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Análise: ação da Rota foi eficiente, mas Doria e Bolsonaro erram ao elogiar

Leonardo Martins

Do UOL, em São Paulo

05/04/2019 04h00

Uma ação da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) após duas tentativas de roubo a caixas eletrônicos em Guararema, região metropolitana de São Paulo, deixou 11 suspeitos mortos e rendeu elogios do governador do Estado, João Doria (PSDB), e do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL).

Especialistas consultados pelo UOL avaliaram que a ação policial foi eficiente, apesar das mortes resultantes. No entanto, opinaram que as manifestações dos chefes do Executivo estadual e federal foram equivocadas e, de certa maneira, oportunistas.

O que disseram Doria e Bolsonaro?

À Rádio Bandeirantes, João Doria afirmou que homenageará os PMs que atuaram na operação em uma solenidade na sede do governo estadual. Declarou ainda que os agentes "colocaram no cemitério mais 10 bandidos". A entrevista foi dada antes da confirmação da 11ª morte.

"No próximo dia 10, no Palácio dos Bandeirantes, nós vamos homenagear esses policiais e outros que ao longo dos últimos 30 dias cumpriram a sua missão de defender os cidadãos de bem, defender o patrimônio privado e público, agindo contra bandidos", declarou o governador.

Bandidos que usam escopetas, fuzis e metralhadoras não saem para passear, saíram para assaltar e fazer vítimas. Estão de parabéns os policiais que agiram e colocaram no cemitério mais 10 bandidos
João Doria, governador de São Paulo

A 11ª morte foi confirmada momentos após a entrevista de Doria, que então foi ao Twitter para reforçar os parabéns aos policiais.

Durante a tarde, foi a vez de Jair Bolsonaro comentar a ação pelas redes sociais, afirmando que "11 bandidos foram mortos e nenhum inocente saiu ferido. Bom trabalho!".

Major Massera explica a ação dos criminosos em Guararema

Band Notí­cias

Ação eficiente, fala política

Para o coronel José Vicente da Silva, que já comandou a PM paulista e foi secretário nacional de Segurança Pública do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a ação policial foi eficiente, mas as falas de Doria e Bolsonaro têm intenções políticas e não condizem com a postura da PM.

"Quando há uma morte, a polícia deve tratar o assunto com muita sobriedade. Isso [a ocorrência] não é uma ação policial comum, é quase uma ação de guerra. É uma posição política que eles utilizam para falar com a população", disse.

O coronel afirmou ainda que participou de uma palestra na quarta-feira (3) com o atual comandante-geral da PM, coronel Marcelo Vieira Salles, e que o próprio líder da corporação teria reforçado "que a PM não pode perder o foco que ela tem de proteção de vidas, não-eliminação de vidas". A palestra ocorreu na véspera da ocorrência em Guararema.

Foi uma ação extremamente eficiente. Antes morte de bandidos do que policiais, mas o que eles [Doria e Bolsonaro] sugerem é uma declaração política. Isso não pode afetar as ações da Polícia Militar
coronel José Vicente da Silva

Ex-comandante da PM durante o governo Mário Covas (PSDB), o coronel Orlando Rodrigues Camargo Filho, concordou sobre a eficácia da operação e disse que os políticos poderiam ter se referido à ação de maneira diferente.

"Sob aspecto interno a PM é uma corporação que protege a dignidade humana. Eles tinham seus objetivos e usaram as palavras que acharam conveniente. É o exercício da política. Eu escolheria outras palavras, é meu perfil", afirmou.

Para o coronel, as falas de Doria e Bolsonaro não afetam o regimento interno da corporação. "Eu confio muito na nossa ética da Polícia Militar. Não é a frase do governador que vai mudar a conduta da PM."

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSDB) - Divulgação/Assessoria João Doria - Divulgação/Assessoria João Doria
O governador de São Paulo, João Doria, e o presidente da República, Jair Bolsonaro
Imagem: Divulgação/Assessoria João Doria

Legitimação da letalidade policial

Para Rafael Alcadipani, professor de gestão pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas), é factível que as mortes tenham acontecido devido ao armamento dos criminosos, mas as declarações de Doria e Bolsonaro não foram adequadas. "Era um conflito que poderia ter gerado vítimas que não estavam envolvidas."

Essa 'necropolítica' de celebrar a morte está longe de ser adequada. Uma coisa é a eficiência da ação, a outra é o presidente e o governador baterem palmas para as mortes
Rafael Alcadipani, professor de gestão pública da FGV

A diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, concorda e pontua duas questões para temer esse tipo de declaração dada pelos governantes.

"O primeiro ponto é uma autoridade pública celebrar a morte seja ela de quem for. Outro ponto é que ainda não há investigação que comprove a legalidade da ação", disse Bueno. "O resultado morte nessa ação é possível, mas não sabemos se essas mortes foram de fato necessárias".

Para a diretora-executiva, "quando você celebra a morte de alguém antes mesmo de avaliar se ele agiu dentro da lei, no fundo esta legitimando uma ação letal por parte dos maus policiais".