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Após 31 anos, dilema dos fundadores do PT é aderir a Lula ou afastar-se do poder

Lula (direita) e outros sindicalistas conversam antes da reunião de fundação do PT, no colégio Sion - 10.02.1980 Felicio Safady/Folhapress
Lula (direita) e outros sindicalistas conversam antes da reunião de fundação do PT, no colégio Sion Imagem: 10.02.1980 Felicio Safady/Folhapress

Maurício Savarese<br>Do UOL Notícias

Em São Paulo

11/02/2011 07h00

Na festa de aniversário do PT, celebrado na quinta-feira (10), o protagonista foi o mesmo do primeiro encontro para fundar a legenda em 1980: o ex-metalúrgico e agora ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, muitos coadjuvantes daquela reunião no colégio Sion, na capital paulista, ficaram pelo caminho. Uns morreram, outros deixaram a sigla e há também os que permanecem na legenda, mas passaram a trabalhar longe do coração do poder.

Apesar do sucesso eleitoral do partido, que elegeu Lula para o Palácio do Planalto duas vezes e venceu as últimas eleições presidenciais com Dilma Rousseff, muitos dos fundadores que seguem na sigla já abandonaram qualquer ilusão de que o PT vá defender, como nas suas origens, a taxação de heranças, uma ampla reforma agrária ou a estatização de empresas. Os menos conciliadores optaram por iniciar outros partidos.

“Eu não tinha o que fazer no PT. Ali ou você se alia ao Lula ou é escanteado”, disse ao UOL Notícias o ex-petista Plínio de Arruda Sampaio, candidato presidencial derrotado e fundador do PSOL. “Do estatuto que eu escrevi para o PT não sobrou nada. Tem gente ali que eu nem sei o que está fazendo. E esse processo começou nos anos 90, não foi só no governo Lula. Já em 94 diziam que o erro do partido era ser muito radical e não se aliar à classe média.”

É verdade que nem todos os fundadores que deixaram o partido saíram por questões tão esquerdistas quanto as de Plínio. Mas a força interna de Lula e de seu grupo político, aliada a fatores externos, levaram à saída de Francisco Weffort – que acabaria ministro da Cultura do governo Fernando Henrique Cardoso. O tucano José Aníbal, atual secretário paulista de Energia, também figurou no grupo do Sion e precisou buscar espaço em outro partido.

Ainda houve três fundadores que perderam a filiação ao PT por terem votado por Tancredo Neves para presidente no Colégio Eleitoral de 1984. Os deputados Bete Mendes, José Eudes e Airton Soares foram expulsos por terem contrariado o partido – que defendia a volta de um civil ao Palácio do Planalto apenas por meio da pressão popular, e não pelo mecanismo escolhido pelos líderes da ditadura.

Espaço minguado

Um dos políticos mais conhecidos do PT, o senador Eduardo Suplicy (SP) nunca deixou o partido. Apesar de considerar o partido mais distante das bases do que em sua primeira década, ele acredita que resultados positivos do governo Lula na redução da miséria, embora insuficientes, deveriam inspirar aqueles que fundaram a sigla 31 anos atrás. “Estou dentro e luto pelas mesmas coisas daquela época”, afirmou. Ex-colegas consideram isso um erro.

Lula e Hélio Bicudo em campanha, 1982

Politicamente distante de Lula – foi o único no partido a desafiar o agora ex-presidente a disputar prévias para definir a candidatura petista ao Palácio do Planalto –, Suplicy evita críticas diretas à principal estrela do partido, seu amigo. Mas indica que o projeto dos fundadores, de transformar o PT em uma legenda ligada profundamente a suas bases, não encontra eco na cúpula, formada hoje por políticos que nunca passaram perto do colégio Sion.

“Eu acho que precisa ser aprofundado o processo de influência da base do partido sobre a direção. Em alguns casos seria bom estimular isso. Muitas vezes as decisões vem de cima para baixo”, afirma Suplicy, que acredita ter perdido por conta disso a chance de disputar mais vezes os principais cargos do Executivo, como o governo de São Paulo. Em 2006 e em 2010, Lula o preteriu em favor de Aloizio Mercadante, hoje ministro de Ciência e Tecnologia.

Assim como Suplicy, Hélio Bicudo, ex-vice-prefeito de São Paulo e fundador do PT, também se viu cada vez mais afastado das decisões do partido. Já desfiliado, nas últimas eleições presidenciais defendeu voto no tucano José Serra. Para ele, o motivo é simples: “O governo da Dilma não tem nada a ver com o PT original. Ela governa com uma coligação contrária ao espírito democrático e é prisioneira disso. Ela não sabe o que é ter sido PT naquela época”.

Bicudo afirma que não há nenhum partido com o espírito do petismo de 31 anos atrás. “Mudou tudo. Antes era um partido que se propunha a uma função de esquerda e trabalhava com uma atuação ética. Foi só chegar ao poder que mudou e perdeu o sentido. O partido quer o poder para usá-lo, até individualmente. Isso não correspondia àquilo que nós esperávamos. Não é o que se concretizou no primeiro mandato Lula, no mensalão”, afirmou.

Tendências

Desde o ínicio o PT se organiza em correntes – o que levava muitos de seus críticos à esquerda 31 anos atrás de chamá-lo de “partido ônibus”. A corrente majoritária é a hoje chamada de Construindo um Novo Brasil, na qual figuram fundadores que nunca deixaram o PT, como Lula, o ex-ministro e deputado cassado José Dirceu e o ex-governador gaúcho Olívio Dutra. Muitos dos insatisfeitos com o PT, na verdade, foram excluídos das decisões por esse grupo crescente.

Lula e Plínio de Arruda Sampaio, candidato ao governo paulista em 1990 pelo PT

Hoje pacificado, o PT não vive em constante turbulência interna – o que é uma mudança profunda para uma sigla da qual saíram os fundadores de três legendas mais à esquerda: PSTU, PCO e PSOL, que gerou o último êxodo petista logo após o escândalo do mensalão, em 2005. “A estabilidade interna não estava entre as nossas preocupações no colégio Sion”, afirma Bicudo. Plínio completa: “O foco era a capacidade de representar as forças políticas”.

Quando se elegeu presidente do PT, em 2010, José Eduardo Dutra celebrou a tranquilidade política do partido antes da campanha que elegeria a neopetista Dilma para a Presidência da República. Indicada por Lula, do alto dos seus mais de 80% de aprovação popular, ela sempre pareceu uma candidata difícil de ser batida. Mas para os fundadores do PT que tinham pouco a comemorar na quinta-feira, ela não era sequer um retrato desbotado na parede.

“Não fui à festa de aniversário, estou aqui na Namíbia”, disse Suplicy no começo da conversa. “Mandei um e-mail ao presidente, a Dilma e a Lula para parabenizar pelo aniversário do PT.” Estava a quase 7.000 quilômetros de uma festa na qual nem todos os participantes eram aqueles de 31 anos atrás.