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Retrospectiva 2012: Longo e contestado, julgamento do mensalão marca ao condenar figurões da política

Fernanda Calgaro e Guilherme Balza

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

02/01/2013 06h00

O ano de 2012 ficará marcado pelo julgamento do mensalão, o mais longo e complexo da história do STF (Supremo Tribunal Federal), no qual foram condenados figurões da política nacional, entre eles o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-presidente da sigla José Genoino. 

Iniciado em 2 de agosto, o julgamento teve 53 sessões --todas transmitidas ao vivo pela TV Justiça--, se estendeu por quatro meses e meio, até 17 de dezembro, e transcorreu em meio às eleições municipais.

RELEMBRE OS MELHORES MOMENTOS

  • O julgamento do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal) se estendeu por quatro meses e meio e terminou com a condenação de 25 dos 37 réus denunciados, entre eles José Dirceu, a cúpula petista e o grupo do publicitário Marcos Valério. Além do debate jurídico, o julgamento foi marcado por discussões acirradas, despedidas e momentos de descontração; relembre alguns dos melhores momentos.

Ao todo, 25 dos 37 réus foram condenados por crimes como formação de quadrilha, corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, evasão de divisas e peculato. Destes, ao menos 11 devem cumprir pena em regime fechado. As prisões dos condenados, entretanto, podem ocorrer só no final do ano que vem, após a publicação do acórdão (resumo), com os votos dos ministros, e o julgamento dos recursos das defesas.

Além das condenações, o STF cassou o mandato dos três deputados condenados: João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT). 

Para o jurista Mamede Said, professor de direito na UnB (Universidade de Brasília), o julgamento do mensalão tornou-se emblemático pelo tamanho e pelas condenações. “O fato de ter transcorrido no Supremo uma ação penal com um número de réus tão extenso e o fato de estarem sendo julgados vários crimes contra a administração, com réus que eram agentes públicos, põe fim à tradicional paralisia que caracteriza o Judiciário no tratamento de crimes de colarinho branco”, afirma 
 
O cientista político Ricardo Caldas, também professor da UnB, afirma que o julgamento é “histórico”, mas a reação da classe política às decisões do Supremo foram “bem negativas”. “Por exemplo, o presidente da Câmara dos Deputados [Marco Maia, PT-RS] dizer que não vai acatar a decisão do Supremo sobre a cassação dos mandatos. É preocupante uma reação como essa. A impressão que dá é que a classe política está ‘involuindo’, que não aprendeu nada com o julgamento.” 

Além deles, o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato acabou condenado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg, ex-sócios da corretora Bônus-Banval, usada no repasse de dinheiro a parlamentares do PP, foram condenados por lavagem e, no caso de Quadrado, por formação de quadrilha também.

Embates jurídicos

O julgamento do mensalão também foi palco de alguns embates jurídicos. A principal polêmica foi em relação à chamada teoria do domínio do fato, um dos fundamentos usados pelo relator Joaquim Barbosa na condenação de José Dirceu. Levando isso em conta, bastariam indícios de que o réu, devido a sua posição hierárquica, sabia do crime e teria dado ordens para a realização do mensalão. A defesa de Dirceu e o PT criticaram a decisão do STF, dizendo que a condenação ocorreu sem provas.

Outro tema que gerou discussão foi em relação à exigência de haver ato de ofício para caracterizar os crimes de corrupção ativa e passiva. No caso dos parlamentares acusados de receber dinheiro do esquema, a maioria dos magistrados entendeu que bastou o recebimento de propina para haver o crime, mesmo que o servidor não tenha praticado nenhum ato funcional em troca disso.

Veja como foi o dia a dia do julgamento

Troca de farpas

O julgamento também foi marcado pela intensa troca de farpas entre os ministros Joaquim Barbosa, relator, e Ricardo Lewandowski, revisor. O primeiro desentendimento se deu logo no início. Como apenas três réus tinham foro privilegiado por ocuparem cargo parlamentar, Lewandowski queria acatar uma questão de ordem apresentada por um dos advogados de defesa para que o processo fosse desmembrado e os demais réus respondessem à ação em outras instâncias.

Barbosa também se desentendeu com o ministro Marco Aurélio, que, em certa ocasião, chegou a dizer que tinha receio de ver Barbosa na presidência do STF. Em resposta, o relator do mensalão divulgou uma nota em que sugeria que Aurélio tinha chegado à Suprema Corte por conta de suas relações familiares, já que foi indicado pelo seu primo Fernando Collor, quando este era presidente.

O clima entre os dois magistrados ficou tenso em diversos momentos do mensalão, quando Barbosa interrompia o voto dos colegas que divergiam dele para fazer apartes. Marco Aurélio deu declarações à imprensa de que era difícil “manter o diálogo com quem não admite compreensão contrária”.

O último dia de julgamento, seguindo o clima tenso que se viu durante todo o processo, também teve discussões: a divergência se deu quando Barbosa anunciou que faria alguns agradecimentos a assessores que foram importantes para ele ao longo do julgamento, procedimento incomum nos julgamentos do STF. O ministro Marco Aurélio se irritou e saiu do plenário.

Futuro

O cientista político Fábio Wanderley Reis, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) diz que “há um potencial positivo” no julgamento do mensalão. “Vimos as instituições em funcionamento. O julgamento ocorreu em condições de normalidade, foi um evento complexo envolvendo figuras e políticos importantes, empresários, e estamos vendo a coisa ser conduzida com rigor. Tudo indica que vamos ter gente importante cumprindo pena de prisão. Isso certamente é algo positivo”, sustenta.

Reis, entretanto, afirma que “existe um risco de que tenha ocorrido um julgamento de exceção, que não ocorreria em outras circunstâncias, com outros partidos e outras figuras”. “Isso pode ser confirmado, depende como o STF vai se comportar daqui para frente. O desafio está feito”, acrescenta o cientista, que cita o mensalão tucano, previsto para ser julgado em 2013. “Temos casos importantes, como o mensalão do PSDB. A questão é se o STF continuará a julgar com o mesmo rigor ou se mostrará que este foi um julgamento de exceção.”

Lincoln Secco, professor do Departamento de História da USP (Universidade de São Paulo) e autor do livro “A História do PT”, não acredita que o rigor do STF se manifestará em julgamentos futuros.  “Duvido que haja um julgamento rigoroso de outros casos. No caso do mensalão, houve uma simbiose de julgamento com um clima político que exigia a condenação. O julgamento foi muito maculado pelo calendário eleitoral. Isso não vai se repetir.”