Relator vota pela condenação de João Paulo Cunha por quatro crimes e de Valério por dois
O relator do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, iniciou seu voto nesta quinta-feira (16) pedindo a condenação do publicitário Marcos Valério e do deputado federal João Paulo Cunha (PT) pelos crimes de corrupção ativa e passiva, respectivamente. Barbosa votou também pela condenação de Cunha por dois peculatos e de Valério por um. O ministro defendeu ainda a condenação de Cunha pelo crime de lavagem de dinheiro.
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João Paulo Cunha é o único réu do processo candidato nas eleições municipais deste ano --ele vai disputar a Prefeitura de Osasco (Grande SP) pelo PT.
Barbosa considerou ainda que os ex-sócios de Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, devem ser condenados por corrupção ativa e peculato. O relator ainda não avaliou todos os crimes imputados a Valério e seus então sócios --falta avaliar os crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e evasão de divisas de cada um dos três réus.
Hoje começou efetivamente a fase dos votos no processo do mensalão, que vai culminar com a absolvição ou condenação dos réus. A sessão, marcada por discussões entre Barbosa e o revisor, ministro Ricardo Lewandowski, foi suspensa por volta de 19h25 e será retomada na próxima segunda-feira (20).
Especialista comenta início do voto do relator
O voto do relator está previsto para durar de três a quatro dias --ao longo do qual ele vai apontar seu entendimento sobre todos os crimes imputados aos 37 réus do julgamento.
Na sequência, votará o revisor, Ricardo Lewandowski, que será então sucedido pelos outros nove ministros, por ordem crescente de antiguidade na Corte. Na fase de votação dos ministros, estão programadas sessões às segundas, quartas e quintas-feiras. Caso não haja sessões extras, é possível que o ministro Cezar Peluso não possa votar, já que ele se aposenta compulsoriamente em 3 de setembro próximo. Peluso, contudo, pode pedir para adiantar seu voto.
Crimes de corrupção
Segundo Barbosa, Cunha e Valério praticaram atos de corrupção entre 2003 e 2004, época em que o petista presidia a Câmara dos Deputados e assinou contratos de prestação de serviços da Casa com as empresas de Valério. “Corrupção passiva e ativa ficam evidentes entre João Paulo Cunha, Marcos Valério e seus sócios”, afirmou o relator.
Cunha era deputado pelo PT na época das denúncias e foi absolvido no processo de cassação na Câmara em 2005. Acabou sendo reeleito em 2006 e 2010 e hoje preside a Comissão de Constituição e Justiça da Casa.
Segundo a acusação, Cunha "autorizou a subcontratação da empresa IFT - Idéias, Fatos e Textos, de propriedade do jornalista Luiz Carlos Pinto, pela SMP&B Comunicação, para prestar serviços de assessoria de comunicação”. Na denúncia, a Procuradoria diz que os serviços não foram prestados e que a finalidade do contrato era permitir que o jornalista continuasse assessorando Cunha. A Procuradoria também acusa o réu de favorecer as empresas de Valério na Câmara.
Advogado diz que R$ 50 mil recebidos por Cunha não eram fruto de corrupção
A defesa de João Paulo Cunha, feita pelo advogado Alberto Toron, afirmou que os R$ 50 mil sacados pelo réu no Banco Rural não são fruto de corrupção
O ministro Joaquim Barbosa citou os R$ 50 mil recebidos por Cunha, logo após ele assinar um contrato de R$ 11 milhões entre a Casa e a SMP&B, empresa de Valério. O dinheiro foi retirado pela mulher de Cunha em uma agência do Banco Rural em Brasília.
Segundo Barbosa, Cunha mudou várias vezes a versão sobre o recebimento do dinheiro, conforme foram aparecendo denúncias contra ele. Primeiramente, diz o relator, ele negou ter recebido o montante. Após a descoberta que sua mulher compareceu à agência do Banco Rural para retirar o dinheiro, ele disse que ela foi até a agência para resolver pendências com relação a uma televisão por assinatura.
Por fim, segundo Barbosa, Cunha apresentou a versão de que os R$ 50 mil não eram de propina, e sim para pagar uma campanha eleitoral. O relator contestou o argumento da defesa de que se, fosse de propina, Cunha teria pegado o dinheiro no dia anterior, já que esteve reunido com Valério em sua casa, em Brasília.
Barbosa ratificou a versão da acusação, de que o montante recebido era propina paga por Valério em razão de a agência SMP&B ter vencido uma licitação na Câmara. "A vantagem indevida de R$ 50 mil oferecida pelo sócio da agência foi um claro favorecimento privado (...) em benefício próprio de João Paulo Cunha", alegou.
Segundo o ministro, uma auditoria apontou que a agência não cumpria os requisitos mínimos exigidos pelo edital de uma licitação anterior. O relator afirma ainda que o retorno de trabalho da agência foi "ínfimo" em comparação com o valor do contrato.
Lavagem de dinheiro
Conforme o relator, o saque de valores em dinheiro, sem a identificação formal do beneficiário real dos valores, de acordo com as normas bancárias, configurou lavagem de dinheiro oriundo de crime contra a administração pública.
