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Lewandowski contraria Barbosa e vota pela absolvição de João Paulo Cunha de todos os crimes

Camila Campanerut*

Do UOL, em Brasília

23/08/2012 15h30Atualizada em 23/08/2012 20h53

O revisor do processo do mensalão, Ricardo Lewandowski, votou pela absolvição do deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) das acusações de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e de dois crimes de peculato (uso de cargo público para desviar dinheiro).

Assim, o revisor contrariou completamente o voto do relator Joaquim Barbosa, em sessão do julgamento do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal), realizada nesta quinta-feira (23). Cunha é o único dos 37 réus que é candidato nas eleições deste ano; ele concorre à Prefeitura de Osasco (SP).

O voto de hoje configura a primeira divergência entre revisor e relator, já que ontem Lewandowski seguiu Barbosa ao condenar outros réus. Nos bastidores, o voto do revisor é visto como um contraponto ao do relator, que foi bastante rigoroso nas condenações já proferidas.

Para o advogado criminalista Fabio Tofic Simantob, que acompanha na redação do UOL a sessão do julgamento do mensalão de hoje, "o voto do ministro Lewandowski está sendo técnico". "O voto do revisor não é só divergente no conteúdo, quando comparado ao do relator, mas também na forma. Lewandowski é mais claro e objetivo em seus argumentos", avalia.

Corrupção passiva

Cunha é acusado de ter recebido R$ 50 mil do publicitário Marcos Valério --apontado como o operador do mensalão-- em troca de favorecimento à agência SMP&B, de Valério, em uma licitação para contratos com a Câmara dos Deputados, que era presidida por Cunha entre 2003 e 2005, na época do suposto esquema.

O dinheiro foi sacado em espécie pela mulher do parlamentar, Márcia Regina, em uma agência do Banco Rural em Brasília.

Ao analisar a acusação, o revisor afirmou que é necessário provar que houve ato de ofício para comprovar a corrupção. Ato de ofício é o ato praticado por funcionário público dentro de suas atribuições como servidor –o ato de oficio é pressuposto do crime de corrupção ativa e qualificador de corrupção passiva, quando o servidor recebe vantagem por praticar ou omitir tal ato.

“O Ministério Público não apontou o ato de ofício. (...) Não logrou produzir uma prova sequer, nenhum indício, que João Paulo Cunha tenha procurado os membros da comissão de licitação ou favorecido a [agência de Marcos Valério] SMP&B", argumentou.

Segundo Lewandowski, não há provas nos autos que incriminem Cunha. “Não há na alegação final nenhuma prova do tratamento privilegiado durante o certame.”

Lewandowski disse ainda que, se houvesse alguma suspeita de irregularidade na licitação, os demais concorrentes iriam contestar o resultado, o que não aconteceu.

Para o revisor, os R$ 50 mil foram entregues pela agência para pagamento de uma pesquisa eleitoral em Osasco, para as eleições de 2004 –como alega a defesa de Cunha.

“Os R$ 50 mil nada tinham a ver com a licitação, mas uma relação clara com a pesquisa eleitoral que tinha que se fazer em Osasco. Não há ligação entre a suposta vantagem indevida e o ato de ofício”, afirmou Lewandowski, citando depoimentos que comprovariam a situação.

Ainda segundo o revisor, o dinheiro foi separado pelo então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e entregue por intermédio de Marcos Valério.

Ainda citando depoimentos, o revisor disse que “era comum a ocorrência de pagamento em dinheiro para a remuneração de pesquisas eleitorais”.

"Penso que ficou bem demonstrado que o réu solicitou os R$ 50 mil ao partido para pagar uma pesquisa eleitoral efetivamente realizada. Não ficou caracterizada a prática do crime de corrupção passiva", alegou Lewandowski.

O revisor ainda entendeu que os presentes dados por Valério a Cunha –uma caneta Montblanc e passagens aéreas para a secretária do parlamentar– não provam que houve corrupção. "Há ausência do ato de ofício cometido em contrapartida, de resto não identificado pela acusação.”

Em seu voto sobre o deputado na semana passada, o relator do processo, Joaquim Barbosa, votou pela condenação de Cunha pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato.

Peculatos

Lewandowski também rejeitou a acusação contra o deputado por dois peculatos. Segundo acusação da Procuradoria, João Paulo Cunha foi conivente para que a agência SMP&B fizesse a subcontratação de mais de 99,9% dos serviços para os quais foi contratada para executar na Câmara dos Deputados, o que caracterizaria crime de peculato. "Rejeito essa acusação, que partiu da falsa premissa, rejeitada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) e pela Polícia Federal", disse. 

O deputado é acusado ainda de ter desviado R$ 252 mil para forjar a contratação de um assessor ligado a SMP&B --por meio dos serviços da empresa de mídia IFT-- para benefício próprio e não para a Câmara dos Deputados, o que seria o segundo peculato. 

A acusação argumenta que, do contrato de mais de R$ 10 milhões com a Câmara dos Deputados, apenas cerca de R$ 17 mil foram pagos por serviços efetivamente prestados pela SMP&B. Segundo a Procuradoria Geral da República, o restante dos serviços não teria sido realizado.

Lewandowski citou perícia da Polícia Federal, que atesta que os serviços foram efetivamente prestados e não houve terceirização fictícia. Para o ministro, para que se caracterize o crime de peculato, Cunha teria que ter se beneficiado, em razão do cargo público que ocupava, com a posse direta ou indireta do bem desviado, o que, para Lewandowski, não ocorreu.

"Para configuração do crime, é essencial que o agente tenha, em função do cargo, a posse direta ou indireta do recurso. Embora seja certo que João Paulo Cunha tivesse o poder de autorizar a contratação, não se pode dizer que detinha a posse dos recursos. Quem autorizava os pagamentos era o diretor-geral da Câmara, Sérgio Sampaio", disse o revisor.

