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Agricultura gerará nova indústria química, diz presidente da Embrapa

Presidente da Embrapa, Maurício Antônio Lopes, aposta em nascimento de "indústria química verde" - Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Presidente da Embrapa, Maurício Antônio Lopes, aposta em nascimento de 'indústria química verde' Imagem: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

04/02/2013 13h23

A descoberta dos biocombustíveis marcou o início de uma era em que a agricultura terá aplicações cada vez mais diversas. O avanço da pesquisa em campos como a nanotecnologia e a biotecnologia permitirá o surgimento de uma nova indústria química, com produtos derivados de plantas.

Quem faz a previsão é o presidente da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), Maurício Antônio Lopes. "Há uma tendência de surgimento de uma indústria química verde, em que se possa tirar da biomassa componentes que hoje são derivados da indústria petroquímica e do petróleo."

Em entrevista à BBC Brasil a dois meses do aniversário de 40 anos da estatal, Lopes diz que a companhia tem investido em novas tecnologias para proteger a agricultura brasileira de efeitos do aquecimento global.

Ele rebate as críticas de que a empresa esteja perdendo relevância à medida que multinacionais avançam no mercado brasileiro de variedades genéticas e diz que, para manter sua capacidade de inovar, a estatal se valerá cada vez mais de parcerias com universidades e outras instituições de pesquisa.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista, concedida na sede da empresa, em Brasília.

BBC Brasil - Quais foram os principais feitos da Embrapa desde sua criação?
Maurício Antônio Lopes - A Embrapa contribuiu muito para que o Brasil pudesse num espaço de tempo curto alcançar não só sua segurança alimentar, mas também se projetar como grande produtor de alimentos e matérias-primas agrícolas para o mundo.

Nos anos 60 e 70, o Brasil ainda importava alimentos básicos, como arroz, leite e feijão. A mudança nessa lógica se deu nos anos 70, com a decisão do governo de fazer um investimento sólido em inovação na área agropecuária.

A geração de conhecimentos e tecnologias de correção de solo, recomposição de fertilidade e manejo de cultivos permitiram ao Brasil transformar grandes extensões de savanas, os cerrados brasileiros, muito ácidos e pobres em nutrientes, em áreas agricultáveis.

Um segundo ganho importante foi a adaptação de espécies de plantas e animais para as regiões tropicais, que permitiram ao ao Brasil se tornar um dos maiores produtores de carne no mundo.

BBC Brasil - O aquecimento global ameaça essas conquistas?
Lopes - Temos que tornar cultivos e animais mais resilientes a condições climáticas extremas. Vamos ter que desenvolver plantas mais adaptadas a condições de escassez de água e sistemas produtivos que economizem fertilizantes. As reservas de fertilizantes são finitas e muito importantes nas regiões tropicais.

Mas as mudanças climáticas e a necessidades de descarbonizar nossas economias criam oportunidades interessantes. Daqui para o futuro, antecipamos um crescimento muito grande na biomassa como fonte não só de energia renovável, mas de outros componentes para, por exemplo, a indústria química.

Há uma tendência de surgimento de uma indústria química verde, em que se possa tirar da biomassa componentes que hoje são derivados da indústria petroquímica e do petróleo. Essa será uma vertente muito importante para a agricultura brasileira do futuro.

BBC Brasil - A Embrapa está investindo nesse setor?
Lopes - Estamos fazendo um grande investimento para buscar novas fontes de biomassa, novas formas de destilar e de retirar componentes da biomassa. Podemos produzir biomassa em grande quantidade, com logística e base industrial completamente diferente, que não existe em outras partes do mundo.

BBC Brasil - Que outras possibilidades novos campos científicos trazem para a agricultura?
Lopes - Na confluência da biotecnologia, da nanotecnologia e da tecnologia da informação virá a nova geração de ferramentas para que a agricultura possa ocupar espaços novos e fazer frente aos desafios futuros, como as alterações climáticas e a disseminação de novas pragas. Temos centros de pesquisa inteiros dedicados a essas três vertentes.

Na área da biotecnologia, a Embrapa desenvolveu sozinha o feijão transgênico, resistente a uma praga muito séria no Brasil, que deve ser liberado para comercialização em 2015. Estamos desenvolvendo uma alface transgênica que produzirá altas quantidades de folato, criando a possibilidade de que gestantes, que precisam consumir alta quantidade de folato, tenham acesso à substância num alimento extremamente fácil e barato.

Temos um centro em São Paulo que trabalha a nanotecnologia, desenvolvendo conceitos de encapsulamento de nutrientes, que possam ser liberados de forma lenta, aumentando eficiência no uso de nutrientes pelas plantas e no encapsulamento de fármacos na área animal.

E temos uma unidade inteira trabalhando a tecnologia da informação, porque nossa capacidade de gerar dados cresceu muito mais que nossa capacidade de entendê-los e lhes dar utilidade.

BBC Brasil - Como manter fôlego para encarar tantos desafios, tendo em vista as dificuldades burocráticas do setor público e a velocidade das transformações tecnológicas?
Lopes - O primeiro ponto é a Embrapa não chegar à conclusão de que pode tratar tudo isso sem uma rede de parceiros poderosos. A empresa tem se esforçado para ampliar sua rede de cooperação.

Em dezembro assinei um acordo com a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas-SP) para desenvolver a primeira unidade mista de pesquisa entre a Embrapa e uma universidade no Brasil. A plataforma estará inteiramente dedicada à busca de novos genes e novas funções biológicas que vão ajudar agricultura a fazer frente à mudança do clima.

Estamos também investindo em inteligência estratégica. No ano passado lançamos a Rede Agropensa, o think tank da Embrapa, responsável por antever riscos, desafios e oportunidades.

BBC Brasil - Alguns acadêmicos dizem que, com a entrada de multinacionais na pesquisa agrícola no Brasil nos últimos anos, a Embrapa perdeu espaço e relevância no mercado nacional.
Lopes - De fato, a Embrapa teve uma presença muito mais forte no mercado de genética e das variedades de milho, soja e algodão lá atrás, nos anos 80 e 90. Ela teve que ocupar mais espaço porque havia limitações a serem removidas. Antes da soja estar completamente adaptada à realidade brasileira, grandes multinacionais não viriam para cá fazer grande investimento.

O que ocorreu nas últimas décadas não é surpresa alguma para a empresa. Não faz nenhum sentido fazer investimento de recursos públicos para competir com empresas que são eficientes e estão provendo inovações para o mercado.

Isso também não significa que Embrapa perdeu fôlego e espaço no mercado de novas variedades. A Embrapa hoje tem 80 programas de melhoramento genético. Se alguma instituição pública no mundo tiver um número tão amplo de programas de melhoramento, eu desconheço. A empresa está intensificando o trabalho de melhoramento em espécies em que o setor privado não investirá.

BBC Brasil - Nos últimos anos, discutiu-se no Congresso a abertura de capitais da Embrapa, como forma de torná-la mais capaz de concorrer com multinacionais. O projeto acabou substituído por outro, atualmente em tramitação, que prevê a criação de uma subsidiária voltada a negócios, com controle integral da estatal. Qual sua posição?
Lopes - Nós fomos os proponentes da ideia da subsidiária. Não é possível imaginar que uma empresa como a Embrapa, com um portfólio de produtos, processos e informação tão amplos, pudesse ter seu capital aberto. Isso poderia enviesar nossa produção na direção daqueles com maior poder econômico para investir na empresa, o que não é do interesse da sociedade.

Mas acho extremamente importante que empresa desenvolva mecanismos para que possa viabilizar novos negócios e novas parcerias público-privadas a partir de nosso imenso acervo de ativos.

Hoje é muito difícil para a Embrapa, a partir de um novo gene que descubra, viabilizar um produto geneticamente modificado no mercado. Custa muito dinheiro, envolve desregulamentação em muitos países. A subsidiária permitirá que se faça a transição do ativo descoberto até o produto desenvolvido com um parceiro privado, que tem muito mais agilidade e capacidade de lidar com esse mercado do que nós.

BBC Brasil - Essa subsidiária teria a função de capitalizar a empresa?
Lopes - O principal objetivo é fazer fluir para o mercado as inovações que a empresa gera. Gostaríamos de ganhar mais agilidade no diálogo e negociação com o setor privado. Obviamente que, se esses projetos têm sucesso, haverá mais recurso fluindo para dentro do processo, estimulando e alimentando programas de pesquisa. Esse é um objetivo importante também.

BBC Brasil - O governo tem expressado a intenção de agregar mais valor aos produtos exportados, para que o país dependa menos da venda de matérias-primas. A Embrapa pode participar mais desse processo?
Lopes - Um grão de soja obviamente tem valor agregado muito menor do que chips e computadores, mas não podemos disseminar que essa é uma produção de baixa tecnologia, que fazemos com os pés nas costas. O Brasil chegou a essa capacidade de produzir commodities à custa de muito investimento. Óbvio que, se o Brasil pode empacotar milho e soja na forma de carne de frango, porco e boi, e vendê-la a preços mais altos, esse certamente é um caminho a seguir.

Há um espaço enorme para desenvolvermos frutas tropicais que podem alcançar mercados muito rentáveis. E também na transformação de produtos como o algodão colorido, que tem fibras naturalmente coloridas. É algo que pode ganhar mais expressão no mercado internacional no futuro, porque pode gerar produtos mais limpos no final da cadeia de valor.