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Dirigente do Banco Rural não era "onipresente e onipotente", diz advogado

Fernanda Calgaro e Camila Campanerut*

Do UOL, em Brasília

08/08/2012 16h23Atualizada em 08/08/2012 19h53

O advogado Maurício Oliveira Campos Jr., defensor de Vinícius Samarane, ex-diretor do Banco Rural, afirmou nesta quarta-feira (8) no STF (Supremo Tribunal Federal), em Brasilia, que a Procuradoria Geral da República, autora da acusação contra os réus do mensalão, arrastou para o processo pessoas que não estavam envolvidas no escândalo na época dos acontecimentos mencionados na denúncia.

"Arrasta-se para este processo pessoas que não se encontram no tempo da denúncia", disse. “É como ele [Samarane] pudesse ser onipresente e onipotente."

O réu respondia pela área de controles internos quando o suposto esquema foi revelado e hoje é vice-presidente do banco. A Procuradoria alega que ele deixou de comunicar às autoridades sobre os saques realizados pela agência de Marcos Valério e as irregularidades em empréstimos concedidos pelo banco. Valério é apontado como o operador do mensalão.

Em sua defesa, Samarane afirma que os saques feitos pela agência SPM&B ocorreram antes de ele assumir cargo de direção e que, por isso, ele não teria alertado o Banco Central sobre a movimentação.

"O Banco Rural acabou sendo arrastado para essa crise talvez em razão de algum histórico ou episódio dessa natureza. É absolutamente injusto do ponto de vista da acusação a pessoas. Se em algum momento de sua história esteve o banco envolvido em algum outro episódio de lembrança das pessoas, isso não pode ser atribuído a esses diretores. Julgar esses gestores por fatos de sua história é injusto", disse o advogado de Samarane.

Samarane diz ainda que, com exceção dos dirigentes do Banco Rural, não conhece os outros réus do processo. As acusações contra ele são de formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, evasão de divisas e gestão fraudulenta.

Segundo Campos Jr., seu cliente não participou de decisões da alta cúpula do Banco Rural. "Há uma espécie de incongruência porque se atribui lavagem de dinheiro antes e depois da sua condição de diretor estatutário de controles internos.”

A exemplo de Márcio Thomaz Bastos, que defendeu o réu José Roberto Salgado, ex-vice-presidente operacional do banco, Campos Jr. criticou o depoimento de Carlos Godinho, ex-funcionário do Banco Rural. Segundo ele, Godinho se tornou figura central por "eleição da revista Época, que o tratou como pessoa de confiança da cúpula do banco", mas, em seu depoimento à Justiça, ele disse ser funcionário subalterno. Godinho testemunhou contra os dirigentes.

Segundo o advogado Campos Jr., os valores dos contratos de empréstimo concedidos pelo Banco Rural eram de R$ 19 milhões para a SMP&B, de R$ 10 milhões para a agência Graffiti e de R$ 3 milhões para o PT. 

"Não há um só saque da SMP&B que não tenha sido comunicado ao Banco Central", afirmou.

O julgamento do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal) foi retomado nesta quarta-feira (8) com a sustentação oral do advogado e ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, que defende o réu José Roberto Salgado.

No terceiro dia dedicado às sustentações orais dos advogados dos réus, serão ouvidas as defesas de três pessoas ligadas ao chamado núcleo financeiro do suposto esquema, além das alegações apresentadas pelos defensores do ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha e do ex-ministro de Comunicação Luiz Gushiken.

JOSÉ ROBERTO SALGADO

A primeira defesa de hoje foi de José Roberto Salgado. Thomaz Bastos fez um apelo aos ministros que Supremo para que julguem a matéria com cuidado.

“Tenho certeza que cada um [dos ministros] há de julgar com muito cuidado. Não temos duplo grau de jurisdição. É um julgamento bala de prata, feito uma vez só”, disse, no início de sua sustentação oral na tarde desta quarta-feira (8).

"Aqui é como se fosse um grande júri, com integrantes extremamente qualificados”, afirmou. “Estamos julgando seres humanos, aos quais são imputados delitos de penas altas, num processo difícil de ser julgado, que tem uma junção artificial de fatos”, acrescentou o ex-ministro.

