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Romney mantém silêncio sobre ligação com bilionário investigado por lavagem de dinheiro

Romney discursa em evento de campanha na Virgínia - Max Whittaker/The New York Times
Romney discursa em evento de campanha na Virgínia Imagem: Max Whittaker/The New York Times

Thomas B. Edsall (*)

08/08/2012 06h00

Há duas coisas que distinguem a campanha presidencial de Mitt Romney: sua cautela e seu sigilo.

O provável candidato republicano se recusa a divulgar suas declarações de imposto de renda anteriores a 2010, não vai identificar seus principais patrocinadores e apagou todos os registros de computador de e-mails de sua equipe no final de seu mandato como governador de Massachusetts, em 2006.

O raciocínio de Romney é que materiais como esses podem ser usados pela campanha de Obama para desacreditá-lo.

Então o que esse político tão resguardado e moralista estava fazendo em um evento para levantamento de fundos, que custava US$ 50.000 (em torno de R$ 100.000) por casal em Jerusalém, sentado na posição de honra, ao lado de Sheldon G. Adelson – proprietário de um dos maiores, se não o maior cassino e operações de jogo do mundo?

Adelson e sua empresa estão sendo investigados pela comissão de valores mobiliários norte-americana, a SEC, e pelo Departamento de Justiça em casos de suborno no exterior. Além disso, o escritório do advogado geral de Los Angeles está investigando se a Las Vegas Sands Corp, de Adelson, deixou de alertar as autoridades sobre milhões de dólares transferidos a cassinos em violação das leis de lavagem de dinheiro, segundo informou o “Wall Street Journal” no dia 4 deste mês.

Adelson, que é diretor da Sands Corp, e outros funcionários da empresa negaram ter cometido qualquer delito.

Há uma resposta sucinta para a pergunta por que Romney assumiria o risco de se associar com o imensamente controverso Adelson: US$ 10 milhões – a quantia que Adelson e sua esposa contribuíram para o “super PAC” de Romney, o Restaure nosso Futuro. A fonte da gigantesca contribuição de Adelson parece criar um conflito com as convicções mórmons de Romney. O site oficial da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias afirma: “A Igreja se opõe ao jogo em qualquer formato, inclusive às loterias promovidas pelo governo”.

Mesmo assim, Adelson é o número 8 na Forbes 400, uma lista dos 400 mais ricos dos EUA, com uma fortuna de US$ 21,5 bilhões reunida em grande parte por uma rede internacional de casas de jogo.

Romney teve sorte porque as matérias sobre os inquéritos das finanças de Adelson pela SEC e pelo Departamento de Justiça foram limitadas. A maior parte da cobertura pela imprensa das contribuições de Adelson não incluiu referência essas investigações.

Grande parte das reportagens mais interessantes sobre as investigações foi feita pela ProPublica, trabalhando em conjunto com o programa de televisão PBS “Frontline” e o Programa de Reportagem Investigativa da Universidade da Califórnia, Berkeley.

A maior parte das acusações contra Adelson emergiram em conexão com um processo de demissão sem justa causa contra a Sands por Steven Jacobs, ex-diretor da Sands China. Mensagens de e-mail e outros documentos postados pelo ProPUblica no dia 16 de julho levantaram questões sobre o papel de Leonel Alves, congressista e advogado em Macau que foi contratado como assessor da Las Vegas Sands.

Esses e-mails revelaram preocupações entre os advogados de Adelson que um pagamento muito grande por serviços jurídicos a Alves poderia chamar a atenção e soar os alarmes da SEC e do Departamento de Justiça, que monitoram violações ao Ato de Práticas Corruptas no Estrangeiro.

As normas contra o suborno, de acordo com o Departamento de Justiça, “tornam ilegal um norte-americano e certos emissores de títulos estrangeiros a fazerem um pagamento corrupto a uma autoridade estrangeira com o propósito de obter ou reter negócios ou direcionar negócios para qualquer pessoa”. Alves é membro do legislativo de Macau, participa um conselho de 10 membros que assessora o executivo de Macau e é membro da Conferência Consultiva Política do Povo da China, do governo da China.

Em um e-mail de 30 de setembro de 2009, Alves escreveu para Jacobs o que ocorreu no 60º aniversário da República do Povo da China: “Alguém do alto escalão em Pequim me procurou antes do jantar oficial e me convidou para resolver questões relativas aos projetos do Venetian em Macau”, escreveu Alves a Jacobs. “Há uma quantia a ser acordada pelo Sr. Adelson para resolver essas duas questões. A quantia a ser paga para resolver a questão dos apartamentos com serviço será paga para um agente mutuamente acordado e entregue ao cavalheiro após a aprovação oficial no Diário Oficial, autorizando a venda dos apartamentos com serviços”.

No dia 10 de dezembro de 2009, em outro e-mail para Jacobs, Alves escreveu que estava retornando a Pequim no dia seguinte e teria uma chance de conversar com seus amigos lá. Alves advertiu, contudo, que “o que eles estão pedindo é muito caro (US$ 300 milhões que inclui fechar o caso taiwanês)”.

