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Defesa de Professor Luizinho (PT) culpa assessor "Zé Linguiça" por saques do valerioduto

Camila Campanerut*

Do UOL, em Brasília

14/08/2012 16h59Atualizada em 14/08/2012 19h00

O advogado Pierpaolo Cruz Bottini, defensor do ex-deputado federal Professor Luizinho (PT-SP) no julgamento do mensalão, procurou responsabilizar José Nilson dos Santos, assessor do parlamentar, conhecido como "Zé Linguiça", pelos saques realizados do valerioduto. A sustentação oral de Bottini foi apresentada na tarde desta terça-feira (14), no STF (Supremo Tribunal Federal), em Brasília.

Veja trecho da defesa de Professor Luizinho

O ex-deputado, que na época era líder do governo na Câmara dos Deputados, é acusado de receber R$ 20 mil do valerioduto e responde pelo crime de lavagem de dinheiro. Segundo a Procuradoria Geral da República, Luizinho pediu que o assessor sacasse a quantia. O procurador-geral, Roberto Gurgel, afirma que as provas colhidas confirmam três fatos: o acusado pediu dinheiro a Delúbio Soares; Delúbio falou com Marcos Valério, que disponibilizou os recursos; e o acusado mantinha contatos constantes com Valério.

A defesa nega e sustenta que José Nilson era militante do PT, amigo do então tesoureiro do partido, Delúbio Soares, e agiu por conta própria ao fazer os saques. “Ele gozava de uma amizade tão grande com o Delúbio a ponto de ser chamado de 'Zé Linguiça' por ele”, afirmou o defensor. O argumento da defesa é que, como Nilson, responsável pelo saque, não foi denunciado no processo, não há sentido em denunciar Luizinho.

Bottini afirma que José Nilson dos Santos perguntou ao deputado se havia dinheiro para as campanhas do PT em 2004. Segundo o advogado, a pedido do assessor, Professor Luizinho fez uma ligação para Delúbio perguntando se haveria dinheiro para pré-campanha, ao que Delúbio respondeu que pedisse ao "Zé Linguiça" para combinar com ele. "Simples telefonema é a participação de Professor Luizinho [no esquema]", alegou o defensor.


Delúbio, então, liberou o dinheiro para José Nilson, que foi à agência do Banco Rural, na avenida Paulista, sacar o montante, afirma Bottini. Segundo o advogado, o saque foi regular, e Nilson chegou até a assinar um recibo da movimentação financeira.

"O dinheiro não foi recebido em potes, em pacotes, em quartos de hotéis. [...] Ele [José Nilson dos Santos] foi à agência do Banco Rural, na avenida Paulista, em horário comercial, e assinou recibo. Se isso é lavagem de dinheiro, trata-se da lavagem de dinheiro mais solene, pública e transparente da história da lavagem de dinheiro brasileira", afirmou o advogado.

Ainda de acordo com a defesa, os recursos foram usados para pagar um designer de camisetas, que prestou serviços para o PT. O material teria sido entregue a três candidatos a vereador no interior de São Paulo. "Essa é a sofisticada lavagem de dinheiro atribuída ao professor Luizinho", ironizou. 

O defensor disse ainda que o assessor de Luizinho acreditava que o dinheiro sacado no Banco Rural era do PT e que só mais tarde soube-se que era da SMP&B, empresa de Marcos Valério. Bottini afirmou que José Nilson e seu cliente não tinham conhecimento de uma suposta origem ilícita do dinheiro.

"Se é ou não é [caixa dois], isso passa ao largo dele, que nem sabia dos R$ 20 mil", disse Bottini, após sua sustentação oral, sobre a suposta prática de caixa dois no partido. 

Lavagem de dinheiro

O advogado especialista em direito público Adib Kassuof Sad, que acompanha o nono dia do julgamento do mensalão na redação do UOL, afirmou que o posicionamento do STF sobre lavagem de dinheiro "vai servir de ponto de apoio para outras decisões no país". "Não é um crime cuja composição seja simples, (...) porque depende de um crime antecedente", explicou Sad.

Lavagem de dinheiro é crime complexo, diz especialista

Crime antecedente é o que deve ser cometido antes do crime de lavagem de dinheiro. Na época do mensalão, em 2005, havia uma lista de crimes que se caracterizavam como antecedente, tais como crimes contra o sistema financeiro, contra a administração pública, tráfico de drogas, etc. Atualmente, qualquer crime pode ser caracterizado como antecedente, desde que o crime permita que o dinheiro seja recolocado no mercado.