Atualmente, Salgado presta consultoria a empresas em Belo Horizonte, mas, na época do mensalão, segundo a Procuradoria Geral da República, ele aprovou a contratação e a renovação de empréstimos fraudulentos para o PT e as empresas de Marcos Valério, incluindo a agência SMP&B.

Também pesa contra Salgado a acusação de que ele teria transferido ilegalmente dinheiro para o publicitário Duda Mendonça –responsável pela campanha eleitoral de Lula– no exterior. Salgado admite, porém, que movimentou recursos que já estavam fora do país. Ele responde por formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, evasão de divisas e gestão fraudulenta.

Bastos procurou focar sua argumentação na desqualificação do depoimento da testemunha Carlos Godinho. Segundo o advogado, em mais de 30 depoimentos contidos nos autos, ele é a única testemunha que aponta a participação de Salgado nos empréstimos ilegais ao PT e às empresas do publicitário Marcos Valério.

AYANNA TENÓRIO

A terceira ré a ter a sua defesa apresentada será Ayanna Tenório, que assumiu o cargo de vice-presidente do Banco Rural no ano de 2004. O Ministério Público entende que ela autorizou a renovação de empréstimos ilícitos para as empresas de Marcos Valério e não avisou o Banco Central sobre as operações suspeitas.

Na época, ela era responsável pela área de recursos humanos do Banco Rural e afirma que votou a favor das renovações dos empréstimos da Graffiti Participações e da SMP&B por formalidade, seguindo orientação de José Roberto Salgado, que votara neste sentido.

Segundo sua defesa, Ayanna passou a ser responsável por avisar o Banco Central sobre movimentações suspeitas somente após os fatos relatados pela Procuradoria. Ela responde por formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro e gestão fraudulenta.

JOÃO PAULO CUNHA

O quarto réu a ter a sua defesa apresentada será o deputado João Paulo Cunha (PT-SP). A sustentação oral será feita pelo advogado Alberto Toron. Ele ficará encarregado de convencer os ministros do STF de que não procede a acusação de que Cunha foi beneficiado pelo suposto desvio de recursos públicos à agência de Marcos Valério.

De acordo com a Procuradoria, Cunha recebeu R$ 50 mil do esquema para favorecer a empresa de Valério na concorrência pela publicidade da Câmara, quando era presidente da Casa. O procurador-geral, Roberto Gurgel, afirma que a campanha nunca saiu.

O deputado admitiu que sua mulher, Márcia Regina Milanésio Cunha, sacou R$ 50 mil em uma agência do Banco Rural em Brasília, mas afirmou não saber da origem ilícita do dinheiro. Segundo ele, o PT havia enviado a verba para pagar uma pesquisa eleitoral em Osasco, que é seu reduto político.

Cunha já era deputado pelo PT na época das denúncias e foi absolvido no processo de cassação, em 2005. Acabou sendo reeleito em 2006 e 2010 e hoje preside a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, além de ser candidato à Prefeitura de Osasco (Grande SP) este ano. No processo do mensalão, ele responde por lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção passiva e peculato.

LUIZ GUSHIKEN

A última defesa a ser apresentada hoje será a de Luiz Gushiken, que era ministro de Comunicação do governo federal em 2005. A denúncia apresentada ao STF afirma que Gushiken autorizou Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil à época, a adiantar os pagamentos do Fundo Visanet, que tem como maior acionário o Banco do Brasil, para a agência DNA, de Marcos Valério.

Gushiken afirma, porém, que seu cargo não tinha nenhuma relação com a direção do Banco do Brasil. Além disso, a defesa dele alega que o Fundo Visanet é uma sociedade privada, o que eliminaria o crime de peculato (apropriação de patrimônio público pelo servidor), do qual Gushiken é acusado. Em suas alegações finais entregues aos ministros do STF, porém, a Procuradoria decidiu pedir sua absolvição por falta de provas. Ainda assim, o ex-ministro pode ser condenado pelo Supremo.

Entenda o dia a dia do julgamento

Entenda o mensalão

O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O processo tem 38 réus, incluindo membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil). No total, são acusados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.

O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo federal e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.

O tribunal vai analisar acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.

*Colaboraram Fabrício Calado e Guilherme Balza