Não ficou claro pelo e-mail o que foi feito sobre o pedido de US$ 300 milhões.

Em uma questão distinta, Jacobs, escreve em um correio eletrônico do dia 11 de março de 2010 para Al Gonzalez, então assessor jurídico do Las Vegas Sands, que disse a Alves que não poderia pagar uma fatura com o preço três vezes mais alto que o normal. “Estávamos preocupados com questões relacionadas ao Ato de Práticas Corruptas no Estrangeiro”. Quase três semanas depois, Jacobs escreveu: “Fui instruído pelo SGA (as iniciais de Adelson) e MAL (Michael A. Leven, presidente do Las Vegas Sands) a pagar e fechar a questão”, conforme publicaram o ProPublica, o “Frontline” e os investigadores de Berkeley.

No dia seguinte, 12 de março de 2010, Gonzalez respondeu a Jacobs: “Você sabia pelas várias conversas que tivemos e e-mails que trocamos que eu não acho apropriado pagar LA (Leonel Alves) três vezes mais que sua tarifa normal”, e acrescentou “teria sido melhor se você tivesse me avisado para que eu pudesse intervir”.

Um mês depois, em abril de 2010, Gonzalez renunciou como assessor jurídico da Sands. No dia 23 de julho, a Sands demitiu Jacobs como diretor da Sands China e então houve a mudança no campo de batalha.

Ron Reese, vice-presidente de relações públicas da Sands, recusou-se a comentar, mas salientou que a empresa sempre negou ter cometido ilícitos, inclusive Adelson. No dia 28 de março de 2011, Adelson declarou em um discurso em Macau que o processo de Jacobs “é pura ameaça, chantagem e extorsão. É só isso”.

A briga entre Andelson e Jacobs fez surgir alegações ainda mais fora de sintonia com as convicções morais e religiosas de Romney. Jacobs, por exemplo, acusou Adelson de adotar uma “estratégia de prostituição” para atrair clientes para a filial de Macau. A acusação diz: “Pouco antes da minha chegada a Macau, em maio de 2009, iniciei a ‘Operação Limpeza’ para livrar o cassino de agiotas e prostituição. Esse projeto foi recebido com preocupação, quando altos executivos da Las Vegas Sands Corp. me informaram que a estratégia anterior de prostituição tinha sido pessoalmente aprovada por Adelson.”

Adelson negou a alegação, e disse à Forbes: “Eu colocaria em risco ser o sétimo homem mais rico dos EUA e a 14ª pessoa mais rica no mundo para promover a prostituição? Para que? Já sou a empresa mais rentável de serviços ao consumidor de todos os tempos. O que eu teria a ganhar?”

No dia 20 de julho deste ano, a situação piorou ainda mais. Adelson processou Jacobs na Flórida por difamação por fazer declarações que “questionam a integridade do Sr. Adelson e prejudicam sua reputação”. Além disso, Adelson ameaçou processar o Comitê de Campanha Democrático ao Congresso por emitir informes à imprensa associando as contribuições de Adelson com “dinheiro de prostituição chinesa”.

No dia 2 de agosto, o comitê democrático se retratou, e afirmou em público que “nas declarações à imprensa emitidas no dia 29 de junho e 2 de julho de 2012, o comitê fez alegações não substanciadas que atacavam Sheldon Adelson, que apoia o partido oposto”. O comitê disse: “Isso foi um erro. As declarações foram injustas e falsas, e as retiramos”.

Na frente legal, a juíza Elizabeth Gonzalez de Nevada fará uma audiência no dia 30 de agosto para determinar se o Las Vegas Sands Corp deteve documentos importantes do caso de Jacobs.

Seria interessante saber o que Romney tem a dizer sobre os negócios de jogos de Adelson, sobre suas dificuldades com a SEC, com o departamento de Justiça e com o Comitê Democrático, mas o comitê de campanha de Romney não respondeu a vários pedidos de comentários.

As acusações mais duras contra Romney como político foram distintamente pessoais: que ele não tem autenticidade, que tem duas caras; que é hipócrita e vira-casaca.

Romney atualmente aparece na frente de Obama em uma série de questões. Os eleitores preferem a abordagem de Romney ao déficit (51-41), em empregos (50-44) e impostos (49-45). Mas no que concerne questões de caráter, Obama esmaga Romney: em simpatia (60-30); em compreensão de problemas que os eleitores enfrentam diariamente (50-39); e honestidade e confiança, duas questões que tocam o centro dos problemas de Romney, Obama detém uma vantagem de oito pontos (47-39).

Talvez os instrumentos menos eficazes para lidar com esse problema são a cautela e o sigilo que se tornaram as marcas de Romney. No mínimo, Romney poderia nos dizer como ele reconcilia os valores que ele diz defender com a base da fortuna de Adelson.

(*) Thomas B. Edsall, professor de jornalismo da Universidade de Columbia é autor do livro “The Age of Austerity: How Scarcity Will Remake American Politics”, ou “A era da austeridade: como a escassez vai refazer a política americana”, publicado no início do ano.