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Abrigar deputados condenados na Câmara é "violação grave à Constituição", diz presidente do STF

Camila Campanerut

Do UOL, em Brasília

20/12/2012 16h36Atualizada em 20/12/2012 20h21

O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e relator do processo do mensalão, Joaquim Barbosa, avaliou nesta quinta-feira (20) que a hipótese - não rejeitada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS) – de abrigar os parlamentares condenados pelo Supremo no caso do mensalão para impedir uma eventual prisão deles é uma violação à Constituição. Barbosa informou que só irá anunciar amanhã (21) a decisão sobre o pedido da Procuradoria Geral da República de prisão imediata dos réus condenados do mensalão.

“A proposição de uma medida desta natureza, de acolher condenados pela Justiça no plenário de uma das Casas do Congresso, é uma violação das mais graves à Constituição brasileira”, resumiu Barbosa.

“O deputado Marco Maia não será a autoridade do Poder Legislativo que terá a incumbência de dar cumprimento à decisão do Supremo. Portanto, o que ele diz hoje não terá nenhuma repercussão no futuro ou no momento adequado da execução das penas decididas pelo plenário”, afirmou.

Marco Maia fica no posto de presidente da Câmara até o início dos trabalhos legislativos, em fevereiro, quando haverá uma nova eleição e os deputados irão decidir quem serão os novos integrantes da Mesa Diretora da Câmara.

 Pela manhã, durante coletiva de imprensa, Maia não descartou abrigar no prédio da Câmara dos Deputados os três parlamentares condenados com mandato: João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP). Apenas João Paulo Cunha recebeu pena acima de oito anos e deverá cumprir ao menos uma parte em regime fechado: foram nove anos e quatro meses, além do pagamento de multa.

"A Câmara é uma Casa aberta, não fecha as portas nunca", disse Maia. Segundo o Blog do Josias, Maia já havia dito isso em conversas reservadas que manteve com líderes partidários na noite passada.
 
Barbosa frisou que Maia não participa do processo de decisão sobre a execução penal. "Quem tem a prerrogativa da jurisprudência do Brasil é o Poder Judiciário, na eventualidade da decisão de prisão, seja definitiva ou provisória, quem escolhe o local que o preso vai ficar é o juiz e não uma autoridade política."
 
Questionado sobre as críticas de deputados e do próprio Marco Maia de ingerência do Judiciário no Legislativo, Barbosa disse que as afirmações são reflexo da falta de conhecimento dos parlamentares da função de cada um dos Poderes.
 
“É falta de compreensão do nosso sistema jurídico constitucional, ou seja, é falta de leitura, de conhecimento do próprio país, falta de conhecimento da Constituição do país, é não compreender o funcionamento regular das instituições. Tudo o que ocorreu nesta semana são fenômenos normais, regulares de um sistema de governo como o nosso: presidencialista com divisão estrita de poderes".
 
A ingerência a que se referiu Marco Maia é o entendimento que a decisão da cassação dos mandatos dos deputados condenados no processo não ficaria a cargo do Supremo, mas da Câmara dos Deputados.
 
Por cinco votos a favor e quatro votos contra, o STF decidiu que o Supremo é que definiria o assunto como consequência da perda dos direitos políticos. “Em consequência da suspensão, eles perdem os mandatos. Olha as palavras que eu estou escolhendo: não é cassação, eles perdem o mandato. Porque ninguém pode exercer o mandato parlamentar, sequer ser funcionário público, sem os direitos políticos na sua plenitude", disse Barbosa.
 
E completou: "E mais, a decisão diz: 'após o trânsito em julgado, após essa decisão'. Não há bizarrice, não há excrecência. Eles são deputados enquanto o processo estiver em curso, transitada em julgado a decisão, eles deixarão de ser deputados em força da sentença condenatória".
 

Execução das penas

 
Sobre o pedido de prisão feito pelo procurador, o ministro disse ser algo inédito. “Participei de julgamentos em que o Supremo entendeu que não é possível prisão antes do trânsito em julgado. Mas decidiu sobre casos que tramitaram em instâncias inferiores. É a primeira vez que tem de se debruçar sobre pena que ele mesmo determinou. Temos uma situação nova. À luz desse fato, de não haver precedente que se encaixe nessa situação, vou examinar o pedido do procurador", afirmou.
 
Na avaliação dele, com a apreensão dos passaportes dos condenados, não há risco no cumprimento da execução das penas nem na possibilidade de fuga deles do país.
 
O magistrado também afirmou que ficará a cargo dele a definição de como a cada um dos condenados irá cumprir suas penas. "Sim, qual é o problema? Executar é muito menos difícil que conduzir um processo como este", respondeu.
 

PENAS DOS CONDENADOS

  • Arte UOL

    Clique na imagem para ver as penas de todos os réus do mensalão

Denúncias de Marcos Valério sobre Lula

Em depoimento ao Ministério Público Federal, em setembro passado, o publicitário Marcos Valério --condenado pelo STF a mais de 40 anos de prisão por sua atuação no mensalão-- fez novas denúncias de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu “pessoalmente” o aval aos empréstimos usados para abastecer o esquema do mensalão. Valério disse ainda que Lula teve despesas pessoais pagas por meio de depósitos na conta de uma empresa de Freud Godoy, seu ex-assessor particular.

Sobre a atuação do MPF no caso, Barbosa foi enfático ao dizer que, se houver novos indícios, o órgão terá de investigar.  “Eu não acho que o Ministério Público deve investigar, é o seu dever. Deve e tem o seu dever de investigar. O Ministério Público, em matéria penal, no nosso sistema não goza da prerrogativa de escolher quais casos ele vai levar adiante”, afirmou.
 
No entanto, o ministro destacou que, independentemente do que seja apurado, as novas denúncias gerarão novo inquérito num futuro processo, que não irá interferir na ação penal 470 – mais conhecida como processo do mensalão - que foi concluída nesta semana.

Mandato de ministro

Barbosa também comentou sobre a carreira de ministro no Supremo. Na opinião dele, deveria ser instituído um mandato finito. Hoje, os magistrados assumem, após nomeação presidencial, e não têm tempo definido de permanência na Suprema Corte. Eles costumam ficar no cargo até a aposentadoria compulsória quando eles completam 70 anos.
 
Em 2003, quando Barbosa foi sabatinado no Senado, ele afirmou ser favorável a um mandato a ministro, mas defende que longevidade no exercício do cargo é “uma das chaves da independência do tribunal”.
 
O ministro também criticou o que chamou de “politicagem” dos juízes de primeiro grau para ir gradualmente subindo de posto.
 
“Juiz tem que ser livre, independente. Se para ter promoção tem que sair de pires na mão, sobretudo pedindo para políticos, não é um sistema que me parece uma coisa boa. Acho que deveria haver uma reforma constitucional”, declarou.
Barbosa destacou que a antiguidade poderia ser utilizada como critério objetivo para isso.
 

Prioridades para o próximo ano

 
Sem o mensalão na pauta, Barbosa disse que pretende priorizar os assuntos de repercussão geral no plenário do Supremo, aqueles cuja decisão valem para todos os processos semelhantes, diminuindo assim o grande número de processos parecidos que estão na fila para serem votados.
 
Quanto à gestão dele como presidente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), Barbosa disse que pretende dar continuidade à questão penitenciária, que considera “um flagelo nacional”.