Topo

Para relator do mensalão, lavagem de dinheiro foi "orquestrada", e "Marcos Valério mentiu"

Camila Campanerut*

Do UOL, em Brasília

10/09/2012 15h38Atualizada em 10/09/2012 16h34

O ministro Joaquim Barbosa, relator do processo do mensalão, afirmou que a lavagem de dinheiro do esquema foi uma ação “orquestrada” dos réus do Banco Rural, em parceria com as empresas de Marcos Valério --apontado como o operador do mensalão. O relator disse também que o publicitário mentiu em juízo para tentar livrar-se da acusação de lavagem.

As afirmações foram feitas nesta segunda-feira (10), em sessão no STF (Supremo Tribunal Federal), em Brasília, durante a análise de Barbosa a respeito da acusação de lavagem de dinheiro imputada a dez réus do Banco Rural e das empresas de Valério. As acusações constam do item 4 do processo --tópico que começou a ser analisado hoje.

"O acervo probatório, tanto as testemunhas, quanto os documentos juntados, confirma a tese da acusação [de que houve lavagem de dinheiro]” disse o ministro-relator, que citou vários laudos periciais para demonstrar sua tese, de que o banco cometeu uma série de irregularidades em “ações orquestradas”.

Clique na imagem e veja como cada ministro já votou no mensalão

  • Arte UOL

Segundo Barbosa, "Marcos Valério mentiu em seu interrogatório” quando se defendeu da acusação de lavagem de dinheiro. “É interessante observar que ele muda de versão conforme as circunstâncias", disse o ministro.

De acordo com Roberto Delmanto Junior, advogado criminalista e conselheiro da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil) que acompanha na redação do UOL a sessão de hoje, a colocação de Barbosa "abre um precedente bastante delicado, que se choca com a Constituição".

"No Brasil, os réus podem silenciar e, se falarem, não têm o dever de dizer a verdade; não cometem perjúrio, ao contrário do que ocorre nos EUA", afirmou o advogado.

Terceira fatia

Nesta “terceira fatia” do julgamento, serão novamente julgados os réus do núcleo financeiro do Banco Rural: Kátia Rabello, ex-presidente; José Roberto Salgado, ex-vice-presidente operacional; Ayanna Tenório, ex-vice-presidente; e Vinícius Samarane, ex-diretor e atual vice-presidente da instituição.

Além deles, o item inclui ainda Marcos Valério, seus ex-sócios, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino; Geiza Dias, gerente financeira da agência SMP&B, de Valério; e Simone Vasconcellos, diretora financeira da SMP&B.

O ministro Joaquim Barbosa abordou o que a Procuradoria Geral da República chamou de “sofisticado mecanismo de branqueamento de capitais” montado pela cúpula do Banco Rural partir de 2003, para dissimular a transferência de recursos que passariam por Valério, seus sócios e funcionários e que seriam distribuídos a parlamentares em troca de apoio político ao governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.   

A maioria dos réus do item 4 já foi condenada nas outras duas primeiras partes do julgamento, com exceção de Ayanna Tenório, absolvida por nove dos 10 ministros na última quinta-feira (6) por falta de provas da acusação de gestão fraudulenta. 

"Novela" e HQ lembram o caso

  • Arte UOL

    Mensalão parece enredo de novela; veja cinco possíveis finais desta "trama rocambolesca"

  • Angeli

    "O incrível mensalão" relembra os fatos

De acordo com a PGR, os dirigentes do Banco Rural viabilizaram com Marcos Valério “mecanismos e estratagemas” para omitir os registros no Banco Central dos verdadeiros beneficiários e sacadores dos recursos movimentados. 

Em seu voto, Barbosa citou laudos que apontam que foram emitidas 80 mil notas fiscais falsas: 25 mil pela agência publicitária SMP&B e 55 mil pela agência DNA, ambas de Marcos Valério. Segundo o ministro, entre as notas fiscais falsas emitidas por uma das agências de Valério, havia uma cujo valor era "superior ao faturamento anual da empresa".

Barbosa afirmou que os empréstimos concedidos pelo Banco Rural às empresas de Valério não eram quitados e, mesmo assim, foram renovados sem haver garantias suficientes de que seriam pagos.

O ministro-relator citou um empréstimo de R$ 10 milhões que o Banco BMG concedeu ao advogado Rogério Tolentino, a pedido de Marcos Valério. Segundo ele, Tolentino assinou três cheques em branco, mas não soube dizer que destino tiveram esses recursos.

De acordo com o ministro, dos R$ 10 milhões emprestados para Rogério Tolentino, R$ 6 milhões foram para 2S Participações, outra empresa de Marcos Valério.

O ministro Barbosa analisou as maneiras usadas pelos réus para, segundo ele, "mascarar" a origem e o destino do dinheiro recebido no esquema.

