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Golpe democrático é tão paradoxal quanto um morto-vivo, diz premiê turco

Do UOL, em São Paulo

05/07/2013 09h16

"Não existe golpe democrático. (Conceber) isso é tão paradoxal quanto um morto-vivo", afirmou o premiê turco Recep Tayyip Erdogan, que condenou o golpe no país. "Haverá quem diga 'golpes são ruins, MAS... Isso (pensar assim) é errado."

"Todos os golpes, não importa onde e contra quem, são inumanos, maus e inimigos da democracia."

Segundo o político, a deposição do presidente eleito Mohamed Mursi serve como um "teste de sinceridade" para outros países supostamente alinhados com a democracia.

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"Estou surpreso com o Ocidente. Eles não podem dizer que é um golpe. O que aconteceu com seus ideias democráticos?" Instado a citar nomes, com exceção dos governos da Turquia e da Qatar, que "ajudaram financeiramente" o Egito, ninguém apoiou a permanência de Mursi no poder. O premiê também atacou a União Europeia (UE) por "permanecer indiferente" à crise no país.

Cenários distintos

Alvo de protestos em seu próprio país, Erdogan disse que não é possível comparar a crise no Egito com as recentes manifestações na Turquia.  Mas afirmou que nenhum golpe de Estado na Turquia beneficiou o país.

"Aqueles que apóiam o golpe no Egito deveriam ler a história turca. Cada golpe - não vou chamar de 'intervenção militar' - lançou a Turquia dez anos no passado", afirmou. Segundo ele, "se um governo comete erros, nós ainda temos a urna". 

Contexto das críticas

O contexto das declarações de Erdogan têm a ver com a crise política em seu próprio país. Há um mês, manifestantes ocuparam a praça Taksim, em Istambul, em protesto contra a decisão do governo de derrubar o lugar para a construção de um shopping. Rapidamente os protestos em Taksim passaram a pedir a renúncia do premiê, acusado de autoritarismo e de querer islamizar o país. 

Em resposta, Erdogan sempre disse que o caminho adequado para resolver o conflito é o da urna. Como concessão aos manifestantes, porém, o premiê aceitou aguardar a Justiça do país decidir sobre a legalidade da obra (a Justiça considerou a demolição irregular e a vetou).

A crise política no país praticamente minou as chances de a Turquia ser aceita como integrante da União Europeia.

Golpe no Egito

O Exército egípcio destituiu na quarta-feira (3) o presidente eleito do país, Mohamed Mursi. Segundo as Forças Armadas, ele não "atendeu as demandas da população". A Constituição do país foi suspensa e uma nova constituinte será convocada. O Exército nomeou o presidente da Corte Constitucional, Adly Mansour, como presidente interino.

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 A medida teve amplo apoio popular, embora haja grupos contrários à saída de Mursi do poder. Os opositores acusam Mursi, que ficou exatamente um ano do poder, de não promover as reformas necessárias para turbinar a economia e as condições de vida do país. Seus críticos também reclamam de diminuição dos direitos sob Mursi.

Mursi foi o primeiro presidente democraticamente eleito do Egito. Ele substituiu o ditador Hosni Mubarak, que governou o país por 20 anos, até ser deposto por revoltas populares em janeiro de 2011.

Sete pessoas foram mortas em confrontos com as forças de ordem em Marsa Matrouh e em Alexandria, na costa mediterrânea. Três opositores também morreram em combates contra militantes favoráveis a Mursi em Al-Minya (centro). Desde 26 de junho, 57 pessoas morreram, sendo dez na noite de quarta-feira em confrontos com as forças de segurança e nos choques entre partidários e opositores a Mursi.

O Ministério do Interior advertiu que responderá com firmeza aos distúrbios, e tanques foram mobilizados nas ruas do Cairo.

Um soldado egípcio morreu e outros dois ficaram feridos em ataques simultâneos de militantes islâmicos na manhã desta sexta-feira (5) contra postos da polícia e do Exército na região do Sinai.

Nos arredores da cidade de Al-Gura, no norte do Sinai, um ataque com foguetes e metralhadoras matou um soldado e feriu outros dois militares em um posto de controle.

