Com Lula, presidente mexicano lança programa inspirado no Fome Zero
Frédéric Saliba
Na Cidade do México
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Bernardo Montoya/Reuters
Enrique Peña Nieto (à dir.), atual presidente do México, ao lado do ex-presidente Lula. Imagem de 26/10/2011
É na pequena cidade indígena de Navenchauc, no Estado de Chiapas, no sul do México, que o presidente Enrique Peña Nieto dever lançar nesta sexta-feira (19), sua grande "cruzada contra a fome". Para essa ocasião, ele convidou o ex-chefe de Estado do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva, ícone da luta contra a pobreza. Embora promissor --esse projeto interministerial--, que envolve o setor privado e a sociedade civil, provoca uma série de reservas.
"Não se trata de uma medida de assistência, mas de uma estratégia integral para os mais desfavorecidos", insistiu o presidente em 21 de janeiro em Chiapas, ao assinar o decreto de criação de sua cruzada. Três meses depois, o presidente volta ao Estado, um dos mais pobres do país, para dar o pontapé inicial nesse plano destinado a 7,4 milhões de mexicanos em 400 municípios "altamente marginalizados", dos quais 60% são indígenas.
Distribuição de alimentos, oficinas de formação em boa alimentação, acesso aos serviços de saúde e de educação, melhora da produção e da comercialização agrícolas... Medidas dotadas de um orçamento equivalente a 18 bilhões de euros, que visam principalmente erradicar a desnutrição infantil. Esse programa se inspira no plano brasileiro Fome Zero, lançado em 2003 pelo presidente Lula. "Hoje nós convidamos Lula porque o Fome Zero foi um sucesso", justificou a ministra mexicana do Desenvolvimento Social, Rosario Robles, que comanda o projeto.
Luiz Inácio Lula da Silva
A aposta é grande: 11 mil mexicanos morreram de fome em 2011, segundo o governo. A pobreza atinge cerca da metade da população. Para enfrentar esse desafio, todos os ministérios foram mobilizados, assim como os Estados e os municípios envolvidos. A sociedade civil não ficou fora. Um Conselho Nacional que reúne representantes do setor privado, ONGs, universidades, assim como os 31 governadores, além do prefeito da Cidade do México -- encarregado de orientar e avaliar o programa.
"Negócio da fome"
Em campo, projetos pilotos foram lançados no início de abril nos Estados de Tamaulipas (nordeste), Oaxaca (oeste) e Chihuahua (norte). Desde então, caravanas distribuem alimentos nos municípios mais pobres. Além disso, a campanha Sin Hambre (Sem Fome) propõe aos mexicanos que façam doações ou se mobilizem como voluntários a partir de um site, uma página no Facebook e um blog exclusivo.
Para reunir os alimentos necessários e distribui-los, o governo prevê a assinatura de acordos com 64 bancos alimentares e a central de abastecimento.
Mas o governo visa sobretudo as empresas. Em 8 de abril, o México anunciou a participação da PepsiCo, que contribuirá com o projeto elaborando um complemento alimentar sob a forma de bebidas lácteas e biscoitos, para as crianças e as mulheres grávidas. Quanto à Nestlé, o grupo oferecerá cursos para ensinar as mães de família a vender seus produtos. Ao todo, 60 fundações se associaram, entre elas a Walmart.
Entretanto, a iniciativa provoca críticas acirradas por parte de algumas ONGs: "A integração do setor privado corre o risco de transformar a cruzada em um verdadeiro negócio da fome, visando modificar os hábitos alimentares dos pobres a partir de produtos muito açucarados e salgados, enquanto os mexicanos já são vítimas de obesidade", denunciou Patti Rundall, diretora da ONG Baby Milk Action.
O governo também sofreu ataques políticos sobre sua escolha dos 400 municípios integrados ao programa, dentre os mais de 2.000 do país. A pedido de deputados do PAN (Partido da Ação Nacional, de direita), Marti Bartes, presidente do Morena (Movimento de Regeneração Nacional, de esquerda), denuncia "um projeto de cunho eleitoral nos municípios que terão eleições locais em 2013". Na terça-feira (16) ele anunciou o envio de uma carta a Lula para "adverti-lo de que o programa ao qual ele se associa trai a nação mexicana".
Fome Zero fracassou
E o economista Miguel Angel Corro explica que "o plano Fome Zero fracassou em reduzir a pobreza no Brasil. Lula o substituiu rapidamente, desta vez com grande sucesso, por uma série de programas sociais, entre eles o Bolsa Família, que concede aos pobres uma soma em dinheiro desde que eles enviem seus filhos à escola".
O número de famílias beneficiadas por essas bolsas aumentou de 3,6 milhões em 2003 para 13 milhões hoje. A aposta foi ganha: de 2003 a 2008 os brasileiros que sofriam de fome passaram de 12% para 4,8% da população.
Melhor, a atual presidente do Brasil, Dilma Rousseff, que ampliou o investimento social de seu antecessor, anunciou em fevereiro que 22 milhões de brasileiros saíram da pobreza em dois anos.
"Segundo o mesmo princípio, a cruzada de Peña Nieto não será suficiente se não for associada a outras medidas mais integrais, que geram a criação de empregos e de pequenas empresas", comenta Corro. "Ainda mais que os mexicanos que sofrem de problemas de nutrição são quase 30 milhões."
As críticas são rejeitadas em bloco por Robles, que afirma que "o plano está apenas em sua primeira fase e será objeto de uma avaliação permanente pela sociedade civil e por instituições independentes". E Cesar Duarte, governador do Estado de Chihuahua, que faz fronteira com os EUA, que tem 140 mil habitantes inscritos no programa, declara: "O que vai resolver a fundo o problema da fome será o desenvolvimento das estradas, da energia elétrica, das escolas e das atividades produtivas. Com isso também se reduzirá a emigração." Todo ano, cerca de 300 mil mexicanos atravessam ilegalmente para os EUA para fugir da miséria.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves