Afinal, o que faz com que um candidato se torne inelegível?

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL

  • Reprodução/PT

    Lula acumula 16 pedidos para que sua candidatura à Presidência seja barrada pelo TSE

    Lula acumula 16 pedidos para que sua candidatura à Presidência seja barrada pelo TSE

Líder das pesquisas eleitorais segundo o Datafolha e preso desde abril, o ex-presidente e candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já acumula 16 pedidos para que sua candidatura seja barrada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com base na Lei da Ficha Limpa. Entre os autores das solicitações estão concorrentes e membros do Judiciário, como a Procuradoria-Geral da República (PGR).

O TSE marcou para esta sexta-feira (31) uma sessão extraordinária que pode julgar o caso de Lula. Enquanto aguarda pela decisão do tribunal, o Partido dos Trabalhadores mantém o candidato, com Fernando Haddad como vice.

O ex-presidente não é o único a ter sua candidatura questionada. Candidatos ao governo de dois estados já tiveram seus direitos políticos cassados, enquanto outro enfrenta um julgamento no Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) que pode torná-lo inelegível. Todos, no entanto, mantêm suas campanhas.

Qual deles poderá ser eleito? Qual deles, caso eleito, estaria apto a assumir o cargo? Afinal, o que torna um candidato inelegível? Quem é réu pode concorrer? A Lei da Ficha Limpa permite? Para responder esses questionamentos, o UOL ouviu especialistas em direito eleitoral para entender melhor como funciona o xadrez entre os partidos e a Justiça para as eleições gerais de outubro.

O que torna um candidato inelegível

Há diferentes leis que versam sobre as condições de elegibilidade do cidadão, a começar pela Constituição Federal de 1988. De acordo com o Artigo 14, só está apto a se eleger quem tiver nacionalidade brasileira, em pleno exercício dos direitos políticos e filiação partidária. Além disso, há o critério de idade mínima, que varia com de acordo com o cargo: de 18 anos para vereador a 35 anos para presidente. 

Estão inelegíveis os analfabetos, os que não podem votar – como os estrangeiros e quem está no período de serviço militar obrigatório – e "o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção" de cargos executivos.

O advogado eleitoral Anderson Pomini esclarece que esta última regra só vale para a sequência direta na substituição dos cargos, caso haja pelo menos um mandato entre um e outro, como o caso dos ex-governadores José Sarney e Roseana Sarney, no Maranhão, está permitido. A regra "tem por objetivo evitar a chamada perpetuação do poder no núcleo familiar", explica.

A Lei da Inelegibilidade (Lei Complementar 64/19990), que substituiu uma lei do período da Ditadura Militar, e a famosa Lei Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010) complementam estas restrições. Até 2010, estava inelegível de três a cinco anos quem fosse condenado em última instância – ou seja, sem possibilidade de recurso – por crimes contra economia popular, fé pública, administração pública, patrimônio público, mercado financeiro ou por tráfico de entorpecentes e crimes eleitorais.

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A Lei Ficha Limpa endureceu o quadro. Não só acrescentou alguns crimes – como os de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores – como estabeleceu que o réu se torna condenado apenas com a decisão de um tribunal colegiado, sem condenação em definitivo. A determinação também prevê um aumento da pena para oito anos após o período da sentença. Ou seja, os oito somam-se ao tempo estabelecido pela Justiça.

Neste ano, até o final de agosto, a Justiça já havia indeferido 333 candidaturas, mas o número deve aumentar. Os tribunais competentes têm até o dia 17 de setembro (20 dias antes do primeiro turno) para julgar os casos.

Qualquer um pode se candidatar

De acordo com Pomini, qualquer cidadão pode se lançar a qualquer cargo, mesmo réu ou preso, assim como Lula. A questão levantada pelo especialista é que cabe ao tribunal responsável – TSE para presidente e TRE no caso de cargos estaduais – deferir ou não a candidatura. "Meu filho, por exemplo, tem 6 anos. Ele não preenche uma série de requisitos para se candidatar, mas, se um partido registrá-lo na ata, ele pode fazer campanha. Cabe à instância competente indeferir, como aconteceria neste caso hipotético", explica

Por isso, a lei trata de inelegibilidade e não de proibição de candidatura. Tanto a constituição quanto e Legislação Eleitoral permitem que o cidadão faça campanha até, se for o caso, ter sua candidatura cassada ou indeferida pela Justiça Eleitoral.

"O processo tem de ir até o dia 17 de setembro por causa das urnas, elas têm de ser atualizadas", explica o advogado eleitoral Alberto Rollo. Caso o candidato recorra a um órgão superior e consiga atrasar o processo para que seu nome apareça nas urnas mesmo com o registro indeferido, os votos dele serão considerados nulos. "No caso do Executivo, na hora da apuração, no dia sete à noite, ele vai aparecer com zero voto, mesmo que muitas pessoas tenham apertado o seu número na urna."

Já no caso do Legislativo, segundo Pomini, esses votos não são computados para a conta geral. "Digamos que um deputado receba 100 mil votos e está inelegível. Para calcular o quociente eleitoral, estes votos não contam. Caso ele tenha a candidatura deferida [depois da divulgação do resultado], há uma redistribuição de votos e aquele que foi eleito de carona acaba perdendo o cargo", explica o especialista. "Isso acontece com frequência nas eleições."

Entenda os principais casos

Os especialistas ouvidos pelo UOL explicam que cada caso tem sua peculiaridade e nem todos resultam em inelegibilidade.

O que chama mais atenção hoje, claro, é o do ex-presidente Lula. O candidato do PT está preso em Curitiba desde de abril, condenado a nove anos e seis meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro na ação sobre o tríplex no Guarujá (SP), no âmbito da Operação Lava Jato. Ao mesmo tempo, Lula se mantém em primeiro lugar na disputa pelo Planalto, com 39% das intenções de voto, segundo a última pesquisa Datafolha, divulgada na semana passada. 

"Ele está inelegível, mas a inelegibilidade não é automática, o TSE tem de se pronunciar", afirma Rollo. A data limite para o julgamento é 17 de setembro, também o último dia para que o Partido dos Trabalhadores mude a candidatura, caso queira. No entanto, segundo o advogado, o tribunal já apontou que decidirá antes. "Ele já tentou liminares, como o caso do habeas corpus, e tudo foi negado, é muito improvável que o registro não seja indeferido", explica o especialista.

Caso o registro seja indeferido, o PT tem duas opções: trocar a candidatura para Fernando Haddad e colocar Manuela D'Ávila (PCdoB) como vice ou manter o ex-presidente com recurso no Supremo Tribunal Federal. "Neste [segundo] caso, seria uma tática suicida. Ele vai estar com o registro indeferido, o que significa que, mesmo que seu rosto apareça na urna, ele não será eleito", diz Rollo. Neste caso, mesmo que tenha mais votos, quem vai ao segundo turno são o segundo e terceiro colocados.

O mesmo pode acontecer com Fernando Pimentel, atual governador e candidato petista à reeleição em Minas Gerais. Pimentel é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro durante a campanha de 2014, que resultou na sua eleição.

Nesta quinta-feira (30), dois pedidos de vista fizeram com que fosse suspenso o julgamento no TRE-MG de duas ações contra o governador. A expectativa é que os dois processos voltem à pauta do TRE-MG já na próxima segunda-feira (3). "Condenado por um colegiado, ele cai na Ficha Limpa e está inelegível", afirma Pomini sobre o caso.

Os dois enfrentam situações diferentes das de outros dois candidatos: um concorre ao governo de São Paulo e o outro ao do Rio de Janeiro. 

Na última sexta-feira (24), João Doria (PSDB) foi condenado em primeira instância à suspensão dos seus direitos políticos por quatro anos. O ex-prefeito da capital paulista foi acusado pelo Ministério Público de ter vinculado sua imagem pessoal ao slogan e ao símbolo do programa "SP Cidade Linda", "demonstrando desvirtuamento da finalidade da propaganda oficial".

Líder nas pesquisas com 25%, segundo o Datafolha, o tucano não será impedido de participar das eleições de outubro. "Suspensão de direitos políticos e Lei da Ficha Limpa são coisas diferentes. Ele foi condenado em primeira instância, e não por um colegiado. Neste caso, pode recorrer até ter a sentença transitada e julgada", esclarece Rollo.

Somente depois de o processo chegar à última instância, Doria deverá cumprir pena de suspensão. "Mas isso deve demorar pelo menos uns dois anos, por isso não é para esta eleição." 

Anthony Garotinho (PRP) passa por situação semelhante. O ex-governador foi condenado pela Justiça à perda dos direitos políticos por oito anos sob acusação de desviar mais de R$ 230 milhões da Secretaria da Saúde do Rio de Janeiro entre 2005 e 2006, quando sua mulher, Rosinha Matheus, era governadora do estado. "Tem de avaliar se a condenação foi por ato doloso de improbidade com enriquecimento ilícito e dano aos cofres públicos", afirma o advogado João Fernando Lopes de Carvalho. "Agora, cabe à Justiça Eleitoral ver isso."

O então candidato a vice-presidente pelo PT segue pelo mesmo caminho. Fernando Haddad foi acusado de enriquecimento ilícito pelo Ministério Público na última segunda-feira (27). O órgão pede à Justiça que ele também perca seus direitos políticos. "O Haddad ainda está muito no começo, acabou de ser acusado. Vamos dizer que está dois degraus abaixo do Doria no processo. Pode ser candidato tranquilamente", afirma Rollo.

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Lula é o recordista de pedidos ao TSE para que sua candidatura seja barrada, com um total de 16, mas não é o único a enfrentar percalços nos tribunais superiores. Uma acusação de racismo contra o candidato à Presidência do PSL, Jair Bolsonaro, está sendo avaliada no STF. Na última terça-feira (28), o ministro Alexandre de Moraes pediu vista do processo e o julgamento foi suspenso. 

"Como Bolsonaro é deputado, o caso vai para o STF, mas este é só o começo do processo. Ele não está sendo julgado, eles estão avaliando se devem acatar a denúncia feita pelo MP ou não", explica Rollo. "Se eles aceitarem, aí ele vai se tornar réu e começa a se defender. Mas ser réu não o torna inelegível."

O especialista explica que, caso o candidato seja eleito, o processo ficará arquivado pelo tempo do exercício do seu mandato, pois a Constituição prega que um presidente não pode ser processado por exercício estranho ao cargo. "Mas esse julgamento, se não for arquivado, pode demorar bem uns cinco anos", diz.

Por fim, Geraldo Alckmin, candidato do PSDB ao Planalto, também tem na conta um pedido na Justiça Eleitoral contra sua candidatura, protocolado pela chapa de Henrique Meirelles (MDB), um de seus adversários na disputa.

O MDB acusa que a coligação "Para Unir o Brasil" não foi registrada na ata de todos os partidos. Em defesa apresentada na última terça, Alckmin afirmou que não há dúvidas sobre a participação das siglas. A PGR também se manifestou a favor

Mesmo se perder, Alckmin também não corre o risco de perder a candidatura. Se a Justiça decidir pela ilegalidade da coligação, o candidato perderá, no máximo, tempo de no horário político obrigatório. 

O especialista explica que a punição não se dá com o desmembramento da coligação, mas, caso punido, o PSDB não ficaria com o tempo de televisão dos partidos não registrado formalmente na ata, por mais que tenham comparecido ao evento promovido pelos tucanos.
"No fim, é uma briga por tempo na TV, visto que o Alckmin é o que mais tem, de sobra", conclui o advogado eleitoral Alberto Rollo.

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