Mursi detido por militares

Entre outras medidas contra a Irmandade Muçulmana, que chegou ao poder no ano passado após 30 anos de clandestinidade, o Exército colocou em prisão domiciliar a cúpula presidencial e foram emitidas 300 ordens de prisão contra os membros do movimento. Dois de seus líderes foram detidos, Saad al-Katatni e Rashed Bayumi.

Mohamed Badie, o guia supremo da Irmandade Muçulmana, e seu adjunto, Khairat al-Chater, também foram presos.

A Irmandade Muçulmana reagiu, denunciando um "Estado policial", e os islamitas convocaram manifestações pacíficas para uma "sexta-feira de rejeição".

Mal-estar no exterior 

A derrubada de um presidente democraticamente eleito e a suspensão da Carta constitucional por um período de transição indeterminado criaram algum mal-estar no exterior e suscitaram diferentes reações.

Evitando falar de um golpe de Estado, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, se disse "profundamente preocupado" com a situação do país árabe, enquanto o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, pediu o restabelecimento rápido do governo civil e a Rússia pediu "moderação" às forças políticas do Egito para que o país permaneça no caminho "democrático".

A União Europeia também convocou todas as partes envolvidas a "voltarem rapidamente ao processo democrático", com novas eleições presidenciais, como prometeram os militares ao suspenderem a Constituição.

Berlim denunciou "um grande fracasso para a democracia no Egito", enquanto Londres, indicando que "não apoia intervenções militares", manifestou sua intenção de cooperar com as novas autoridades.

Na região, o rei Abdullah da Arábia Saudita foi o primeiro líder estrangeiro a parabenizar o novo presidente interino, Adly Mansur - antes mesmo de Mansur ter prestado juramento. Abdullah o chamou de "presidente da irmã República Árabe do Egito".

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O que aconteceu?
O comandante-geral do Exército, o general Abdul Fattah al-Sisi, declarou na TV que a Constituição foi suspensa e que o presidente da Suprema Corte assumiria poderes presidenciais, na prática derrubando o presidente Mohammed Mursi. Com isso, Adli Mansour comanda o governo interino formado por tecnocratas até que eleições presidenciais e parlamentares sejam convocadas. No Twitter, Mursi chamou o pronunciamento de "golpe completo categoricamente rejeitado por todos os homens livres de nossa nação". Soldados e carros blindados rondam locais importantes do Cairo enquanto centenas de milhares de manifestantes protestam nas ruas.

O que motivou a crise?
O descontentamento começou em 2012, quando Mursi, 1º presidente democraticamente eleito do Egito, deu a si mesmo amplos poderes numa tentativa de garantir que a Assembleia Constituinte concluísse a nova Constituição. Desde então, houve uma cisão política no país. De um lado, Mursi e a Irmandade Muçulmana; de outro, movimentos revolucionários e liberais. Quando a nova Constituição, polêmica e escrita por um painel dominado por islamitas, foi aprovada às pressas, as manifestações em massa tomaram as ruas, e Mursi acionou o Exército. Mas enfrentamentos continuaram, deixando mais de 50 pessoas mortas. Diante da pressão, os militares deram um ultimato ao presidente, que tinha 48 horas para atender às demandas populares. Mursi insistiu que ele era o líder legítimo do Egito, e houve intervenção.

Qual o caminho traçado pelos militares?
Após encontro de líderes políticos, religiosos e jovens, o general Sisi disse que o povo clamava por "ajuda" e que os militares "não podiam permanecer em silêncio". Ele disse que o Exército fez "grandes esforços" para conter a situação, mas o presidente não atendeu "às demandas das massas" e era hora de por "fim ao estado de tensão e divisão". Como a nova Constituição era alvo de fortes críticas, ele suspendeu-a temporariamente. O general não especificou quanto tempo duraria o período transitório e o papel que será exercido pelos militares. Ele conclamou a Suprema Corte Constitucional a rapidamente ratificar a lei permitindo eleições para a Câmara Baixa do Parlamento, que está dissolvida, e para a Assembleia Popular. E afirmou que um novo código de ética será expedido.
  • Fonte: BBC Brasil