O ministro afirma que a transação financeira pela qual Cunha recebeu R$ 50 mil da SMP&B não passou pelos procedimentos usuais e foi ocultada pelo Banco Rural. O relator ressalta que o dinheiro mandado de Belo Horizonte pela SMP&B era para o réu João Paulo Cunha, que enviou a sua mulher para fazer o saque em uma agência do Banco Rural em Brasília.
Barbosa afirma que Cunha tinha certeza de que o saque não seria localizado pois chegou a dizer que a sua mulher tinha ido até a agência bancária pagar uma conta de TV a cabo. No entanto, segundo o ministro, embora o beneficiário do dinheiro estivesse indicado como sendo a própria SMP&B, sem identificar João Paulo Cunha, o valor de R$ 50 mil foi registrado pelo banco.
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Barbosa lembra que a defesa de João Paulo Cunha argumentou que, se ele soubesse que o dinheiro tinha origem ilícita, não teria enviado a própria mulher para fazer o saque na agência. O ministro alega que Cunha "utilizou-se de uma pessoa de sua confiança, que não revelaria o recebimento do dinheiro a terceiros". O recurso era da agência SMP&B, de Marcos Valério, e foi recebido no dia 4 de setembro em 2003.
Peculato
Para Barbosa, o peculato pelo qual pede a condenação de Cunha, Valério e seus ex-sócios, se consumou pelo fato da SMP&B, durante o período que serviu à Câmara dos Deputados, “foi em essência mera recebedora de honorários”, dado às inúmeras subcontratações que realizou para fazer os serviços.
O crime de peculato caracteriza-se quando um funcionário público apropria-se de dinheiro, valor ou qualquer outro bem para obter vantagens. Segundo o advogado e professor de processo penal Frederico Figueiredo, que comenta na redação do UOL o julgamento do mensalão no STF nesta quinta-feira (16), também pode ser acusado de peculato uma pessoa que não é funcionária pública, mas que atuou como corréu com um servidor.
"Vejam a natureza fraudulenta da licitação que resultou na contratação da SMP&B pela Câmara dos Deputados depois de o deputado João Paulo Cunha ter recebido R$ 50 mil", disse Barbosa.
O relator disse ainda que, até 2002, a Câmara dos Deputados utilizava-se apenas do rádio, TV, jornal da Câmara e do site para levar informações ao público das atividades do órgão. Depois daquele ano, passou a fazer licitação para a contratação de agências. Barbosa afirmou ainda que a defesa de Cunha mentiu ao dizer que as empresas prestavam serviço em gestões anteriores, como a de Aécio Neves (PSDB).
Barbosa mencionou ainda que, na prestação de contas da SMP&B, constam serviços que não tinham relação com o contrato de publicidade, como serviços de "engenharia e arquitetura”. Para o relator, como a escolha das subcontratadas era feita pelos funcionários da Câmara, isso revela que João Paulo Cunha tinha acesso ao dinheiro, que deveria estar com a agência SMP&B.
O ministro ressalta que a agência de publicidade recebeu dinheiro público por 14 meses, até a saída de João Paulo Cunha da presidência da Câmara, "não obstante a sua participação quase nula na execução do contrato". Barbosa afirma ainda que os contratos com a Câmara dos Deputados "produziram o enriquecimento ilícito" de Marcos Valério e seus sócios.
O relator votou pela condenação de Cunha por outra acusação de peculato, dessa vez no contrato da Câmara com a empresa IFT (Ideias, Fatos e Textos), do jornalista Luís Costa Pinto.
Segundo Barbosa, o jornalista já trabalhava como assessor de Cunha quando a sua empresa foi subcontratada pela agência Denison, que cuidava da publicidade da Câmara dos Deputados durante a gestão de Aécio Neves.
“João Cunha sabia que estava contratando seu assessor pessoal [Luís Costa Pinto]. É clara a violação do princípio da impessoalidade. [Cunha] Estava ciente de que não se tratava de uma subcontratação de serviços, mas sim de uma contratação direta”, afirmou o ministro.
Outro lado
A defesa de João Paulo Cunha admite que sua mulher sacou R$ 50 mil em uma agência do Banco Rural, mas diz que ele não sabia que o dinheiro tinha origem ilícita. Nega ainda que Cunha tenha favorecido a empresa de Marcos Valério na Câmara.
Já a defesa de Valério diz que os empréstimos para suas empresas foram legítimos e que o dinheiro emprestado por ele ao PT era destinado ao pagamento de dívidas de campanha. A defesa de Cristiano Paz alega que seu cliente não tinha responsabilidade pelos setores administrativos e financeiros das agências, enquanto a defesa de Ramon Hollerbach alega que, quando entrou como sócio no grupo SMP&B, as empresas já estavam constituídas e que seu cliente era responsável apenas pelo setor de produção publicitária.
O advogado de Valério, Marcelo Leonardo, acompanhou no plenário do STF a leitura de Barbosa e não quis comentar o voto. "Neste momento, eu não me manifesto sobre o voto do relator. Irei aguardar a leitura dos votos dos outros ministros. [O voto do relator] não me preocupa. Não tenho nenhuma expectativa em relação ao voto dele."