Anita Leocádia

O advogado Maximiliano Leal Telesca Mota, defensor de Anita Leocádia que antecedeu Bottini, procurou desqualificar acusação contra sua cliente que consta da denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República.

“Essa denúncia não resiste a um olhar sereno e a uma jurisprudência”, afirmou o advogado. Secretária do ex-deputado federal Paulo Rocha (PT-PA), que também é réu no processo, Leocádia é acusada de lavagem de dinheiro, e a denúncia diz que ela sacou R$ 620 mil do valerioduto para Rocha. 

Na sequência, o advogado disse que o julgamento do mensalão precisa de “um choque de serenidade, de uma bomba que produza calma, jurisprudência e tranquilidade”.

O advogado afirma que a denúncia "tem um erro", pois atribui a Leocádia sete condutas, mas foram, segundo ele, cinco: "foram quatro saques no Banco Rural e em outra ocasião ela recebeu dinheiro de uma pessoa em São Paulo". O advogado afirma que esse recebimento ocorreu numa sala de reuniões e não em um quarto de hotel, como diz a acusação.

Segundo Mota, sua cliente cumpriu uma ordem superior ao fazer os saques do valerioduto e não tinha conhecimento da suposta origem ilícita dos recursos, o que, diz ele, derruba a acusação de lavagem de dinheiro. “Se o sujeito na condição de delito não tem certeza absoluta da origem dos bens não se pode considerar lavagem.”

O defensor afirmou ainda que a Procuradoria não teve critérios ao fazer a denúncia. “Anita Leocádia foi incluída e ficaram de fora dessa denúncia pessoas que receberam dinheiro de carro forte e entregaram valores a agentes públicos.”

Paulo Rocha

Antes, o advogado João dos Santos Gomes Filho, que defende o ex-deputado Paulo Rocha (PT-PA), disse que era "evidente" que os recursos repassados pelo diretório nacional do PT, oriundos de empréstimos intermediados por Marcos Valério, eram para a caixa dois de campanha.

Gomes Filho citou a sustentação oral de Arnaldo Malheiros Filho, que defende o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, no julgamento, apresentada no Supremo no último dia 6, para confirmar a existência de caixa dois. “Quando vejo meu professor, Arnaldo Malheiros, dizer que é evidente que isso era um caixa dois, fiquei tranquilo. Me pareceu desde o começo que isso era um caixa dois, porque é evidente!”, afirmou o advogado.

A prática conhecida como caixa dois consiste na arrecadação de dinheiro não declarado para gastos com campanha e é considerada crime eleitoral. Além de Gomes Filho e Malheiros Filho, vários defensores de réus do mensalão, entre eles dos parlamentares ligados ao PT, PL e PP, admitiram que os recursos recebidos pelos acusados era para caixa dois. “É uma prática recorrente no Brasil o uso de caixa dois. É muito duro falar isso”, disse Gomes Filho.

O ex-deputado Paulo Rocha é acusado de lavagem de dinheiro e de receber pelo menos R$ 820 mil do empresário Marcos Valério, apontado como operador do suposto esquema. O envolvimento no caso o levou a renunciar ao mandato de deputado em 2005, para evitar a cassação.

João Magno

Já o ex-deputado João Magno (PT-MG), quarto a ser defendido, é acusado de ter recebido cerca de R$ 350 mil do suposto esquema por meio de dois intermediários para votar seguindo a orientação do partido, em favor dos interesses do governo federal.

Ele também é acusado de lavagem de dinheiro e deverá utilizar a mesma argumentação de outros parlamentares: a de que usou o dinheiro para quitar dívidas de campanha. À época do mensalão, o parlamentar foi absolvido pelos seus pares na Câmara dos Deputados, que votaram contra a cassação de seu mandato.

Anderson Adauto

O ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto, o último a ser defendido hoje, é acusado dos crimes de corrupção ativa e lavagem de dinheiro. De acordo com o Ministério Público, ele recebeu pelo menos R$ 900 mil a mando do então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e do ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, para pagar parlamentares para votar com o governo. Hoje, ele é prefeito de Uberaba (MG), eleito em 2008 pelo PMDB.

A defesa de Adauto deve alegar que ele recebeu R$ 410 mil por meio do então chefe-de-gabinete, José Luiz Alves, para sanar dívidas da campanha de 2002 e negar que teria dado dinheiro para parlamentares do PTB votarem com o governo.

Entenda o mensalão

O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O processo tem 38 réus, incluindo membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil). No total, são acusados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.

O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo federal e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.

O tribunal vai analisar acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.

*Colaboraram Fernanda Calgaro, em Brasília, e Guilherme Balza, em São Paulo

O dia a dia do julgamento