Relator determina a perda de mandato para deputados condenados no mensalão; revisor diverge
O relator do julgamento do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, determinou na sessão desta quinta-feira (6), no STF (Supremo Tribunal Federal), em Brasília, a perda do mandato dos deputados João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT), como efeito da condenação no processo. Barbosa também determinou a cassação do mandato de José Borba (PP), atual prefeito de Jandaia do Sul (PR).
A nação não aguenta mais esse julgamento. Let's move on
Joaquim Barbosa, ministro relatorO revisor do processo, ministro Ricardo Lewandoswki, divergiu de Barbosa e, em seu voto, defendeu que a Câmara dos Deputados decida o futuro dos parlamentares. Agora, a perda dos mandatos será votada pelos demais magistrados do Supremo na próxima segunda (10).
Pelo entendimento do Barbosa, a perda de mandato deve estar incluída na decisão judicial e a Câmara não poderia alterá-la, já o revisor acredita que a decisão deve incluir apenas a suspensão dos direitos políticos, e a decisão de perda de mandato ficaria com a Câmara.
“Condenado o deputado ou senador, no curso de seu mandato pela mais alta instância do Poder Judiciário nacional, inexiste espaço para o exercício do juízo político ou de conveniência pelo Legislativo, pois a suspensão dos direitos políticos e a consequente perda do mandato eletivo é efeito irreversível da sentença condenatória”, disse Barbosa, citando trecho da literatura jurídica nacional para embasar seu voto.
PENAS
João Paulo Cunha | 9 anos e 4 meses + multa de R$ 360.000 |
Valdemar Costa Neto | 7 anos e 10 meses + multa de R$ 1,08 milhão |
Pedro Henry | 7 anos e 2 meses + multa de R$ 888 mil |
José Borba | 2 anos e 6 meses, substituídos por pena alternativa |
A divergência se dá em torno das interpretações do Código Penal e da Constituição Federal (veja tabela no final do texto). O Código Penal determina que, nos casos de condenação criminal, um dos efeitos é a perda do mandato. Já a Constituição Federal estabelece que a Câmara dos Deputados é que deve decidir internamente com votação em plenário se os deputados devem ou não perder seus mandatos, desde que partidos com representatividade no Congresso ou a própria Mesa Diretora da Casa Legislativa peçam a abertura de um processo disciplinar para cada um deles.
Em seu voto, Barbosa afirmou que a decisão do Supremo terá caráter definitivo, isto é, a perda de mandato não dependerá de uma votação na Câmara."A sentença condenatória não é um parecer, mas uma manifestação integral e completa da instância constitucionalmente competente para sancionar em caráter definitivo."
Barbosa qualificou que, neste caso, o papel do Legislativo é “meramente declaratório, não podendo rever” a decisão condenatória final desta Corte. "Se a sentença condenatória for proferida após a diplomação [do candidato eleito], a perda do mandato ocorrer, caberá a Casa [legislativa] declarar, tão somente declarar, a perda do mandato”, acrescentou Barbosa.
Revisor discorda
Lewandowski fez uma longa sustentação para defender que a cassação do mandato dos parlamentares seja decidida pela Câmara. O magistrado citou antigos ministros do Supremo, como Nelson Jobim e Cezar Peluso, e a Constituição Federal.
“A perda do mandato dos deputados federais [...] será decidida pela Casa Legislativa pelo voto secreto e de maioria absoluta [...] nos termos Lei Maior", afirmou Lewandowski.
Na avaliação do ministro, o texto da Constituição “é claro ao outorgar” à Câmara dos Deputados ou ao Senado o poder de decisão sobre a perda de mandato, e não apenas a de declarar a decisão judicial. "A mera condenação criminal não implica pena automática do mandato."
O presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), já declarou que a eventual perda de mandato dos deputados federais condenados no processo do mensalão tem que ser decidida pela própria Casa. Se houver uma decisão contrária do STF, Maia ressalvou que a Câmara irá debater o caso.
“Na minha avaliação, a Constituição é muito clara quando determina em julgamentos criminais, condenações de parlamentares de forma criminal, a decisão final sobre isto é da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, de acordo com o caso. Mas vamos debater isso se houver uma posição por parte do STF contrária a este preceito constitucional”, disse Maia, em 29 de novembro, durante a posse do novo ministro do STF Teori Zavascki.
Mal-entendido no final da sessão
Após Lewandowski declarar seu voto, Barbosa voltou a explicar sua posição. “Vamos deixar consignada a perda [de mandato], se a Câmara [dos Deputados] resolver lá que este ou aquele parlamentar ela vai protegê-lo. Ela que arque com as consequências. Nós cumprimos a nossa missão de aplicar [a lei] para todos”, afirmou Barbosa.
Para Lewandowski, Barbosa tinha dito “com todas as letras” que era o STF que definia a perda do mandato, e não a Câmara dos Deputados.
“O que eu propus é que o Supremo não pode, não tem o direito de abdicar a este direito de, ao condenar criminalmente uma pessoa, declarar suspensos os direitos políticos (...) ou a perda de um cargo público ou mesmo de um mandato”, se explicou o ministro-relator.
“Não podemos usurpar a competência do Legislativo e desde já decretarmos a perda do mandato”, respondeu Lewandowski.
Assim, antes da conclusão da sessão, as exposições dos ministros pareciam convergir, mas o ministro relator manteve a posição diferente da do revisor, para Barbosa a perda de mandato deve constar na decisão judicial.
Ajuste nas multas
No início da sessão de hoje, Lewandowski apresentou ajustes nas multas que aplicou para os réus condenados por ele. Irritado, Barbosa disse que o revisor deveria apresentar a correção apenas para as penas que foram adotadas pelo plenário. "A nação não aguenta mais esse julgamento. Está na hora de acabar. Como dizem os ingleses, 'let's move on' (vamos seguir em frente, em tradução livre)", disse Barbosa para Lewandowski.
Para o revisor, "há uma discrepância muito grande" nos dias-multa aplicados aos réus. "os dias-multa variam de 11 a 1093." Cada dia-multa que o réu é condenado a pagar corresponde a cinco ou dez salários mínimos vigentes na época dos crimes. Veja as alterações propostas.
“Vale lembrar também, sobre a pena de multa, que ela não se confunde com confisco penal”, observou Lewandowski. “É com esse espírito que proponho à Corte a adoção de um critério objetivo.”
*Colaboraram Fabiana Nanô e Guilherme Balza, em São Paulo
Polêmica jurídica
O que diz o Código Penal | O que diz a Constituição |
Art. 92: São também efeitos da condenação: I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos. II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado; III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. Parágrafo único: os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença | Art. 55: Perderá o mandato o Deputado ou Senador: I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior; II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar; III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada; IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos; V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição; VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado. § 1º - É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas. § 2º - Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. § 3º - Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. § 4º A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2º e 3º.(Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 6, de 1994) |
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