas do consignado foram descontadas, ainda em 2022, o banco estatal teve uma "perda relevante". Até porque a preocupação do governo, naquele momento, era a distribuição de dinheiro, não a sua devolução.

Em outra reportagem da incansável Amanda Rossi, já havíamos ficado sabendo que a Caixa concedeu 99% de todo valor que liberou em empréstimo consignado do Auxilio Brasil exatamente durante o período eleitoral do ano passado. E muita gente acessou esse guichê: quase R$ 7,6 bilhões foram concedidos a 2,9 milhões de famílias nesse período pelo banco.

Depois, a fonte secou. Por quê? Porque não era mais preciso comprar voto de pobre.

O empréstimo consignado concedido a beneficiários do Auxílio Brasil foi a prova de que vale absolutamente tudo em uma eleição - inclusive endividar famílias miseráveis, oferecendo uma miragem em troca da redução dos recursos destinados a aplacar a sua fome. É o crime eleitoral com requintes de crueldade.

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Valendo-se da situação de desespero a que estavam submetidos milhões de brasileiros pobres por suas dívidas, o governo Bolsonaro ofereceu a eles a possibilidade de tomar um empréstimo a ser pago com uma parte da grana destinada à compra de um mínimo de comida.

Claro que a possibilidade foi aberta em um contexto eleitoral em que Bolsonaro, segundo as pesquisas, perdia de lavada para Lula entre famílias com renda de até dois salários mínimos.

O dinheiro que entrou gerou um alívio imediato. E a expectativa de Bolsonaro era que, aliviados, os mais pobres deixassem de votar em Lula e o escolhessem. Agora, quando as parcelas fazem falta no supermercado, é o "cada um por si e Deus acima de todos".

Com todos esses problemas, a Caixa chegou a suspender a concessão de novos empréstimos após recomendação do TCU na eleição. Mas voltou a oferecê-lo. Agora, as regras mudaram, reduzindo o valor que pode ser emprestado e limitando a 5% o comprometimento da parcela. Mas esses bilhões já emprestados armam uma bomba-relógio social que pode explodir. Ou criar prejuízo aos cofres públicos.

Explorar o desespero do naco mais pobre da população, oferecendo a possibilidade de trocar comida por amortização de dívida, demanda uma falta crônica de empatia por parte de quem formula, executa e lucra com a ideia. Pois isso não é dedução automática em salário, mas em benefício para garantir sobrevivência.

O caso entra na longa fila de razões para condenar Jair Bolsonaro.

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O ridículo extra dessa história é que a Caixa sob o governo Lula, que prometeu transparência total sobre as sacanagens da gestão Bolsonaro, censura as informações de interesse público provavelmente para proteger quem dentro da instituição atuou como cúmplice das sacanagens.

Em maio, o petista fez uma defesa contundente da Lei de Acesso à Informação. Segundo ele, a LAI "não permite que os dados e documentos que poderiam salvar vidas, ajudar os cidadãos e cidadãs a exercerem seus direitos fiquem trancados a sete chaves em alguma gaveta de órgão público".

Para ele, a transparência não permite que a máquina pública "morra pouco a pouco nas decisões tomadas a portas fechadas ou nas ações que ninguém tem a decência de explicar".

Que Lula não se esqueça de suas palavras e garanta que a Caixa tenha a decência de se explicar.

Em nota enviada à coluna após a sua publicação, a Caixa afirma que a presidente Maria Rita Serrano determinou uma auditoria interna para apurar o consignado. E que, ainda na época de conselheira eleita pelos empregados para o Conselho de Administração do banco, ela já criticava a operação. Apontou que o documento solicitado por Amanda Rossi vai ser enviado oficialmente ao UOL, que abrirá processo de investigação para apurar o descumprimento da orientação da CGU e que "os envolvidos em eventuais irregularidades serão devidamente responsabilizados".

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL