Após caos em Maceió, Braskem desiste da COP e gera suspeita de greenwashing
O cancelamento da participação da Braskem na COP28, a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), que ocorre em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, realçou as denúncias do chamado "greenwashing" na atual edição do encontro.
Lavagem verde, em tradução livre, greenwashing é a expressão para definir a iniciativa de empresas que patrocinam ou participam de eventos ligados ao meio ambiente com o objetivo de "limpar a barra" de sua associação com tragédias ambientais ou operações potencialmente danosas.
O objetivo seria só propagandístico: dar uma roupagem de preocupação com a natureza e a sustentabilidade como meio para amenizar ou neutralizar o desgaste público de imagem.
A ideia de divulgar um simulado de preocupação ambiental para camuflar operações deletérias ao meio ambiente não é nova. Na COP28, porém, esse tipo de prática ganhou contornos inéditos. A começar pelas suspeitas em torno do próprio anfitrião da conferência, país cuja economia foi quase que inteiramente construída com base na exportação de petróleo.
No Pavilhão Brasil da COP28, desconfianças desse tipo pairam, entre outras, sobre a Vale, a Petrobras e a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), todas elas inscritas como coordenadoras de painéis de debates ambientais.
Com grande leque problemas socioambientais, a Vale é a responsável pela tragédia em Brumadinho (MG), em 2019, rompimento de barragem de minério que provocou a morte de 270 pessoas, além de animais e destruição da vegetação ao redor.
A marca também está associada à tragédia da Samarco em Mariana (MG), quatro anos antes. O rompimento da chamada barragem do Fundão deixou 18 mortos e um desaparecido, e despejou toneladas de rejeitos de minério de ferro em mais de duas centenas de municípios e no rio Doce - o que provocou mortandade de diversas espécies de peixe até chegar ao mar. Vale e a anglo-australiana BHP Billiton são as principais acionistas da mineradora.
Na COP28, a Vale foi inscrita como coordenadora do painel "A relevância do setor empresarial brasileiro na transição energética".
Já a Petrobras, que tem longo histórico de acidentes com vazamentos de óleo e gás em diversos pontos do país e até de afundamento de uma plataforma no Oceano Atlântico, tenta contornar alertas de risco de pesquisadores e ambientalistas para abrir uma frente de prospecção de petróleo na costa do Amapá, estado coberto pela floresta amazônica.
Na hora de escolher um título para seu painel na COP28, os representantes da empresa optaram por uma formulação com tom triunfalista: "Do desafio à solução: Principais resultados e ações em curso para descarbonização do setor de O&G no Brasil e contribuições para o setor de transportes".
Já a CNA é a entidade que tradicionalmente lidera o esforço político de ruralistas pela flexibilização ou esvaziamento de normas ambientais. Uma atuação polivalente rica em resultados classificados como danosos por ambientalistas, como a desidratação do Código Florestal e o alargamento das possibilidades legais de uso de agrotóxicos. Na COP28, o painel sob sua coordenação versou sobre questão fundiária: "Regularização ambiental produtiva - o primeiro passo para a garantia da segurança alimentar".
Um caso chamou a atenção pela excentricidade. Impedida pela Justiça de comercializar ouro no Pará em razão da suspeita de envolvimento com garimpo ilegal, a empresa Fênix DTVM participou de painéis da COP28 sobre práticas sustentáveis de mineração e tecnologias de rastreabilidade.
Segundo investigação da Polícia Federal, a Fênix comprou mais de uma tonelada de minério com suspeita de origem ilegal, caso relatado em investigações da Repórter Brasil.
No Pavilhão Brasil da COP28, que vai até o dia 12 de dezembro, a Braskem constava como coordenadora de dois painéis temáticos. No dia 8 pela manhã, diretores da empresa falariam na mesa "O papel da indústria na economia circular do carbono". No dia 11 à tarde, a petroquímica coordenaria o debate "Impactos da mudança do clima e a necessidade de adaptação da indústria".
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Quero receberRepercussão negativa
No dia 29 de novembro, véspera do início da COP, diretores da Braskem se prepararam para falar em Dubai quando a Prefeitura de Maceió, a 10,5 mil quilômetros de distância dos Emirados Árabes, decretou estado de emergência na cidade por 180 dias. O motivo era a iminência do colapso de uma mina da petroquímica no bairro Mutange, à beira da lagoa Mundaú.
Pesquisadores alertam para os riscos da atividade mineradora na capital alagoana desde os anos 1980. O sinal de gravidade acionado pela Prefeitura foi só o mais recente capítulo daquele que já é considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil em área urbana. No dia do início da COP, o mapa de risco foi ampliado para o bairro Bom Parto, o que implicou em realocação de moradores.
A atividade exploratória da Braskem em Maceió remonta ao chamado Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) lançado em 1971, no auge da ditadura militar no Brasil. A região é rica em sal-gema, um insumo importante para a indústria química, matéria-prima encontrada a mais de um quilômetro de profundidade. Autorizada pelo governo estadual a fazer as escavações, a Salgema Indústria Química de Alagoas, que após fusões foi incorporada e rebatizada como Braskem, começou a operação na região em 1976.
