Imigrantes narram histórias de dor e persistência na luta para chegar à Inglaterra
Julia Pascual
-
Phillipe Huguen/AFP
Policiais franceses tentam impedir imigrantes de entrar no Eurotúnel no último dia 29
Em Calais, médicos cuidam dos ferimentos dos imigrantes decorrentes das tentativas de invasão no túnel
Sentadas em bancos diante do Grande Teatro de Calais, com o olhar perdido, de repente o rosto delas se ilumina. Elas gesticulam na direção de uma caminhonete. Um voluntário de uma organização foi buscar essas três eritreias para que elas não tivessem de caminhar até o acampamento da "selva", a 7 km de lá. Elas estão exaustas, depois de terem tentado a noite inteira chegar até a Inglaterra através do túnel sob o Canal da Mancha, assim como centenas de imigrantes que estão tentando sua sorte todos os dias.
Para enfrentar essas tentativas de invasões sem precedente - o Eurotúnel falou na quarta-feira (29) sobre uma "explosão no número de imigrantes" e "37 mil" interpelações desde o dia 1º de janeiro - , o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, enviou duas unidades móveis em reforço. Na quarta-feira de manhã, um sudanês foi encontrado morto, certamente atropelado por um caminhão que saía de uma balsa para cargas, elevando a nove o número de mortes registradas desde o início de junho.
Oficialmente, pois no acampamento de imigrantes onde quase todos eles estão reunidos, circulava o rumor de que um paquistanês também havia morrido, eletrocutado na área do túnel. "Ele tinha um pedido de asilo sendo analisado em Nice," explica uma voluntária que preferiu se manter anônima. "Nós o havíamos levado até a administração, mas não quiseram enviar de volta seu pedido para Calais. Ele preferia ficar aqui, onde há toda uma comunidade. Era uma das primeiras vezes que ele tentava passar para a Inglaterra."
No acampamento onde vivem cerca de 2.500 imigrantes, as equipes da Médicos do Mundo (MDM) trabalham à toda. Toda semana cerca de 150 pessoas não conseguem consulta, por falta de recursos. Além de atender as necessidades "normais", que vão desde sequelas de torturas até tratamentos ginecológicos, passando por casos de sarna, as equipes da MDM administram as consequências da tentativa de travessia do Canal da Mancha.
Alam Ahmadzai, um jovem afegão de 22 anos, está com o pulso enfaixado depois de ter se esfolado. "Todos os dias tento passar para a Inglaterra, duas ou três vezes", ele explica. Jean-François Patry, médico voluntário que chegou há dez dias, confirma: "Vemos muitas feridas nas mãos. São arranhões profundos causados pelos arames farpados, cortes ou queimaduras, quando eles se penduram no trem. Ontem tivemos muitos casos desses, especialmente em crianças de 12 a 13 anos." As situações mais graves são encaminhadas para o hospital. "O segundo tipo mais frequente de ferimento está ligado aos saltos de grandes alturas", diz o Dr. Patry. "São contusões de calcanhar ou de tíbia, distensões, rompimentos de ligamentos, torções, fraturas..." O médico constata que houve um "aumento da gravidade da traumatologia, devido às condições mais difíceis da passagem."
O aumento das tentativas de invasão no túnel está diretamente ligado ao reforço da segurança no porto de Calais. No início de junho, uma impressionante cerca de seis metros de altura, encimada por arames farpados, foi erguida ao longo do anel viário que leva às balsas. Os imigrantes se voltaram então para o túnel, onde os riscos são maiores. Perigo? "Que perigo?", pergunta Tarek, um etíope de 25 anos que chegou há um mês e está tentando a sorte "dia após dia". "No meu país, a guerra da ditadura sim é que é perigosa." Quatro amigos seus conseguiram chegar até a Inglaterra na semana passada. Tarek não aguenta mais a vida na "selva".
Mas alguns deles não querem deixar a França, como Sadam Matar, um sudanês de 20 anos. Apontando para a lona de plástico sob a qual ele tem vivido nos últimos três meses, ele repete "problem Calais", em um inglês hesitante. As equipes do Socorro Católico distribuíram 125 kits de cabanas desde meados de julho, ponto de partida de uma ampla operação humanitária, "mas muitas demandas não são atendidas", lamenta Clémence, uma voluntária. Uma mãe de família síria e seus três filhos pequenos acabaram de chegar, pois o centro Jules-Ferry, que abriu em março na "selva" para abrigar o público vulnerável, os recusou, por falta de vagas, oferecendo-lhe uma barraca. A mãe cai em lágrimas. "Seus filhos não querem ficar aqui, eles não estão se sentindo bem", conta Clémence. "Ela quer ir para a Inglaterra, quer ir embora esta noite..."
Rondas de informação
"Muitas pessoas ficariam se lhes oferecessem condições diferentes", acredita Faustine Douillard, assistente social da France Terre d'Asile, que realiza rondas de informação diárias. "Hoje há uma espera de quatro a cinco meses para se ter acesso a uma vaga no CADA – centro de acolhimento para solicitantes de asilo. Faz dois meses e meio que tem sido assim. As pessoas vão desanimando."
Ahmadi Mahmood Jan, 21, fugiu do Afeganistão. Ele obteve asilo na Itália há três anos, mas nem pensa em ficar lá. É Inglaterra ou nada. Ele morou no país durante quase um ano, foi detido e deportado há um mês, mas está procurando voltar. "Tento por todos os meios. Senão como terei um futuro?"
São cerca de 19h quando dezenas de imigrantes se dirigem para o túnel. Mariam Guerey, do Socorro Católico, leva alguns deles em seu caminhão, para lhes poupar a caminhada. Mulheres e crianças, como esse menino eritreu de 12 anos, completamente sozinho, que um instante depois desaparecerá por trás do estacionamento da Leader Price, atravessando a estrada para tentar sua sorte na "passagem". Mais uma vez.
Tradutor: UOL
Receba notícias do UOL. É grátis!
Veja também
- Quem é Tom Homan, o novo 'czar da fronteira' escolhido por Donald Trump
- Plano de deportação de Trump deve afetar brasileiros; ilegais são 230 mil
- ONU alerta para denúncias de tratamento desumano na Tunísia a refugiados resgatados do mar
- Freira brasileira que ajudou refugiados ganha prêmio de agência da ONU