Lewandowski citou uma observação feita na exposição do ministro Joaquim Barbosa, que firma que o contrato proibia a subcontratação de empresas. No entanto, o ministro disse que relatório do TCU apontou que, embora inicialmente a irregularidade dissesse respeito ao total da subcontratação de 99,9% do contrato, o que configuraria infração legal, verifica-se pelos dados que o percentual foi de 88,68%, índice "que, apesar de alto, pode ser considerado normal."

O ministro afirma que, segundo o TCU, "não houve desvio de dinheiro público" e que é normal que agências de publicidade façam subcontratações. Lewandowski citou também depoimentos de diretores de agências de publicidade que confirmaram que é comum contratar serviços de terceiros, como gráficas e produtoras, já que a regulamentação da atividade publicitária não permite essas funções nas agências.

O revisor citou depoimentos de mais presidentes de agências de publicidade, que confirmaram que, nas suas próprias empresas, é comum subcontratar de 70% a 90% dos serviços. De acordo com o ministro, o contrato entre a SMP&B e a Câmara dos Deputados não estabelece limite para a subcontratação de serviços.

"A terceirização de serviços e subsequente remuneração estavam expressamente previstas no contrato", disse Lewandowski.

Ainda segundo o ministro, o TCU constatou que o gasto da SMP&B com veículos de comunicação foi feito de "maneira regular e lícita". Lewandowski leu uma lista de veículos de comunicação que receberam dinheiro da SMP&B para veicular anúncios, no valor total de mais de R$ 7 milhões.

Por fim, Lewandowski classificou de paradoxal a acusação contra o deputado. "Se não há acusação contra João Paulo Cunha de formação de quadrilha, como ele poderia estar prestando serviço para esse grupo [de Marcos Valério]? É um paradoxo."

Lewandowski também absolveu João Paulo Cunha pela segunda acusação de peculato. A denúncia afirma que o jornalista Luiz Costa Pinto, dono da IFT, já era assessor de Cunha e foi feita a subcontratação da empresa como uma artimanha para que ele tivesse uma remuneração maior.

Em depoimento, testemunhas disseram que não se lembravam de ter visto os boletins que o jornalista deveria ter feito. Dessa forma, os serviços contratados não teriam sido prestados. O ministro leu trecho de laudo da Polícia Federal que aponta que há indícios de que os serviços não foram mesmo realizados.

No entanto, o revisor afirmou que encontrou nos autos diversas provas de que os serviços foram efetivamente prestados pela IFT. Lewandowski citou notas fiscais emitidas pela SMP&B em nome da IFT, que comprovariam que os serviços de comunicação ocorreram. O ministro citou vários depoimentos, inclusive de um funcionário da Câmara dos Deputados, que afirma que a execução dos serviços era fiscalizada e as notas fiscais passavam por outros departamentos para verificação. “Não há um único depoimento no processo que afirme que Luiz Costa Pinto não tenha prestado serviços.”

O revisor ressaltou, citando outros depoimentos, que o assessor prestava serviços à Câmara e não somente a Cunha. As afirmações de Lewandowski contrariam a do voto de Barbosa, que citou depoimentos relatando que os serviços não foram prestados pela IFT à Casa.

Lavagem de dinheiro

Para Lewandowski, João Paulo Cunha também não pode ser considerado culpado pelo crime de lavagem de dinheiro. “Após uma revisão dos autos, penso agora que os ministros Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes e Eros Grau estavam cobertos de razão, ao assentarem que a conduta praticada pelo réu não se amolda sob nenhum ângulo ao crime de lavagem de dinheiro”, disse o revisor, relembrando votos proferidos em 2007, quando o STF aceitou a denúncia da Procuradoria.

Segundo a acusação, Cunha dissimulou a origem e o recebimento de R$ 50 mil do grupo de Valério, o que configuraria o crime. Mas, para o ministro-revisor, a mulher do parlamentar “foi à agência bancária sacar, diante da apresentação da cédula de identidade e assinatura de recibo idôneo, sem nenhuma simulação. Tudo feito às claras”.

Primeiros votos do revisor

Ontem (22), o revisor Lewandowski endossou o voto do relator e votou pela condenação do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, do publicitário Marcos Valério e de seus ex-sócios, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, e pediu a absolvição do ex-secretário de Comunicação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, Luiz Gushiken --assim como havia sido feito pelo relator e pelo procurador-geral, Roberto Gurgel..

Os ministros vão proferir seus votos pela metodologia “fatiada”, seguindo o formato de capítulos da denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República. Cada capítulo contém blocos de crimes referentes aos 37 réus do caso.

Depois de Lewandowski, os votos serão lidos de acordo com a ordem crescente da entrada dos ministros na Suprema Corte, da seguinte forma: Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Carlos Ayres Britto –que, como presidente do STF, é sempre o último a votar. Os ministros não têm limite de tempo para falar, sendo assim, não há previsão para o fim do julgamento, que é o maior da história do Supremo.

Uma das principais dúvidas é se o ministro Cezar Peluso, que se aposenta compulsoriamente no dia 3 de setembro, ao completar 70 anos, vai conseguir apresentar seu voto integral sobre todos os réus.

Entenda o dia a dia do julgamento

Entenda o mensalão

O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O processo tem 38 réus --um deles, contudo, foi excluído do julgamento no STF, o que fez o número cair para 37-- e entre eles há membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil). No total, são acusados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.

O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo federal e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.

O tribunal vai analisar acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.

*Com colaboração de Guilherme Balza, em São Paulo, e Fernanda Calgaro, em Brasília, e informações da Agência Brasil