Décadas de extração do produto sem os devidos estudos de impacto ambiental em 35 poços criaram galerias vazias no subterrâneo da cidade, formação que hoje coloca em risco o meio ambiente e a população local. Parte de Maceió pode ser simplesmente engolida em decorrência da movimentação de reacomodação da terra nos espaços subterrâneos não preenchidos.
Em razão do afundamento do solo e tremores constantes, ruas, casas e outras edificações sofreram rachaduras nos últimos anos e tiveram que ser abandonadas. Em 2018, quando os abalos ficaram evidentes, um levantamento contabilizou mais de 14 mil imóveis afetados em Mutange, que virou um bairro fantasma, e nos vizinhos Bebedouro, Bom Parto, Pinheiro e Farol.
Se a ideia dos diretores da Braskem era usar a participação da empresa na COP28 para melhorar a imagem pública da companhia, o resultado acabou sendo o oposto disso. O agravamento da crise em Maceió na mesma semana da conferência ampliou a repercussão negativa do episódio a tal ponto que a manutenção do painel em Dubai tornou-se insustentável.
A relação entre uma coisa e outra foi expressamente reconhecida pela própria empresa na nota em que anunciou o cancelamento de sua participação na conferência: "A Braskem está acompanhando a COP e todas as discussões sobre mudanças climáticas, uma vez que tem metas de redução de emissões de gases de efeito estufa e de crescimento com produtos mais sustentáveis, entre eles bioprodutos e produtos com conteúdo reciclado. Nos últimos dias, diante do agravamento da crise de Maceió, achou melhor cancelar sua participação em alguns painéis para evitar que o assunto sobrepujasse quaisquer outras discussões técnicas, dificultando eventuais contribuições que a empresa pudesse oferecer".
A crise respingou na Petrobras e na Novonor, a antiga Odebrecht, as duas principais acionistas da Braskem.
'É a economia'
Maior produtora de resinas termoplásticas do continente americano e maior produtora de polipropileno nos Estados Unidos, com cerca de 8 mil empregados em 40 unidades industriais, a Braskem pode ser considerada uma das maiores potências industriais do Brasil.
Em Alagoas, onde afirma gerar mais de 750 empregos diretos e 3,3 mil indiretos em duas operações (Maceió e Marechal Deodoro), a empresa lidera a cadeia da indústria plástico-química.
Além de melhorar a imagem pública da companhia, uma bem-sucedida operação de lavagem verde da Braskem poderia evitar ou ao menos minimizar o risco de perdas financeiras para seus acionistas. Conforme reportagem publicada pelo jornal Valor Econômico, o colapso da mina em Maceió pode atrapalhar a venda da petroquímica para a Empresa Nacional de Petróleo de Abu Dhabi, a Andoc, grupo árabe comandado pelo ministro e executivo Sultan Ahmed Al-Jaber.
Apesar de presidir uma petrolífera — ou justamente em razão disso — Al-Jaber foi a autoridade pública nomeada pelos Emirados Árabes para também presidir a atual edição da Conferência do Clima.
A Andoc fez uma oferta de pela participação de 38,3% da Novonor na Braskem, mas os bancos credores da antiga Odebrecht temem que o passivo ambiental da companhia aumente e produza dificuldade na negociação com os árabes, afirmou a publicação.
A petroquímica diz ter reservado R$ 14,4 bilhões para pagamento de indenizações e reparações pelo afundamento de bairros em Maceió. Uma conta que tende a subir. O governo local e o Ministério Público cobram o reconhecimento de novas áreas afetadas e a ampliação do montante provisionado.
O Senado Federal deverá instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a atuação e as responsabilidades da Braskem na tragédia de Maceió. A criação da comissão foi articulada pelo senador alagoano Renan Calheiros, do MDB.
Contaminação
Em consonância com a percepção de aumento de operações de greenwashing na COP, um levantamento apurado e divulgado pela coalizão Kick Big Polluters Out (KBPO) deu dimensão do que parece ser um novo padrão de comportamento do mundo corporativo/empresarial em eventos associados ao meio ambiente.
Segundo o estudo, a COP28 recebeu pelo menos 2.456 lobistas de combustíveis fósseis, personagens que representam algumas das empresas mais poluidoras do mundo. "Uma presença sem precedentes em negociações climáticas cruciais", anotou a entidade.
"Num ano em que as temperaturas globais e as emissões de gases com efeito de estufa bateram recordes, houve uma explosão de lobistas dos combustíveis fósseis a caminho das conversações da ONU, com quase quatro vezes mais do que aqueles que tiveram acesso no ano passado", afirmaram os autores do levantamento.
"Este aumento coincide com uma COP onde os combustíveis fósseis e a sua eliminação progressiva são um ponto focal."
O levantamento mostrou ainda que há mais lobistas de combustíveis fósseis com acesso à COP28 do que quase todas as delegações de países presentes ao evento.
O total de 2.456 nomes associados a combustíveis fósseis é superado apenas pelas 3.081 pessoas da comitiva brasileira, país que deverá sediar a COP30, em Belém, e pelo anfitrião Emirados Árabes Unidos, com 4.409 pessoas.