"O que aconteceu de fato é que o valor apropriado constitui remuneração paga aos acusados pela atividade ilícita que desenvolviam. Como o empréstimo era uma das etapas da lavagem de recursos, a retirada de parte dos valores era a parcial remuneração pelo delito”, afirmou o ministro, fazendo dele as palavras do procurador-geral da República, Roberto Gurgel.

Segundo o ministro, para ocultar que a aplicação da agência DNA tinha dinheiro de origem pública, vindo do Fundo Visanet, controlado pelo Banco do Brasil, o advogado Rogério Tolentino emprestou a sua empresa para pegar o empréstimo e esconder a origem do dinheiro. Pelo favor, recebeu R$ 410 mil.

Barbosa rebateu o argumento da defesa de Tolentino, de que ele está sendo processado apenas por ser sócio de Valério. "Ele não está sendo processado por ser sócio de Marcos Valério. A sua íntima ligação com Marcos Valério e as sociedades dele apenas reforçam e singularizam a sua conduta na acusação de lavagem de dinheiro", disse o relator.

Segundo o ministro, ao contrário do que alega a defesa dos réus, o Banco Rural tinha conhecimento sobre os reais destinatários dos empréstimos, que eram informados por Geiza Dias e Simone Vasconcellos.

"A atuação dolosa do núcleo financeiro fica mais evidente quando se atenta que o Banco Rural tinha conhecimento dos reais destinatários", afirmou o ministro, referindo-se a Marcos Valério, seus ex-sócios e ex-funcionários.

No sistema de controle do Banco Central, o Banco Rural indicava que os saques eram efetuados pela SMP&B para o pagamento de serviços prestados por terceiros. Porém, essas informações, segundo o ministro, eram falsas, porque o banco permitia que outras pessoas sacassem o dinheiro, o que dissimularia os reais destinatários dos recursos.

Segundo o ministro, foram feitas 46 operações seguindo esse modus operandi, que omitiu do Banco Central e do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) a identificação dos reais beneficiários.

Ainda de acordo com Barbosa, Valério atuou diretamente em todas as etapas da lavagem de dinheiro. Para embasar o seu argumento, o ministro cita que Marcos Valério foi fiador de empréstimo de R$ 19 milhões à SMP&B e de outro de R$ 10 milhões à Grafitti, ambas empresas de sua propriedade.

Outro lado

Em nota divulgada nesta segunda-feira (10), o Banco Rural negou ter tentado omitir os registros no Banco Central dos beneficiários e sacadores dos recursos movimentados pelas agências de Marcos Valério na época do mensalão.

Segundo o comunicado divulgado pela instituição, todos os saques efetuados pela SMP&B e DNA Propaganda “obedeceram à legislação e às normas então vigentes” da época e foram informados às autoridades por meio do formulário eletrônico do Banco Central.

Primeira fatia

O primeiro item julgado pelos ministros do Supremo, o de número 3 da denúncia da PGR, tratava dos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva e peculato (uso de cargo público para desvios de recursos) e estavam relacionadas aos contratos das empresas de Valério com o Banco do Brasil e com a Câmara dos Deputados. 

Na conclusão deste item, o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) foi condenado pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva e peculato.

Além dele, também foram condenados os publicitários Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz por corrupção ativa e peculato; e o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

A única absolvição nesta fatia foi a do ex-secretário de Comunicação do primeiro governo Lula, Luiz Gushiken, por falta de provas.

Segunda fatia

Encerrada na última quinta-feira (6), a segunda fatia do julgamento abordou o crime de gestão fraudulenta no Banco Rural. 

A acusação da Procuradoria, aceita pela maioria dos ministros, é a de que a instituição financeira abastecia o "valerioduto" (esquema pelo qual contas bancárias das empresas de Marcos Valério eram usadas para a distribuição do dinheiro do mensalão) por meio de supostos empréstimos fictícios nos valores de cerca de R$ 3 milhões para o PT e R$ 29 milhões para agências de Marcos Valério.

Por maioria de votos, foram condenados Vinícius Samarane, Kátia Rabello e José Roberto Salgado. A quarta acusada, Ayanna Tenório, foi absolvida pela Corte por falta de provas.

Pela ordem divulgada por Barbosa, o primeiro item votado foi o 3 (corrupção no Banco do Brasil e na Câmara dos Deputados) e o segundo foi o item 5 (sobre gestão fraudulenta). Em seguida, serão votados o item 4 (sobre lavagem de dinheiro) –que começa a ser analisado hoje.

Na sequência, virá o item 6 (referente à corrupção envolvendo partidos da base aliada do governo Lula), 7 (lavagem de dinheiro por parte do PT), 8 (evasão de divisas) e 2 (formação de quadrilha).

Entenda o mensalão

O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Lula. O processo tem 38 réus --um deles, contudo, foi excluído do julgamento no STF, o que fez o número cair para 37-- e entre eles há membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil).

No total, são acusados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.

O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo federal. O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.

O tribunal analisa acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.

*Colaboraram Fernanda Calgaro, em Brasília, e Guilherme Balza, em São Paulo

Entenda o dia a dia do julgamento