Para o defensor de Hollerbach “o relator não apontou prova alguma referente” a seu cliente. “As provas que ele citou são referentes ao inquérito. O relator presume a culpa dele”, afirmou Hermes Vilchez Guerrero. Sobre o estranhamento apontado pelo relator sobre a presença de Hollerbach na Câmara, Guerrero afirmou que isso é natural. “Ele trabalha com isso e tinha que ir para a Câmara dos Deputados para saber até do que se tratava o projeto para poder participar da licitação.”
Guerrero disse ainda que já esperava esse posicionamento do relator. “Eu, embora respeite muito o cargo do relator, não tenho expectativa favorável. A decisão dele não me surpreende até porque ele disse que iria seguir o roteiro da Procuradoria Geral da República. Agora, os outros ministros certamente não vão condenar sem provas”, finalizou.
Os advogados de João Paulo Cunha e Cristiano Paz não foram localizados pela reportagem.
Bate-boca
Logo no início de seu voto, Barbosa e Ricardo Lewandowski, respectivamente relator e revisor do processo do mensalão, voltaram a bater-boca. É segunda vez que eles travam uma discussão acalorada no julgamento do mensalão. Dessa vez, o tema que gerou discórdia foi a forma como Barbosa decidiu apresentar seu voto.
O relator anunciou que irá ler seu voto por itens organizados pela denúncia da Procuradoria Geral da República, lida em 2007. Prontamente Barbosa foi interrompido por Lewandowski, que considerou que, com a metodologia, o relator estivesse concordando de início com a tese da Procuradoria de que existiram núcleos no esquema do mensalão.
“Queria dizer que, como revisor, me oponho a essa metodologia. Estaremos adotando a lógica do Ministério Público e admitindo que existem núcleos”, disse o revisor. Em seguida, Lewandowski disse que Barbosa “tem uma ótica ao que se contém na denúncia”, o que irritou o relator.
“Isso é uma ofensa. Não venha Vossa Excelência me ofender também”, retrucou Barbosa. “Como sabe da minha ótica, se jamais conversou comigo sobre isso?”, questionou. Na sequência, todos os ministros votaram a favor de Barbosa, para que ele apresentasse seu voto da maneira que achasse melhor.
Os dois ministros voltaram a discutir no encerramento da sessão, após Lewandowski novamente questionar a metodologia do voto de Barbosa. O revisor afirmou que lerá seu voto de maneira "totalmente diferente", analisando a conduta de cada réu.
Após o fim da sessão no STF, o ministro Marco Aurélio voltou a chamar o relator do processo de “todo-poderoso”. Na terça-feira, ele já havia usado esse adjetivo referindo-se ao colega quando soube que o relator queria iniciar a leitura do seu voto ontem, o que acabou acontecendo.
Marco Aurélio disse ainda que, em conversa com o presidente do STF, Ayres Britto, fez um apelo: “O que está em jogo é a Constituição e que prevaleça o bom senso”. Ele defendeu ainda que Britto é quem tem que atuar como intermediário entre os dois ministros em conflito: Barbosa e Lewandowski. "Quem tem que ceder é o ministro e o colegiado, cobrar o voto integral”, disse Marco Aurélio.
O ministro criticou ainda o modelo que o relator pretende apresentar o seu voto, seguindo o modelo da denúncia da Procuradoria. “Eu estou muito preocupado. Se cada qual puder escolher quem vai julgar em primeiro lugar, nós não vamos chegar a um entendimento. Uma coisa é a forma do voto, outra, o julgamento em si.”
Marco Aurélio argumenta que o ministro Joaquim Barbosa está mudando o formato de julgamento que se usou até então e, além de ferir a Constituição, a alteração causa confusão entre os ministros, o que prolonga ainda mais as sessões. O magistrado defende que Barbosa apresente seu voto na íntegra, depois o ministro-relator o dele e os demais ministros na sequência. “Não disputamos coisa alguma, não temos a capacidade intelectual em disputa.”
Sobre a mudança da metodologia de voto, o advogado Marcelo Leonardo, defensor de Marcos Valério, se disse “surpreso” com novo formato de Joaquim Barbosa. “Um tipo de votação no mérito, nós nunca vimos”, definiu. “O tribunal faz o que achar que deve. Nós todos ficamos surpreendidos. Só agora entendemos a diferença entre o voto do relator e do revisor. Na realidade, o regimento recomendava que primeiro tivesse o voto integral do relator, para depois ter o integral voto do revisor e em seguida os demais votarem."
Já o advogado Hermes Guerrero afirmou: "Eu ouvia um zunzunzum de que isso poderia ocorrer. Eu ouvia isso e não acreditava que ia acontecer. Julgar o crime e não julgar a pessoa. Eu espero que até segunda-feira, isso seja ajustado”.
Entenda o mensalão
O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Lula. O processo tem 38 réus, incluindo membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil). No total, são acusados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.
O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo federal e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.
O tribunal vai analisar acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.
*Colaboraram Fernanda Calgaro, em Brasília, e Guilherme Balza, em São Paulo
Entenda o dia a dia do julgamento
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